3552 Sem Memórias - Capítulo 7
Estávamos em uma antiga estação militar, esperando o resgate de Drake e a carga de adrenalix primordial. Essa abandonada base já tinha sido um ponto de parada entre as fortalezas antes da criação da ferrovia sônica; hoje restam apenas ruínas da próspera vila. Essas bases eram conhecidas como guaritas, pois anteriormente eram usadas como postos de vigias para verificar a movimentação dos cranyus.
Naquele momento, o que prevalecia no ambiente era o cheiro de pólvora e o som incessante de um tiroteio, mas pouco a pouco a atmosfera foi mudando e o intenso barulho dos disparos decresceu; uma calmaria tomou conta do local. Escutei muitos passos vindo em nossa direção, Épsilon entrou em posição de guarda, se preparando para uma luta.
— Tivemos problemas, eles receberam reforços — falou Mi, aparecendo misteriosamente atrás de nós.
Épsilon então se acalmou e baixou as armas, perguntando com extrema preocupação:
— Feridos?
— Infelizmente, sim, Delta foi baleada na perna — Mi respondeu enquanto abria a porta do vagão.
Teta e Iota entraram rapidamente, ajudando Delta a andar.
— E quanto a Drake? Vocês o viram? — Ainda estava preocupado com ele.
— Sim, ele estava enfaixado e sangrando bastante, parece ter sido baleado na região do abdômen. — Gama olhou para mim e carregou seu fuzil. — Estava desacordado, mas parece estar bem. Agora temos outros problemas.
— Vamos sair daqui e arranjar um esconderijo seguro, Alfa já deve estar enviando Ró para nos ajudar — disse Mi.
— E quanto ao trem? Devemos abandoná-lo? — indaguei enquanto os outros saíam do trem pela porta lateral.
— A Caveira está desembarcando as mercadorias, esse é o ponto de parada deles. Desembarcaremos aqui e iremos resgatar Drake — explicou Teta com absoluta confiança.
— Conseguiram recuperar a adrenalix? — perguntou Épsilon.
— Roubar foi a minha primeira profissão, sim, a adrenalix está comigo. — Gama retirou três grandes frascos escondidos na sua capa.
Ao descermos do trem, precisamos procurar um novo esconderijo. Mi atuou como batedor e começou a verificar a região. Entramos em um sobrado abandonado e descansamos. O sobrado estava vazio, exceto por uma grande mesa na sala; não havia outro móvel no local. Delta se sentou em uma das cadeiras da mesa; seu sangramento havia sido estancado e havia parado. Uma divisão de tarefas foi feita para proteger o local e a todos. Iota, Épsilon e Teta foram incumbidos de proteger o esconderijo, enquanto o resto de nós iria ficar junto esperando que Ró, a médica da equipe, chegasse para socorrê-la.
— Quantos membros a equipe possui? — questionei.
— O mesmo número de letras do alfabeto grego, exceto por uma; a vaga de ômega continua aberta — afirmou Mi.
— O grupo está formado por vinte e três membros atualmente; dez estão aqui e onze estão em outras missões — acrescentou Gama.
— E quanto ao meu irmão? O que aconteceu com ele?
— Digamos que ele ascendeu — Gama falou, mas seu tom de voz não era triste, era diferente, como de orgulho.
— Não fale isso, parece tão melancólico — rebateu Delta.
— Em parte, realmente é — disse ela sem jeito.
Ao mesmo tempo que nos escondíamos, o trem tocou a sua buzina e desapareceu da estação, voltando à ferrovia escura abaixo da superfície.
Épsilon e Teta haviam saído do esconderijo e procurado por um cadáver, eu já sabia por experiência própria o seu objetivo. Pouco depois do trem sair, eles chegaram com o corpo de um dos assaltantes, que começou a se mexer e a falar:
— Enviando a médica da equipe, Ró, previsão de chegada: vinte minutos. Horda de cranyus detectada, previsão de chegada: quinze minutos. Quantidade de inimigos: trinta e dois, sete fortes, usuários de adrenalina. Missão atualizada.
— Alfa deixou um dos receptáculos no modo automático, ele deve estar ocupado com outras coisas — expressou Gama.
— Iremos até eles, ou eles virão até nós? Qual será nossa estratégia? — perguntou Teta.
— Eles virão até nós, existem duas possibilidades: A Caveira irá conduzir uma troca ou tentar retomar a carga — Gama expôs sua teoria.
— De qualquer forma, teremos que montar um plano de defesa — afirmou Mi.
— Estamos relativamente bem servidos, mas e ele? — perguntou Iota, apontando para mim — Não sabemos nada sobre a habilidade dele, e se ele possuir uma habilidade parecida com a Black Gravity?
— Se ele possuísse uma habilidade como aquela, todos nós já teríamos morrido instantaneamente. Ela não é para amadores — respondeu Mi.
— Qual das duas possibilidades vocês acham provável? — perguntou Teta, referindo-se à teoria de Gama.
Algumas figuras estavam caminhando em nossa direção, uma delas carregando uma enorme bandeira branca.
— Prefiro acreditar na primeira opção. — Épsilon apontou para as figuras que se aproximavam.
— Todos a postos, Ró estará chegando em vinte minutos. Delta, aguente firme que a ajuda está a caminho — Mi começou a comandar o grupo.
— Eles são da Caveira? — perguntei para Teta, que estava se posicionando para proteger o nosso esconderijo.
— Sim, eles são da Caveira. Os inimigos do trem mais cedo eram apenas mercenários; agora, sim, começaremos a enfrentar o seu pelotão principal.
À distância, podíamos observar seis figuras andando a passos lentos, um deles segurando um grande pano branco hasteado em um pedaço de madeira. O grupo não usava máscaras ou qualquer outro objeto que dificultasse a sua identificação; seus trajes eram parecidos com os dos militares que eu havia encontrado no dia anterior.
— Não cheguem mais perto ou iremos atirar! — avisou Iota.
— Estamos aqui para fazer um acordo — gritou o homem que segurava a bandeira.
— Que tipo de acordo? — Teta usou o máximo de sua voz.
— Nenhum de nós cederá nada sem derramamento de sangue, então devemos diminuir as casualidades ao máximo. Nossa proposta são lutas individuais, os nossos melhores guerreiros contra os seus, cinco rodadas de lutas individuais, o grupo que vencer três lutas leva o grande prêmio, a adrenalix e o refém.
— Devemos acreditar em vocês?
— E quanto a nós?
— Alguma regra? — Mi perguntou ainda muito desconfiado.
— Armas de fogo não serão permitidas, combate corpo a corpo. Vocês têm dois minutos para se decidirem, estaremos esperando vocês na praça principal.
— E quanto às armas brancas?
— Elas serão permitidas, nenhuma restrição quanto a elas.
— Iremos pensar sobre o assunto — Teta os respondeu.
Os membros da Caveira desaparecem ao longe, e nós que estávamos em condições de lutar nos reunimos para discutir a situação. Teta pensou e então perguntou:
— Devemos aceitar a proposta deles? — questionou Teta.
— A Caveira não merece nossa confiança, devemos ficar alerta. — Iota balbuciou com certa raiva em sua voz.
— E quanto a Delta? Não podemos deixá-la aqui. No momento, ela está sedada, mas não sei quanto tempo poderei mantê-la nesse estado com o ferimento. — Gama expressou sua preocupação com a colega.
— Um de nós terá que ficar aqui, ou pelo menos se mover com Delta para um novo esconderijo — acrescentou Mi, sendo direto.
— Consegue sentir algum inimigo nas proximidades? — Épsilon indagou para Teta.
— Não, todos eles estão bem longe daqui. Talvez eles possam estar nos observando com outro usuário, mas acho bem improvável.
— Devemos ganhar tempo. A horda estará aqui em pouco mais de dez minutos, e Ró chegará logo depois. — Gama pensava em algum plano.
— Alfa poderia estar a caminho? — Iota perguntou a todos.
— Sim, essa é uma possibilidade que devemos considerar para a estratégia que vamos tomar — respondeu Mi com firmeza.
— Eles querem que enviemos cinco guerreiros, então temos um dilema. Alguém terá que ficar protegendo Delta, e não podemos deixar Nusquam sozinho — explicou Gama.
— A pessoa mais indicada para fazer a segurança deles é Teta, ele poderia perceber facilmente quando e onde o inimigo está se aproximando — pronunciou-se Épsilon.
— Não podemos aparecer na luta com quatro pessoas, eles acharam que estamos desrespeitando eles — considerou Mi.
— Prefere que apareçamos com um adolescente que nunca lutou seriamente em toda a sua vida? — Épsilon rebateu.
— É uma opção mais realista.
— Se vocês precisarem, posso ajudar — respondi com firmeza.
— Não, eu continuo a manter minha posição, suas habilidades são ocultas de todos nós e além do que não temos ideia do que enfrentaremos.
— Temos que pensar também qual será a estratégia da Caveira, eles não iriam propor um desafio que não tivessem boas chances de vencer — comentou Gama.
— Concordamos nesse ponto, a estratégia de ganhar tempo não é nada mal também. Eu não detecto nenhum inimigo na proximidade, se tentassem nos atacar desprevenidos eles já teriam preparado as tropas — observou Teta.
— Então temos uma decisão? Teta ficará aqui com Delta esperando a chegada de Ró, eu, Iota, Gama, Épsilon e Nusquam vamos até o ponto de encontro tentando ganhar tempo até a chegada da horda — disse Mi e todos balançaram a cabeça afirmativamente.
— Mas agora pouco você disse que eu não iria lutar! — Gritei para ele.
— E não vai lutar, mas estará conosco, nós quatro planejamos levar o máximo de tempo durante as nossas lutas. Uma horda de cranyus estará chegando aqui um pouco antes de Ró, nós abriremos o portão e aproveitar a confusão e fugir.
— Todos prontos? — Épsilon perguntou, e todos disseram sim.
Saímos em disparada do sobrado, e para mim era relativamente fácil acompanhar sua marcha. Agora caminhando pelas ruas desta pequena cidade, pude ter uma visão melhor do local. As guaritas eram pequenas bases militares e civis localizadas nas ferrovias. Quando os trens eram elétricos, havia a necessidade de paradas estratégicas para abastecimento do trem e o descanso da tripulação. Essas pequenas paradas logo se transformaram em cidades prósperas, onde o comércio era muito importante. Mas com a criação dos trens supersônicos, tudo mudou. O trajeto, que normalmente demorava dias, agora era executado em poucas horas. As vilas pouco a pouco começaram a perder sua importância e se transformaram em cidades fantasmas, onde a ferrugem e as traças pouco a pouco tomavam conta do local.
Demoramos pouco para chegarmos à praça central, o local possuía uma cor de areia, assim como todos os prédios da cidade, cujas antigas tintas já haviam se desgastado há muito tempo. No centro, uma antiga fonte desativada ficava com diversos bancos de madeira ao redor. Sentados do lado oposto da praça, treze homens vestidos com uniformes militares nos esperavam. Drake estava deitado em uma maca de emergência, com faixas em seu corpo, aparentemente bastante debilitado naquele momento. O homem que anteriormente havia carregado a bandeira nos recepcionou:
— Vocês chegaram! Sejam bem-vindos. Vejo que trouxeram o garoto com vocês. Realmente acham que ele tem chances de vencer um de nossos campeões?
— A surpresa é uma arma valiosa — respondeu Mi.
— Qual de vocês gostaria de ir primeiro? — perguntou o líder do grupo, e um homem alto e corcunda levantou a mão.
— Eu irei, sempre quis saber se a pena é mais forte que a espada — disse, apontando para Mi.
— Aceito o desafio.
— Hermes, Destrua ele! — gritaram os seus companheiros.
— Ares, preciso de forças para lutar — Hermes gritou para quem parecia ser o porta-voz do grupo.
— Eu lhe concedo o poder — respondeu Ares, encostando sua mão na cabeça de Hermes.
As costas de Hermes começaram a aumentar gradativamente de tamanho, e duas asas com penas amarelas surgiram de suas costas. Elas começaram a bater, e ele pouco a pouco começou a voar pelos céus. A batalha estava prestes a começar: Mi contra Hermes, a pena contra a espada.