33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 246
Um Lugar Para Minha Cabeça
Imagine viver duas décadas e meia em meio ao caos, dor e sofrimento, sendo submetido a uma vida de correria e risco de morte, recebendo ódio de todos os lados e muitas vezes, sem motivo, sendo atacado por pessoas que vêm do mesmo lugar que você.
Essa foi a vida que André Lima conheceu por longos doze anos, metade de sua vida foi resumida a matar e tentar não morrer. Para muitos, parece ser apenas uma aventura fantasiosa e divertida, mas ninguém gostaria realmente de estar no lugar daquele jovem.
Das poucas coisas que o impedia de sucumbir à loucura e tirar a própria vida, tinha aquela garota ruiva chamada Elizabeth Cruz, ou simplesmente Zita, uma jovem que sorria com os olhos e capturou o coração do nosso pobre protagonista. Ao contrário dele, Zita era amada e respeitada por todas as pessoas, ninguém tentaria contra a vida dela.
Ambos viveram um amor impossível, no qual o destino fazia de tudo para mantê-los separados. Por oito anos eles viveram no mesmo mundo, mas sempre distantes um do outro, e por mais quatro anos, estiveram em mundos separados. Tudo mudou quando André, também conhecido como “Deco do Leste”, rasgou o véu do espaço-tempo e voltou para seu mundo original, reencontrando assim a sua amada.
Se fosse uma história de amor, esse seria o final perfeito, mas fora apenas mais uma parte da jornada daqueles jovens em busca de ter direito a viverem em liberdade. Entretanto, quem conhece a vida sabe que finais felizes não acontecem tão fácil, e muitas vezes o que achamos ser o final da jornada é apenas mais uma fase a ser vencida.
Há quem odeie o autor em sua Existência por ter feito um mundo tão injusto para nossos personagens, e um deles pode ser você que está lendo. Sim, eu estou quebrando a tal da quarta parede e falando diretamente com você, na verdade eu faço isso desde o começo, caso não tenha percebido.
Como narrador, minha única função é contar a história, então não é a mim que deve odiar.
Está curioso para saber do casamento dos nossos personagens principais? Eu também estou. E posso te garantir, sem spoiler, que eles merecem por demais a felicidade da união matrimonial que estão prestes a celebrar.
André, por exemplo, nem com seus anos de teatro forçado e atuação em campo, conseguia disfarçar a ansiedade de se casar. Imagina o quão difícil era para ele estar ali na frente de todo mundo, usando uma roupa chique sendo metade do centro das atenções?
Digo metade porque Zita era tão importante quanto nosso amado Deco, e quando ela entrou no salão com aquele vestido que parecia ser feito de chamas, André até conseguiu relaxar por ver que a garota havia roubado todos os olhares para si.
Ela poderia ter usado um vestido branco? Poderia. Mas agora, Elizabeth era uma deusa, tinha o poder do fogo e da imortalidade em suas mãos. Estava, portanto, acima de qualquer mínima convenção social e queria mostrar isso a todos ali.
Aquele seria um casamento que entraria para a história. Mil anos no futuro, as noivas desejariam ter um vestido que exalasse uma mínima fração da beleza que tinha no traje matrimonial de Zita.
Tudo havia sido pensado minimamente em seus detalhes, como paleta de cores complementares, com o vestido em tons de vermelho e laranja, confeccionado de chamas reais conjuradas por Zita e as jóias em esmeraldas verdes com o contorno dourado.
E havia aquele olhar.
Um par de olhos fixados em André, com um sorriso leves nos lábios vermelhos, em uma expressão que passava a plena sensação de que ela era mesmo uma deusa. Até que não soubesse com antecedência, teria a certeza apenas de ver Zita entrando no salão.
André teve certeza do significado da palavra “felicidade” naquele dia. Tudo que ele mais desejava estava acontecendo: O casamento com o amor de sua vida, seus amigos ao redor vibrando com ele, sua mãe e sua irmã de volta. Por um breve momento na sua vida ele não se importou com a dor que a maldição do Rancor lhe causava, ou com o braço direito que insistia em não querer ficar no lugar.
Não.
Nada mais importava.
Ele estava feliz e ponto final.
Sua felicidade só se equiparava ao nervosismo que sentia. E vai dizer que você que está lendo também não ficaria nervoso se estivesse prestes a se casar com uma deusa ruiva, linda e imortal, com a qual desejou viver para sempre desde o dia em se viram pela primeira vez?
Estendendo a mão para receber Elizabeth, André se esforçou para não tremer demais e passar vergonha na frente dos convidados. Então ambos se puseram de frente ao cerimonialista, que não era ninguém menos que o governante do Reino do Sul, Long-Hua.
E com o silêncio que fazia, dando para ouvir as respirações ansiosas dos convidados, a voz grave do líder do clã do deserto se fez ouvir, falando a respeito do deveria ser a união entre duas pessoas, sobre o que o amor representava e o quão belo era o amor de André e Zita.
Muitos sons de choro e fungadas começaram a se ouvir vindos da plateia, um desses era de Lídia, a assistente de Felipe, que por várias vezes disputou os potes de biscoitos com André, e agora era a chefe de ciência do Leste ao lado de Kai, o engenheiro filho de Miraa. Juntos desenvolveram muitas tecnologias para o Outro Mundo, adaptando os conhecimentos de Lídia com a mente criativa de Kai.
Até a brava Shiduu estava com olhos marejados e, de vez em quando, apertando forte a mão de Valmir. Surii também estava emocionada, apesar de não ter encontrado um amor para si, sempre torceu muito pela felicidade de Deco.
Leonardo e Van-Nee assistiam de mãos dadas, com a filha do casal, a pequena Andreia, sentada no colo do pai, ignorando toda aquela cerimônia, que para uma criança, não passava de chatice.
Lucas e Hugo também assistiam de mãos dadas, um amor tão difícil quanto o deles, não importava o mundo, sempre teria quem achasse errado. Mas não quiseram fazer como Anne e Iffy, que fugiram para viver um amor e deixaram tudo para trás.
Havia chegado a hora dos votos, André falaria primeiro. O silêncio dos convidados continuava, com a exceção de umas fungadas de vez em quando, vida dos chorosos.
— No meio de tanta guerra e escuridão, nosso amor brilhou. — Ele começou — Na primeira vez que nos vimos, estávamos perdidos no eco. A primeira vez que nos beijamos, foi como se o silêncio dissesse tudo. A primeira vez que disse que te amava, deu pane no sistema, alguém me desconfigurou. A primeira vez que você foi minha, foi à sua maneira.
O sorriso nos lábios de Zita indicavam que aquela era a trilha sonora da vida do casal.
— E o que falar dessa mulher? — André continuou — Complicada e perfeitinha? Proibida pra mim? É a moça da cantiga, a mulher da criação! Mulher tu és o encanto, de todo filme romântico tu és a mais linda cena. Foi Deus e a natureza quem te deu essa beleza, tão branca meiga e serena. És uma tremenda gata, daquelas que a morte mata e depois vai chorar com pena!
A citação à volta dos mortos por parte da nova deusa do fogo tirou alguns risos em meio à emoção da declaração de amor.
— Para mim você é perfeita! — Deco tinha um tom emotivo na voz, coisa que ninguém jamais tinha presenciado — E mesmo que não seja, amar seus defeitos é minha virtude! Porque você é ela, a mulher por quem me apaixonei, e ela é daquelas que tu gosta na primeira, se apaixona na segunda e perde a linha na terceira. Ela é discreta e cultua bons livros, e ama os animais… Tá ligado, eu sou o bicho! — e fazendo uma pausa para respirar, ele finalizou em voz baixa, quase inaudível — Você é o lugar para a minha cabeça, para que enfim eu possa descansar…