33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 245
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- Capítulo 245 - Septuagésima Página do Diário - parte 1
Septuagésima Página do Diário – parte 1
Durante quatro dias, Shiduu, Surii e eu, mantivemos uma rotina simples: pela manhã nos revezamos na vigília da estrada, ao meio dia fomos à vila comprar carne seca, e à noite tentamos nos aproximar do acampamento inimigo para coletar informações.
Conforme os dias avançavam, percebemos um aumento na circulação de carroças pela estrada, o que indicava serem batedores disfarçados para procurar possíveis armadilhas. Pelo visto, os inimigos eram espertos em proteger a carga de mantimentos.
Também tivemos um avanço no entrosamento com a vila. No segundo dia que fomos lá, Surii ganhou uma cesta de batatas, no terceiro, ganhei um prato de sopa, e no quarto dia, a açougueiro nos deu carne fresca. Ele era o responsável pelo descarte de restos na Grande Falha, que gerou a estrada que nos levou até ali.
Bem alimentados, usei minha névoa de Rancor para me ocultar na escuridão e entrar no acampamento. Era arriscado demais fazer qualquer movimento precipitado, então sondei apenas os arredores. Foi suficiente para obter algumas informações ouvindo as conversas dos guardas.
Aparentemente, eles planejavam lançar uma investida em menos de uma semana, atacando Parva com o dobro do contingente anterior. Pelos meus cálculos, ainda não seria suficiente para dominarem a cidade, mesmo assim, pessoas aliadas morreriam.
Não havia espaço para falha no nosso plano de impedir a chegada dos mantimentos ao batalhão de ataque. Qualquer passo em falso resultaria na morte de dezenas de pessoas inocentes.
Na quarta noite, dentre as conversas dos soldados, ouvi comentem que o Reino de Cristal só havia se aliado ao Reino de Prata por influência dos heróis, e que a Princesa Esmeralda era objeto de desejo do atual Príncipe Regente sobre o Trono de Prata.
Fiquei preocupado com a segurança de Ametista e Victoria, mas mantive a cabeça fria, sabia que aquelas duas sabiam se virar bem e protegeriam a princesa se fosse necessário. Não era hora de me preocupar com os outros e esquecer a minha missão.
No dia seguinte seria o grande dia.
E foi.
O dia mal tinha começado, com o sol surgindo timidamente no horizonte e a neblina cobrindo todo vale onde se encontrava o acampamento das tropas de Prata. Shiduu e eu nos posicionamos nos pontos estratégicos que achamos mais seguros para o ataque ao comboio, e Surii estava descansando da sua vigília. Ela havia pegado o terceiro turno enquanto eu e Shiduu dormíamos.
A primeira equipe de batedores passou sem nos ver, afinal, quem esperaria um ataque em um local aberto como aqueles? Era uma pradaria, a topografia era plana e a vegetação, rasteira. O trabalho dos batedores era de ficar de olho aos arredores, buscando possíveis inimigos na vegetação, não esperaria dois jovens enterrados no meio da estrada.
Shiduu deu a ideia de cavarmos um túnel começando detrás de uma rocha escondida e finalizando debaixo da estrada, o que só foi possível pela Rancor em forma de pá. Usei o rancor para escorar e fortalecer o local, evitando desabamentos, e ali ficamos aguardando.
E tinha a isca, é claro!
Montamos vinte espantalhos, posicionados mais à frente, dando a impressão de serem pessoas escondidas. Para isso, estudamos posições e locais para colocá-los. O sucesso da missão dependia de iniciarmos o ataque antes dos batedores descobrissem que era uma isca.
A segunda equipe de batedores passou, mantendo uns cem metros de distância, como sempre. E depois veio uma terceira equipe, o que já esperávamos pela forma como eles estavam cautelosos com o transporte de suprimentos. E não era sem razão, a logística sempre é o maior fator limitante em qualquer tipo de investimento bélico.
Enfim, a comitiva de carroças começou a passar por onde estávamos. Ao mesmo tempo, gritos vieram da frente, na direção onde colocamos os espantalhos, o que indicava que tinham achado a isca. Agora sabiam que seriam emboscados, não havia tempo a perder.
Apenas um olhar de Shiduu foi o suficiente para confirmar a minha expectativa e, usando o Rancor que formava as escoras, forcei o solo acima de nossas cabeças, abrindo o buraco e saindo no meio da comitiva com bastante estardalhaço.
A entrada triunfal era parte de impacto em cima dos adversários. Uma boa entrada garantia dez por cento da vitória. Quebrar a moral inimiga era fundamental, então. E foi o que fiz, mandando pedras, poeira e névoa de Rancor em toda direção.
A maioria dos guardas havia seguido para a frente devido a isca, e apenas uma pequena parte estava ainda em guarda, protegendo os mantimentos. Foi nesses pobres coitados que Shiduu avançou primeiro, cortando-lhes as gargantas em meio à névoa escura, sem que eles sequer vissem de onde ela veio.
Enquanto Shiduu fazia o que sabia fazer de melhor, usei a névoa espalhada para formar armas e quebrar as ligações das carroças com as rodas e os animais que as puxavam. Deter a mobilidade era a minha função, e com o atual controle que desenvolvi sobre o Rancor, isso era bem fácil de fazer.
No meio da confusão causada pela névoa escura, gritos guturais e cavalos e bois correndo sem direção, pessoas eram pisoteadas, outras eram decapitadas, e o caos foi incontrolável.
Surii, que a esse ponto já tinha descansado o suficiente, aproveitou a bagunça que causamos e se esgueirou para fora do buraco com a missão de incendiar as carroças. Quanto mais estragos causássemos, melhor.
Com algumas bombas incendiárias que Kai havia inventado, rapidamente três carroças imergiram em chamas. Pelas minhas contas, ainda tinha uma dúzia de outras carroças para destruir, o que seria cansativo para nós três, considerando que já não tínhamos o elemento surpresa, e os guardas estavam retornando após descobrirem que a isca era falsa.
Juntei toda a névoa de Rancor em torno de mim, criando uma armadura leve e algumas armas. Shiduu já havia avançado o suficiente para não depender da minha ajuda, e Surii se misturou na na bagunça, restando a mim segurar os inimigos enquanto elas terminavam o serviço.
Foi quando uma carroça em chamas passou voando a poucos centímetros da minha cabeça. Seguro de que Shiduu dera cabo de todos os perigos na parte de trás, me concentrei só nos inimigos à frente e baixei a guarda.
— Errou, Cat! — Uma voz feminina disse.
— Eu percebi, Kira. — respondeu outra voz feminina, dessa vez mais infantil.
Os soldados pararam de avançar quando viram as duas garotas, o que me fez concluir a pior das hipóteses: eram duas heroínas! Eu não tinha sorte nenhuma, sempre que tentava fazer algo, aparecia alguém dos 32.
— Olá, garotas… — Fingi cordialidade — Quanto tempo!?
— André… — A mais baixinha me encarou, estreitando os olhos — Por que será que não fico surpresa com isso?
— Heróis causando guerra? — retruquei — Isso também não me surpreende tanto assim.
— Quem nos atacou foi você! — A outra garota apontou o dedo em minha direção, claramente irritada.
— Só estou fazendo isso para proteger o meu lar!
— O Leste? — perguntou a baixinha — Aquele lugar é um perigo à existência da paz nesse continente! Você não consegue ver isso?
Respirei fundo para não mandar tomar no cu.
— Vocês começam uma guerra e dizem que a gente ameaça a paz? — sorri ironicamente.
— Não esquece que foi você que começou isso quando roubou a semente…
— Sempre a porra da história da semente? Ninguém lembra que o Reino de Prata roubou primeiro? Eu só recuperei e devolvi para o lugar certo, o Templo da Floresta!
Era uma meia verdade da minha parte, mas ela tinha razão em dizer que eu fui o estopim da guerra. O problema era que eu estava buscando salvar pessoas enquanto os ditos “heróis” estavam matando.
— Você fala que ajudou o povo da floresta, mas todos sabem que participou da morte de Zang-Nee! — A mais alta interferiu.
Eu nem estava lá quando Zang-Nee morreu, mas havia concordado em ajudar a filha dele, não ia me defender nem aceitar a acusação, apenas dar ouvidos surdos às palavras da garota.
Sabendo que o confronto era inevitável, busquei uma forma de desestabilizar eles mentalmente. E nisso eu era bom, quem dera fosse bom assim em lembrar nomes, e por falar nisso, lembrei que não sabia os nomes delas.
— Ok. Então vocês sabem quem eu sou e o que fiz, mas quem são vocês mesmo?
Isso sempre funcionava.
— Eu sou Valquíria! — A mais alta deu um passo à frente e me cumprimentou com uma reverência — Meu poder me dá o controle sobre os metais, e esta é a Catarina, ela tem superforça e pele invulnerável.
Eu realmente não esperava por aquilo.
Enquanto Valquíria fazia as apresentações, Catarina a encarava, incrédula. Era como se não acreditasse na calma da parceira. Eu, por outro lado, conhecia um pouco de jogos mentais, percebi que Valquíria não se abalaria facilmente, o lance seria irritar a baixinha.
— Se vamos enfrentar a versão feminina do magneto e o Hulk anão, permitam-me mostrar-lhes o meu poder! — Imitei a cortesia de Valquíria, enquanto liberava todo meu estoque de Rancor e reforçava a armadura.