33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 243
- Início
- 33: Depois de Salvarem um Mundo
- Capítulo 243 - Sexagésima Oitava Página do Diário
Sexagésima Oitava Página do Diário
Deixar mais uma vez a Montanha Solitária para trás era como dizer “adeus” sem saber se voltaria. Mesmo que soasse como um “até logo”, poderia um dia ser o último.
Eu tinha consciência de que um dia poderia ver pela última vez a montanha escura sumindo no horizonte. Ainda não estava pronto para esse momento, por isso, faria de tudo para voltar vivo e o mais inteiro possível.
O olhar de Miraa na porta, nos vendo partir, era de cortar o coração. Todas as vezes que precisei deixá-la, minha mãe adotiva tinha aquela mesma expressão. Uma mistura de tristeza com uma oração silenciosa pedindo pelo nosso retorno em segurança.
Eu também não queria ter que partir, preferia poder curtir a vida como era antes de vir para esse mundo, perder a memória e morar numa cabana caindo aos pedaços com vários órfão. Claro que eu queria poder ficar na cama até mais tarde e não ser assombrado por pesadelos horríveis. Eu era apenas um adolescente, e mesmo assim parecia que o destino do mundo estava nos meus ombros.
Havia um nó em minha garganta, uma vontade de chorar que me obrigou a não olhar para trás ou perderia toda a coragem de sair em missão.
Fechei os olhos e respirei fundo sabendo que as minhas irmãs estavam em uma situação parecida. Pelo menos eu tive uma primeira infância boa, diferente de Surii que foi criada por um ladrão que a usava em seus crimes, ou Shiduu, que teve sua família dizimada em um conflito de clãs.
Nós três encontramos em Miraa a segurança de uma família, e no Leste, a força para nos proteger e defender os mais fracos. Era isso que faríamos. Era por isso que precisávamos acabar com a guerra o mais rápido possível.
Eu sabia que seria uma viagem longa em distância e uma missão longa em duração, por isso teria tempo para aprimorar mais ainda as minhas habilidades. Como a carroça não tinha espaço para treino físico, foquei em meditação e criação de armadura com Rancor.
Como apenas nós três estávamos nessa missão, era importante revezar a guia da carroça, o que não era incômodo nenhum, na verdade, ajuda muito no treino de percepção. Mesmo sabendo que as estradas eram bastante seguras no trecho dentro do Reino do Leste, não sabíamos o que encontraríamos no Reino de Prata.
Até chegar na fronteira, foram dois dias de viagem lenta e tranquila. Pernoitamos em Parva, que ficava próxima à Grande Falha, e também a uma das três pontes que ligavam o Leste ao Reino de Prat. Aproveitei para reencontrar Adênia, Nilo, Brogo e Jairo.
Um encontro rápido, no outro dia sairíamos antes do sol. Mas eu precisava de informações, entre elas, sobre Van-Nee, que Brogo e Jairo ajudaram a trazer para o Leste. Após eles informarem que a escoltaram pessoalmente até uma vila agrícola ao norte do reino, e que a deixaram em segurança, eu fiquei mais tranquilo.
Por mais que Leonardo fosse um bosta, Van-Nee era uma pessoa legal e eu sabia como era estar apaixonado.
Também aproveitei para pegar informações sobre os inimigos no outro lado da fronteira. Adênia passou as informações mais recentes, contando como foi o ataque e como resistiram a custo de muitas vidas.
Com base nos relatórios da minha antiga parceira de sobrevivência, tracei uma rota para cruzar a Grande Falha e contornar o acampamento das tropas de prata. Isso faria a gente dar uma volta grande, pegar uma estrada mais ao norte e andar quase o triplo da distância que percorriríamos se fosse pela estrada principal.
Mas tudo era pelo bem da missão.
Jairo e Brogo se ofereceram para ir comigo, o que seria bom se não chamasse atenção desnecessária andar com um grupo grande quando estávamos em uma missão secreta. Tive que recusar a presença de duas das pessoas que eu mais confiava para uma batalha.
E outra vez parti, deixando para trás pessoas que se preocupavam comigo. aquela era uma cena que já tinha virado parte de minha rotina: pegar a estrada enquanto alguém me olhava sem saber se eu voltaria.
Eu precisava acabar de vez com aquele ciclo de tristeza e morte. E muitas dessas mortes eram causadas por mim, direta ou indiretamente. Por isso era tão importante sabotar a linha de suprimentos do exército do Reino de Prata, assim eles teriam que atrasar os planos e evitaríamos ao máximo os confrontos e as mortes.
O sol ainda demoraria para nascer, por isso nos apressamos em cruzar a ponte que atravessava a Grande Falha enquanto a névoa da madrugada ainda cobria tudo. Era uma desvantagem visual para ambos os lados, com a diferença de que sabíamos o que tinha do outro lado, e nossos inimigos não sabiam da nossa presença.
Com a experiência de Shiduu em se movimentar em locais de visibilidade reduzida, conseguimos passar pela ponte, depois seguir para o norte acompanhando o penhasco onde a névoa escura enfeitava o fundo. Antes do sol nascer nós chegamos numa estradinha que nem aparecia na maioria dos mapas, ela parecia vir de alguma vila ou fazenda e acabava na bairrada da Grande Falha.
Pelos poucos rastros de carroças sobre a grama rala, que pareciam ter dias de diferença, deu para imaginar que aquele era um ponto de descarte de algum tipo de lixo. A Grande Falha estava sendo utilizada como aterro sanitário, e pelo mau cheiro, era esterco e resto de animais.
Possivelmente, alguém que trabalhava com criação e abate de animais ali perto teve a brilhante ideia de usar uma rachadura quilométrica para descartar resíduos do seu empreendimento. É o que dá existir um mundo sem leis ambientais.
E pensar que só de olhar para baixo e ver aquela névoa escura me fazia ter arrepios com as memórias de quando fiquei lá embaixo. Se não fosse pela bolinha de osso que estava em meu bolso quando saí, teria todos os motivos para acreditar que tudo foi uma alucinação.
Ali, naquele penhasco mortal, começou um novo período na minha vida, onde ganhei um poder e uma maldição. Se não fosse por Miraa, eu poderia ter usado meu poder para ser um grande vilão e me vingar de todos os heróis, machucando muita gente inocente no processo, mas ela me deu uma chance de viver bem e ver que todos devemos ter uma chance de ser feliz.
Pena que alguns não abracem a oportunidade.
Nesse mesmo lugar, desta vez do lado de fora, jurei que faria o meu melhor para pôr esse mundo nos eixos e encontrar o meu “final feliz”. Fechando os olhos, desejei encontrar Zita, e não sei por quê, imaginei nós dois caminhando na praia de mãos dadas.
— O que foi, Deco? — Shiduu perguntou, me tirando da imaginação feliz em que estava.
— Lembrou de algo bom? — Surii me cutucou — Tava sorrindo igual um bobão!
— Talvez eu seja um bobão… — Empurrei ela — E não fica tão perto de mim…
Shiduu me encarava com uma expressão neutra, quase como se quisesse sorrir, o que era bem raro para ela.
— Você não é um bobão, Deco. — Shiduu pôs a mão em meu ombro — Já vi coisas que me fizeram questionar se você era um monstro, mas um bobão? Nunca!
Aquela era a forma de Shiduu elogiar alguém, então aceitei o comentário e seguimos em frente. Havia uma longa estrada para seguir e um plano para colocar em ação.