33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 242
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Sexagésima Sétima Página do Diário
Chegando na Montanha Solitária, tudo que eu queria era uma sessão de cura e um pouco de descanso. Havia feito merda e arriscado minha vida demais em pouco tempo. Foi apenas uma semana, mas pareceu metade de um ano.
Miraa já estava a par de todas as notícias, graças à minha rede de informações. Então as tropas já estavam se mobilizando por todo o Reino do Leste, as notícias iam e vinham com novidades boas e ruins, e era perceptível que havia uma alteração dos nervos de geral na capital do Leste.
O exército estava se dividindo entre as “tropas avançadas”, composta por soldados experientes, que foram alocados nas fronteiras; “tropas estacionárias”, composta por soldados veteranos e novatos, responsável por proteger as cidades e vilas dentro do reino; “esquadrão de logística”, responsável pela cadeia de suprimentos; e a “rede de inteligência”, que ficou responsável por toda a cadeia de informações.
Graças à minha rede de informações, fiquei incumbido de cuidar das atividades de espionagem. Shiduu e Surii ficaram no meu time, juntos recebemos a missão de nos infiltrarmos no Reino de Prata e sabotar a rota de suprimentos militares.
A ideia não era acabar com a guerra de uma forma tão simples, apenas atrasar o deslocamento dos inimigos, nos dando vantagem de terreno. Obviamente, eles estariam esperando por ações do tipo, por isso, passamos as semanas seguintes nos preparando física e mentalemnte para tal missão.
Nas semanas seguintes, enquanto me recuperava da batalha recente, me forcei a decorar as principais rotas mapeadas da região do Reino de Prata, próximas ao Leste. Também fiz um estudo avançado da topografia da região e as figuras de poder e influência.
Todos dias, após longas horas de leitura e estudo de mapas, me reunia com Shiduu e Surii para discutir possibilidades de ação e defesa. Depois, treinávamos combate e defesa pessoal.
Foquei meu treino em velocidade e mira. Nunca fui bom com arremessos, mas descobri como ajustar a rota de objetos usando o controle do Rancor.
No quesito velocidade, eu estagnei. Aprendi com Ladii um movimento que me fazia praticamente desaparecer, mas colocava muita pressão no tornozelo, e da última vez terminei com uma perna quebrada.
Desde então, evitei o movimento, nem mesmo treinando-o. Resolvi que era hora de descobrir como melhorar, e comecei a treinar o giro pelo menos três vezes ao dia, mais que isso colocava muita pressão no tornozelo.
Um dia, meu pai resolveu assistir nosso treino e dar algumas dicas. Aparentemente, ele estava de folga ou enjoou de burocracia. Ao me ver treinando o movimento que aprendi com Ladii, se aproximou rindo.
— É um belo movimento! — Ele disse — Pena que está incompleto…
— Como assim? — perguntei.
— Esse é um movimento de um conjunto de três. — Haroldo explicou — O primeiro é o desaparecimento, o que você faz com precisão. Permite sair da zona de visão do adversário e se colocar atrás dele.
— Eu sei disso.
— Então me mostre o que sabe!
Haroldo se pôs em posição de ataque, bem na minha frente. Não hesitei e usei o movimento, girando meu corpo no sentido horário três vezes, parei atrás dele.
Para minha surpresa, meu pai estava de frente para mim. Ele acompanhou meu movimento se aproveitando do momento em que eu era obrigado a dar as costas a ele.
— O desaparecimento é um ótimo movimento contra quem não o conhece. — Ele explicou — Mas quando se sabe como ele funciona, é fácil se defender.
— E por isso existem outros dois?
— Sim. Vou te mostrar o segundo. Tenta fazer o que eu fiz…
No mesmo instante ele desapareceu do meu campo de visão. Sabendo que reapareceria atrás de mim, girei o corpo em cento e oitenta graus, bem no momento que Haroldo apareceu de novo.
Assim que nossos olhos se cruzaram, seu corpo sumiu mais uma vez, e reapareceu dez metros à frente. Percebi que, seja lá o que ele fez, quebraria qualquer chance de contra-ataque meu, principalmente se o local do segundo aparecimento fosse imprevisível.
— Fazendo isso, você usa a força que colocaria no tornozelo como impulso para se arremessar no ar. — Haroldo explicou — É só levantar o pé e equilibrar o corpo no ar. Com muito treino você consegue controlar a rota e a distância.
Como qualquer bom jovem empolgado em aprender algo novo, não pensei duas vezes e executei o movimento. O giro triplo para o lado eu já estava acostumado, e no final, em vez de forçar a parada brusca, tirei ambos os pés do chão.
Senti meu corpo flutuando, me preparei para o pouso, firmei os pés e flexionei os joelhos, mas nada do chão chegar. Senti meu corpo inteiro acertar a parede com a força de uma carreta “nove eixos”.
— Foi um bom começo! — A voz do meu pai pareceu tão longe — Agora entendi como ferrou o tornozelo da outra vez…
Só aí percebi que tinha atravessado toda a área de treinos. Eu tinha voado por mais de trinta metros. Isso me fez entender o motivo de tanto impacto no meu tornozelo.
Se a força me fez voar sem controle, não teria tornozelo humano para aguentar tamanho impacto. Conseguir controlar o movimento faria eu ter uma vantagem absurda em batalha.
— Agora o terceiro movimento! — Antes que eu conseguisse me recompor, meu pai se aproximou animado — Transfira a força para uma arma e ataque. Se for uma espada, vai cortar com mais força, uma lança vai aumentar o dano da perfuração, uma arma de arremesso terá mais alcance…
— Acho que entendi…
Agora eu tinha mais treino para fazer e estava muito animado com isso.
Meu pai repetiu algumas vezes o movimento, e mesmo sendo rápido demais para conseguir ver o que ele fez, deu para entender o sentido geral da sequência de execução. Então foquei em tentar entender através da prática.
Nos dias seguintes, a minha rotina permaneceu fixa em estudar até a cabeça doer, depois discutir os planos com Shiduu e Surii até querermos sair na mão e depois treinar até desmaiar.
Entre cada uma dessas atividades havia uma refeição completa. Após desmaiar, era tratado por Tibee, e quando acordava, tomava banho, jantava e voltava a dormir.
Com isso, adquiri o hábito de dormir de quatro a cinco horas por dia. Além de ser suficiente para meu descanso, já que o Rancor fazia o resto, impedia os pesadelos recorrentes com mortes e gritos de terror.
Até que o dia chegou.
Os Ratos informaram que uma tropa havia sido enviada da Cidade de Prata para aumentar o contingente na fronteira com o Leste. Era o momento de agir ou poderíamos perder muitas vidas.
Toda a bagagem estava preparada a dias, minha ansiedade estava sob controle e suspendi o treino para meu corpo descansar para uma longa viagem e possíveis batalhas. Surii estava animada, não era mais a sua primeira missão, e Shiduu estava tão calejada que parecia até desanimada em ter que fazer mais um trabalho.
Um dia antes de saírmos, Haroldo se despediu do Leste e viajou sozinho para o Norte. Segundo ele, precisava passar na sua antiga casa, nas ruínas do Reino de Pedra, para pegar uma “coisa” que deixou guardada.
Como ele não quis dizer do que se tratava, achei melhor não perguntar. Meu pai tinha seus segredos, mas era a pessoa que mais botava moral no continente. No entanto, percebi que ele levou a arma que Leonardo usou, isso me fez concluir que o verdadeiro objetivo dele era esconder a “coisa”, em vez de pegar.
E com razão. A lança de raios era perigosa demais para cair nas mãos de pessoas erradas. Depois de ver ela torrar metade da armadura do Cavaleiro de Prata, eu é que não ia me meter na frente daquela arma.
Um dia após a saída de Haroldo, foi a minha vez de pegar a estrada rumo ao Oeste. Minha própria Jornada ao Oeste, e comigo duas das pessoas em que eu mais confiava: Shiduu, a assassina, e Surii, a ladra.