A Adaga de Ouro - Capítulo 10
A garota parou próxima de Thomas e o surpreendeu:
— Você vai lutar comigo, atrasado eterno.
— Mia?!
— Sim, sou eu, mas deixa as perguntas pra depois. Vamos lutar!
— Tem certeza? Eu não quero te machucar…
— Hahahaha! Acho que você deveria estar se preocupando mais consigo mesmo. — Foi até um dos tatames, fez uma pose de batalha reconhecida pelo garoto por conta do livro de artes marciais militares e o chamou.
“Isso é muito estranho… por que estou sentindo que vou tomar outra surra?”, pensou e sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
— Acho que não tenho escolha. É isso ou ser nocauteado mais uma vez por um dos soldados — falou ao chegar no tatame.
— Esse é o espírito, Thomas! Como sou bondosa, vou te deixar dar o primeiro golpe.
— Realmente? Não vai se arrepender depois, hein? — declarou, depois, por emoção, correu desajeitadamente em direção à menina e deu um soco desgovernado. Nem mesmo pensou em tentar dar um dos golpes que viu no livro.
Teve a impressão de que o golpe iria acertá-la, mas ela desviou facilmente o soco com o antebraço. Depois pegou o braço dele e, utilizando a própria força do garoto, impulsionou-o para o chão.
— Essa foi fácil, hehe! — Riu, olhando para ele de cima.
— Desisto… — sussurrou, deitado de costas no chão.
— Oi? Não entendi.
— Eu desisto, Mia. — Levantou a voz num tom depreciativo.
— O quê? Já? Mas você ainda nem desmaiou. Nem se machucou. Muito menos sentiu dor. Para de ser covarde, Thomas! Uma luta só começa de verdade quando você sente dor! Vamos continuar! — Sorriu depois do sermão e estendeu uma mão para ajudá-lo a levantar.
— Não tem como eu te vencer. — Segurou a mão e levantou.
— Concordo plenamente.
— Então…
— Então o quê? Só por isso vai desistir assim? — Interrompeu o menino.
— Sim.
— Thomas, você quer ficar forte, não é? Caso contrário não viria pra cá. Ninguém vem aqui a passeio.
— Nisso você está certa…
— Então para de chorar e lute com todas as suas forças. É enfrentando desafios que se fica mais forte. Quanto maior o desafio e mais forte o inimigo, maior é a força da experiência em combate que você ganha.
— Falando desse jeito, até parece que é fácil como num jogo. A vida real não é assim.
— Covarde! — disse, ignorando as contestações.
— Pode falar o quanto quiser, eu já desisti.
— Ah, é? E se eu falar para o oficial responsável que você desistiu no primeiro golpe? Será que ele te entenderia ou te mandaria pra ser nocauteado pelos soldados?
— Seria injusto. Você quer se comparar com os outros aqui? Cá entre nós, sou o único lutando contra um monstro. Até a primeira etapa pareceu mais fácil.
— Você me chamou do quê?!
— O que você diria de alguém que na nossa idade parece ter experiência em lutas reais? Ou melhor, que parece lutar melhor do que um soldado treinado?
— Eu te fiz uma pergunta!
— Te chamei de monstro. Você não tem noção da própria força, né?
— Você não deveria ter dito nada… — Entrou em postura de batalha, abriu a palma da mão e atacou o queixo de Thomas.
O golpe foi muito rápido. Não houve tempo nem para reagir. Foi nocauteado quase que imediatamente.
— Uma coisa é você ser meu amigo ou colega indefeso. Outra coisa muito diferente é ser um recruta novato covarde e desrespeitoso. Se veio aqui, deveria ao menos ter coragem e garra pra vencer — desabafou, brava e saiu do local.
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Thomas acordou mais uma vez num quarto de hospital. Sua mente ainda estava confusa.
“Acho que já vi isso acontecer antes… déjà vu? Não… dessa vez apanhei para a Mia. Espera… Mia?! É mesmo! O que diabos ela estava fazendo aqui? Acabei nem perguntando, mas dadas as circunstâncias, mesmo que eu a encontre talvez ela ainda esteja brava comigo.”
— Fazer o quê… — Coçou a cabeça.
“Foi uma derrota humilhante, mas ao menos o teste acabou… espero que a partir de agora nos treinem direito.”
Pouco tempo depois, um pequeno dispositivo no canto de umas paredes começou a emitir som.
“Um TonRiegel?”, pensou o menino.
Uma voz começou a sair do aparelho:
— Parabéns pelo teste, recrutas! Seus instrutores foram decididos e em breve entrarão em contato. Câmbio, desligo.
“Espera. É só isso? Não está faltando informação, não?”
— Eu sei muito bem o que você deve estar pensando! — gritou um militar na porta do quarto, apontando para Thomas, assustando-o.
— O quê?!
— “Eles nos dão só isso de informação?”
— Como você…
— Shhh! Não pergunte nada. Apenas sinta a vibração…
— Quê?
— Eu já não falei pra não perguntar nada?!
— Mas…
— Shhh! Foco na vibração.
— Que vibra…
— Calado!
“Por favor… não me diga que esse vai ser o meu instrutor.”, refletiu ao ver um broche diferente no uniforme do homem.
O homem fechou os olhos, respirou e expirou algumas vezes, depois perguntou:
— Está sentindo?
— Não. Só uma dor no queixo, mas acho que não tem a ver com essa “vibração”.
Abriu os olhos, suspirou e disse:
— Como vocês normies são simplistas…
— Normies?
— Normies… pessoas que seguem a convenção popular… não conhece?
Thomas balançou a cabeça em negação.
— Vocês da geração alpha, vou te contar… perderam as melhores gírias.
— Olha, se me permite falar, essa palavra não parece ser o melhor exemplo de uma boa gíria.
— Está bem. Não vim pra discutir isso. Pela vibração, pude sentir que já sabe porquê estou aqui então vou me abster dessas explicações. Vamos pro básico. Nome: Eduard Koch; patente: primeiro-tenente; seu treino: começa hoje mesmo; eu: venho te buscar mais tarde; você: obedece. Sim?
— Eu tenho outra opção?
— Vejamos… — Fechou os olhos, respirou profundamente, expirou e continuou a falar — não se quiser continuar por aqui… muito bem. Já fiz o que deveria, agora irei sair.
— Antes de ir, me diz… o que é essa tal vibração que você tanto fala?
— Mesmo que eu explicasse, seria difícil você entender. Só sentindo mesmo. E para sentir, é preciso, além de uma predisposição genética, concentração. Por isso medito. Agora, até mais ver. — Saiu do quarto.
“Ó, grande Odin, por que me castigas tanto? Por que de todas as pessoas esse cara estranho vai ser o meu instrutor? Por que não alguém como o general? Ó sábio Odin, se eu fiz algo que te enfureceu, me perdoe.”, pensou na esperança de que o deus o ouvisse, apesar de não acreditar nos mitos.
— E agora… nada para fazer, mais uma vez. Espera. Na verdade, tenho algumas coisas pra fazer sim… — Ao lembrar, levantou da maca e saiu do quarto, apressado.
“Tenho que pegar minhas roupas, tomar um banho e trazer para cá. Aliás, estou aqui há um dia, mas ainda não aprendi muito sobre o lugar. Deve ter algum quarto para dormir por aqui fora essas da ala médica. Preciso me informar.”
Procurou pelo elevador mais próximo e não demorou muito para o encontrar. Entrou e, ao olhar para o painel, percebeu que estava no terceiro andar.
“Acho que é melhor perguntar para o recepcionista, já que passarei por lá.”
Selecionou o térreo como destino.
Chegou no local, foi até o balcão e chamou a atenção do atendente.
O homem, com um braço apoiado no balcão e o rosto relaxando na mão, respondeu:
— A que devo o prazer, querido recruta?
— Hm… eu queria saber onde ficam os dormitórios por aqui.
— Os dormitórios? Quarto andar, mas não espere muita coisa. Talvez não tenha espaço pra todo mundo agora que novos recrutas chegaram. Se tiver sorte, pode ser que encontre algum quarto livre.
— Certo, obrigado. Agora, preciso sair para pegar umas roupas lá fora, tomar banho e tudo mais, então me despeço… — disse, já se virando em direção à saída.
— Ei, espera! — gritou e pegou um papel e uma caneta. — Preciso registrar sua saída e o motivo dela. Aliás, aqui também tem banheiros se precisar. Talvez a única coisa que você vai precisar fazer lá fora é lavar roupas em máquinas porque aqui não tem nenhuma. Apenas tanques.
— Entendi. Então… o que preciso fazer?
— Apenas me diga seu nome, patente, instrutor e o motivo da saída.
— Meu nome é Thomas Lange. Minha patente é recruta, mas acho que isso você já sabe. O nome do meu instrutor é Eduard Koch, provavelmente… e o motivo da minha saída… como eu disse, irei sair para pegar algumas roupas e tomar banho.
— Ok. — Anotou. — Está registrado. Pode ir.
— Obrigado, novamente. — Caminhou em direção à porta principal e, ao chegar lá, mostrou seu broche para a porta, que imediatamente se abriu, e saiu.
Não quis demorar muito então foi logo buscar as roupas que tinha deixado na secadora. Elas já não estavam mais lá, então teve que perguntar para os soldados do armazém:
— Então… deixei roupas na secadora e esqueci de pegar. Sabe onde elas podem estar?
— Levamos tudo que esquecem pro achados e perdidos, lá no armazém. Sorte sua. Acho que você foi um dos primeiros felizardos a esquecer uma roupa por aqui. Se me disser as cores e o tipo, será fácil de achar.
— A camisa é azul, de algodão e a calça é uma jeans escura.
— Deve ser o suficiente. — Entrou no armazém, pegou as roupas e voltou, mostrando-as a Thomas.
— São essas mesmo. Agradeço. Aliás, estou participando do treinamento e vou ver se tem algum quarto vazio nos dormitórios para mim. Caso tenha, o que eu faço com a minha tenda? Porque já coloquei algo para indicar que é minha.
— Não se preocupe. Se for necessário, retiraremos.
— Ah! Que bom. Então eu já vou. Tchau. — Correu para sua tenda levando as roupas consigo.
Pegou tudo que havia deixado na tenda, inclusive as outras roupas e foi tomar banho.
A fila do banheiro estava grande, portanto, seu plano de ser rápido foi por água abaixo. Levou umas boas horas até chegar sua vez. Saiu dali quase no fim da tarde.
Ficou preocupado em perder o treino, então correu direto para a base, logo depois de tomar banho.
Ao abrir a porta, se deparou com Eduard, olhando-o com uma expressão de raiva.
— Recruta! No seu primeiro treino, já se atrasa dez minutos?
— Mas o senhor nem me disse que horas viria me buscar!
— Não quero saber de desculpas! Vamos agora! Não há mais tempo a perder.
— Sim… senhor — respondeu, ainda insatisfeito com o fato de ter o homem como seu instrutor.
Seguiram até o elevador e foram para a área de treino.
Dessa vez, o lugar estava quase vazio.
— Por que tem tão pouca gente por aqui? Da última vez estava cheio — indagou Thomas.
— Cada instrutor define um método, horário e local de treinamento. Além disso, alguns recrutas podem ter desistido.
— Entendi.
— Mais alguma pergunta? Sim? Não? Não importa. Porque mesmo que tenha não irei mais responder. A partir de agora eu faço as perguntas. Vamos começar seu treinamento. Deixe as suas dúvidas para o final. Preciso ver como você está.
— Eu? Eu estou bem. Apenas com o queixo dolorido ainda, do último teste.
— Engraçadinho. Não quis dizer isso. Quero ver suas habilidades em combate.
“Então ele pode ser assim. Parece uma pessoa completamente diferente agora. Faz mais jus ao cargo. Já estava começando a achar que o exército foi negligente ao dar uma patente alta para ele, mas parece que é alguém competente.”
— Ah! Agora entendi.
— Se entendeu mesmo, comece a me atacar com toda sua força.
— Vou tentar — disse, colocou suas roupas no chão, mas ficou parado.
— Então, o que está esperando?
— Deixa eu canalizar a minha energia interna primeiro. — Fechou os olhos e colocou um braço na frente do outro, formando um “X”.
— O que é isso?
— Haaaaa! — gritou, depois abriu os olhos. — Agora você não tem chances de vencer.
Disse isso, mas continuou somente olhando para o homem.
— Se acha que esse seu plano de me distrair vai dar certo, acho melhor desistir. Eu não me distraio, por nada.
— Droga, então eu realmente não tenho outra escolha… — Tentou uma posição que tinha visto no livre de artes marciais, a mesma que Mia usou na luta contra ele.
— Agora sim! Pode vir.
O menino fez a pose de modo incorreto porque não lembrava muito bem.
Tentou lembrar dos golpes básicos, mas desistiu e no fim optou por tentar acertar Eduard com socos.
Nenhum deles acertou o homem. Ele apenas desviou.
Após algum tempo tentando, cansado, Thomas parou e falou:
— Desisto. Eu nunca vou acertar um soco no senhor.
— Hm… já entendi o problema. Terei muito trabalho pela frente — sussurrou e depois gritou. — Está dispensado, recruta!
— Assim?
— Sim. Como disse, hoje eu só queria ver como você estava. Portanto, está dispensado.
— Obrigado, senhor. — Prestou continência, tirou as roupas do chão e foi para o elevador.
“Quarto andar, certo? Vamos ver se tem algum quarto disponível.”, pensou, ao olhar para o painel. Em seguida, clicou no botão.
Quando a porta abriu, não pôde deixar de ficar surpreso.
Ali, havia apenas um corredor enorme cheio de portas de ferro com fechadura eletrônica.
“Parece uma espécie de prisão. Espero que os quartos sejam melhores por dentro.”
Acima de cada porta, havia uma espécie de holograma escrito “Em uso”.
O garoto imaginou que esses hologramas indicavam se o quarto estava livre ou não, então continuou andando pelo corredor até achar uma porta que dizia algo diferente.
Como esperava, encontrou uma porta cujo holograma dizia “Livre”.
“Agora, como abro isso?”
Olhando para a fechadura atentamente, percebeu que havia um círculo iluminado nela.
“Provavelmente é uma espécie de sensor. Essa é bem diferente da porta da base, mas até agora a única que entrei e parecia ter algum sensor foi ela. Então deve funcionar da mesma forma: através do broche.”
Agachou-se um pouco e aproximou a região da camisa onde estava preso o broche.
A porta abriu, dando vista para um quarto parecido com uma cela: beliche, pia, vaso sanitário e um espaço limitado.
Um único elemento destoava do ambiente: uma escrivaninha de madeira ainda com a cadeira e um livro empoeirado em cima dela.
“É. Realmente parece uma prisão, com exceção dessa escrivaninha esquisita e esse livro. Parece que não tiveram muito tempo para limpar, mas ao menos agora tenho uma cama.”
Colocou suas roupas em cima da cama e depois voltou sua atenção para a escrivaninha.
“Sobre o que será esse livro?”
Chegou perto da cadeira, limpou ela com a mão, depois fez o mesmo com a mesa e o livro.
Olhou para sua mão e viu que ela estava suja.
“É. Definitivamente não limparam o lugar. Fazer o quê.”
Foi imediatamente lavar a mão na pia e ficou feliz porque ainda estava saindo água.
Secou as mãos na própria roupa, depois foi até a cadeira, sentou e finalmente pegou o livro para olhar do que se tratava.
A capa detinha o título e o subtítulo em fonte dourada: “Deuses nórdicos, características e histórias.”
“Não sou muito fã de livros assim, mas por que não? Vamos ler.”