33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 240
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- Capítulo 240 - Sexagésima Quinta Página do Diário
Sexagésima Quinta Página do Diário
Fui salvo no último instante pelo meu pai.
Não estava com medo de morrer, poderia até ser um alívio, o problema era apenas me deixar ser morto por Jonas. Percebi que fui imprudente em querer resolver tudo sozinho.
Esse foi mais um aprendizado na minha longa lista de erros com os quais aprendi. Pensando bem, fugir de vez em quando não me tornaria um covarde e sim um estrategista. Tinha que ser muito esperto para saber quais batalhas devemos lutar e quais devemos evitar.
Morrer em batalha não era sacrifício se a morte fosse em vão. As mortes consideradas “gloriosas” eram justamente as que inspiraram multidões ou impactaram o psicológico do inimigo com a bravura do guerreiro.
E era isso que diferenciava guerreiros de heróis: Os que vão à guerra são soldados, os que voltam são guerreiros, e os que morrem são heróis. Nunca pretendi ser um herói, guerreiro fazia mais o meu estilo. E a diferença entre o covarde e o herói é quem está vivo ao fim do dia.
E eu faria de tudo para sobreviver.
Dentre todas as vezes que escapei por um fio de ser desvivido, ainda não tinha sido salvo por alguém de uma forma tão incrível. E lá estava meu pai à minha frente, me protegendo do heroizinho gorducho, enquanto o Cavaleiro Amassado de Prata se colocava à frente de Jonas.
— Pai… — chamei Haroldo.
— Agora não, — ele respondeu, — baixar a guarda é suicídio!
— Sabe usar aquela lança curta que estava com o Leonardo?
— Não me diga que está com ela aí…
— Ah… Estou sim…
— Aí a conversa muda!
Ele estendeu a mão em minha direção, sem tirar os olhos dos dois à frente. Não tardei em entregar a arma, torcendo que ele soubesse mesmo como aquela coisa fazia para causar explosões atômicas ou coisas do tipo.
— Você não deve usar essa coisa, Haroldo! — O Cavaleiro de Prata falou, desesperado.
Ao mesmo tempo, os outros cavaleiros que nos cercavam levantaram as lanças em nossa direção, e dessa vez eu tive a impressão que não desejavam a nossa rendição.
— Diga aos seus lacaios para abaixaram as armas ou eu mostro que que devo e sei usar essa “coisa”! — Meu pai disse em resposta.
— Você não faz ideia do que está em suas mãos! — O Cavaleiro Enlatado parecia até disposto a conversar.
— Não sei? — Haroldo sorriu — Eu sei bem o que é isso! O Raio Original, uma das relíquias que competem com deuses e heróis em termos de poder, igualmente à sua armadura! Por que acha que eu entreguei para Leonardo e o ensinei a usar?
— VOCÊ O QUÊ? — O prateado gritou.
— Quem você acha que fez a bagunça? ha-ha-ha! — Meu pai riu com entusiasmo — Eu enganei o garoto para ele quebrar a primeira regra, agora estamos nos encaminhando para o final!
— Você é horrível…
— Não finja que isso também não te beneficia, seu velho enrugado. Eu sei bem qual o teu objetivo e o motivo de mentir para os heróis. Foi por isso que deixei você brincar de mais esperto esse tempo todo. Mas as peças já estão no lugar, e mesmo que eu morra, você não vai vencer.
Senti que havia um tom de indignação no Cavaleiro de Prata, principalmente por não se atrever a rebater a afirmação de meu pai. Assim, tivemos um breve período de silêncio enquanto encarávamos uns aos outros. Deve ter sido apenas cinco segundos, no entanto, foi bem cansativo.
— André, corre! — Meu pai disse, enquanto erguia a arma em direção ao Cavaleiro de Prata.
— MATEM ELES! — gritou o enlatado.
Meu corpo demorou um segundo para reagir, e depois me joguei para o lado, caindo entre cadáveres de soldados do Sul. Meia dúzia de lanças chegaram junto a mim, uma delas me atingiu de raspão na panturrilha. Foi mais um ferimento para me desconcentrar e tirar sangue.
Corri, afinal, minha vida dependia disso. Meu corpo parecia pesar muito mais do que eu estava acostumado, como se um elefante estivesse sentado em meus ombros. Mesmo assim, eu corri.
Algo me atingiu na altura da lombar, atravessando meu abdômen e saindo pela barriga. Nem precisei olhar para saber que uma lança tinha me atravessado. Forcei para usar o Rancor para fechar o ferimento e impedir uma hemorragia.
Havia conseguido uma distância minimamente segura, não o suficiente, mas era menos arriscada do que estar no meio de dúzias de cavaleiros armados, protegidos, em maior número e menos cansados do que eu.
Envolvendo a lança com o Rancor, conforme esse era liberado junto ao meu sangue, forcei para tirá-la de mim. Não era muito bom para o ferimento, no entanto, correr com aquilo era praticamente impossível.
Senti então a lança ficando mais leve, se desfazendo e se tornando uma com o Rancor. Era como se a arma alimentasse o meu poder, aumentando a quantidade disponível e fechando o ferimento. Não foi o suficiente para regenerar o buraco que tinha na minha barriga, mas reduziu a dor e impediu uma hemorragia mortal.
Agora eu tinha um pouco mais do que o volume de uma lança longa transformado em névoa escura de Rancor. Para quem estava desprotegido segundo antes, eu me senti um por cento revigorado e com esperança de sobreviver.
Me restava descobrir se conseguia transformar outras lanças ou coisas em Rancor ou só se me causasse um ferimento possível de morte. Não era o melhor momento para fazer experiências, meia dúzia de lanças vinham a mim como alvo, enquanto metade dos cavaleiros me cercava em um ataque em pinça.
Estava tão focado em sobreviver que esqueci do meu pai até ouvir uma explosão vindo do lugar onde ele estava. Os cavaleiros pararam e eu consegui usar o Rancor para fazer um escudo convexo e alterar a direção das lanças o suficiente para não me atingirem.
A dezenas de metros, vi Haroldo erguendo uma lança curta e brilhante, o Cavaleiro de Prata com um braço e uma perna expostos enquanto protegia Jonas, e vários soldados caídos.
Peguei uma das lanças que caíram perto de mim e, aproveitando a distração dos inimigos, tentei transformar em Rancor. Percebi que o Rancor digeria o material da arma, se alimentando dele, mas a uma velocidade menor, e que aquilo me cansava.
— EU VOU TE MATAR, SEU DESGRAÇADO! — A voz era o Cavaleiro de Prata.
— Que tal declarar um empate? — Haroldo falou.
Eu sabia que os dois lados estavam bastante desgastados, mas os inimigos ainda tinham a vantagem. Eu e meu pai estávamos cansados demais, mas ele não estava ameaçando matar todos, apenas Jonas.
Um herói era importante demais para arriscar, e a arma brilhante que peguei de Leonardo parecia ser o fator que equilibrava a situação. A maior prova disso foi ver os cavaleiros se afastando de mim, sem baixar a guarda.
Meu pai fez o mesmo, sem dar as costas aos inimigos, caminhou em minha direção. Jonas estava na mira da lança curta, e eu tinha a impressão de que se ele quisesse, teria eliminado o gorducho ali mesmo.
— Vocês queriam uma guerra? — Meu pai falou, com cansaço na voz — Parabéns, vocês têm uma guerra!
— Vai levar nossa declaração ao Sul? — O Cavaleiro de Lata perguntou com um tom de deboche na voz cansada.
— Vocês possuem o corpo de Zang-Nee, é só entregar a long-Hua e terão o que querem.
Chegando onde eu estava, meu pai colocou a mão em meu ombro e assentiu, como se agradecesse por eu ter sobrevivido. Mesmo com o cansaço aparente, ele sorria. Foi aí que percebi que as coisas estavam indo conforme ele desejava.
Eu não sabia qual era o plano dele, mas parecia que estava dando certo.
— Por que não matamos logo eles? — perguntei — A armadura do Cavaleiro de Prata está só o bagaço e Jonas quase cagou nas calças…
— Não é assim que as coisas funcionam, filho. — Ele respondeu enquanto nos asfastávamos com cuidado dos inimigos — Se um dos 31 morrer antes da hora, vai atrapalhar a ordem de tabus a serem quebrados, e não sou eu quem deve matar o Cavaleiro de Prata.
Eu não entendia as palavras de meu pai, mas sabia que elas carregavam um significado pesado e complexo.