A Adaga de Ouro - Capítulo 3
— M-mãe?!
Melissa levantou-se do chão rapidamente ao ouvir a voz de seu filho. Ela secou as lágrimas e tentou esconder sua angústia. Com um sorriso forçado, atendeu-lhe na porta:
— Oi, filho. Como foi a escola?
— Mãe, o que aconteceu? Por que a senhora estava chorando? — Sua voz tremia enquanto falava.
— Ah… hahaha! — riu forçadamente, mas não aguentou e logo caiu em prantos. Em seguida, abraçou o garoto com toda a sua força.
— O que foi, mãe? — falou, segurando o choro. Era incomum vê-la chorando, então seu coração sofria.
— O que eu faço, Thomas?! O seu pai… ele… — Perdeu completamente a compostura diante de seu filho e entrou em desespero.
— Calma, mãe! O pai, o que aconteceu com ele?!
Thomas também quase não estava aguentando, mas pensou que alguém deveria ser forte naquela situação apesar de não saber exatamente do que se tratava.
A mulher respirou fundo, ainda agarrada a seu filho, e respondeu:
— Filho, seu pai… ele faleceu… — Ao falar, seu rosto foi pintado por lágrimas.
O jovem se recusou a acreditar, mas no fundo sabia que era verdade.
— Como?! Como isso foi acontecer?! Eu sabia que algo estava errado! — gritou em desespero, largou sua mãe, subiu as escadas e se trancou em seu quarto.
Sua mãe chamou dizendo que ainda precisava conversar, mas ele ignorou.
Tudo o que passava em sua mente agora eram os momentos que teve com seu pai: as brincadeiras bobas que faziam; as vezes em que foram no parque, deitaram no gramado e observaram o sol; as vezes em que foram pescar.
Todas essas lembranças vinham como um loop em sua mente para lhe atormentar.
Ele passou o resto do dia deitado em sua cama chorando e quase não conseguiu dormir.
Os outros dias antes do velório passaram da mesma forma.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Semanas depois, Thomas já estava em um estado de reclusão.
Não comia, faltava na escola e passava a maior parte do tempo em seu quarto somente olhando para o sol, que ainda estava com uma coloração esquisita.
Observar a estrela se tornou uma forma de lembrar de seu parente, mas a cor estranha que agora a cobria fazia seu coração doer.
Era como se o próprio astro estivesse zombando dele e de seu sofrimento.
Melissa via o sofrimento de seu filho e isso fazia seu luto ficar ainda mais difícil. Apesar disso, como responsável, precisava manter tudo em ordem.
Ela nunca se cansou de consolar seu filho e tentar fazer com que ele se alimentasse.
Todos os dias deixava um prato de comida para cada refeição na porta do quarto e o avisava mesmo que ele não respondesse.
O que tornava tudo mais insuportável para ambos era o fato de que não havia corpo para enterrar então só fariam a cerimônia.
Todos os procedimentos foram feitos e o corpo foi encaminhado para o Instituto de Medicina Legal de Frankfurt. O problema é que quando foram pegá-lo para a execução dos exames, já havia desaparecido.
Uma investigação foi iniciada, mas não conseguiram nada até o velório.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Uma semana se passou. Era o dia do velório. Claro que Thomas foi.
Apesar de estar em profunda depressão, aquilo era importante para ele.
No cemitério, havia muitos parentes da família de Marko que o garoto nem mesmo conhecia.
Eles conversavam entre si dizendo:
— Que fatalidade.
— Um homem tão bom.
— Disseram que foi um acidente no caminho para o trabalho.
Por isso, pensou: “Essas pessoas só se preocuparam com ele depois da morte? Hipócritas! Muitos nem nos enviaram qualquer mensagem!”.
Ele manteve uma expressão triste o tempo inteiro, apesar de não chorar nem mostrar sua angústia por respeito. E assim seguiu o funeral.
A cerimônia começou naquele dia, mas o velório continuou por mais alguns dias para que familiares mais distantes pudessem se despedir.
Depois disso, como é do costume alemão, todos os que participaram do velório foram para um restaurante para prestar homenagem ao recém falecido.
Thomas decidiu ficar em casa por não querer ver o rosto dos “hipócritas” por mais tempo. Assim pensou, mas não disse isso à sua mãe. Só disse que queria ficar em casa e ela respeitou sua decisão por ver o quanto ele estava sofrendo.
Em casa, não fez nada demais. Apenas deitou novamente em sua cama e relembrou dos momentos com seu pai até pegar no sono.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
15 de agosto de 2040, Frankfurt, Nova Alemanha
Meses se passaram, e Thomas já não poderia fugir mais: a escola havia sido noticiada de sua perda anteriormente e empaticamente permitiu que faltasse por um tempo, mas agora precisava voltar.
Não queria, mas sua mãe insistiu.
Então naquele dia ele acordou, se arrumou e, como de costume, passou bastante tempo observando o sol ao ponto de se atrasar.
Agora que havia adquirido esse hábito, seus atrasos faziam mais sentido.
Nesse meio tempo, o evento estranho relacionado a cor do sol e do céu continuava a ser noticiado na mídia.
Não havia nenhuma explicação para aquilo mesmo após meses de pesquisa por parte dos cientistas.
Como sempre, apenas falavam o que acontecia: o céu começava a sair do azul para um vermelho bem escuro no começo da tarde, e o sol permanecia sempre com a mesma cor de sangue.
Isso assustava as pessoas porque já fazia um tempo desde que um fenômeno irreconhecível dessa escala tinha acontecido.
Enquanto isso, a investigação acerca do sumiço do corpo continuava, mas ainda não haviam avanços significativos mesmo com a pressão da família.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Thomas desceu já bem tarde do seu quarto sem esquecer de sua amada adaga, que colocou na sua mochila; tomou o café da manhã bem rápido e correu para a escola sem dirigir nem mesmo uma palavra à sua mãe.
Esse pouco tempo mudou muito sua personalidade. Ele ficou mais sério, recluso e até mesmo rude. Além disso, se apegou ao último presente de seu pai ao ponto de guardar como se fosse um filho.
Como foi correndo, chegou bem rápido na escola.
Paul, o porteiro, tentou chamar sua atenção por chegar atrasado, mas só foi ignorado. O menino passou reto e foi direto para sua sala.
Ao chegar lá, uma aula já estava em andamento, mas a professora permitiu que entrasse.
Assim, entrou e imediatamente se sentou numa cadeira mais ao fundo ignorando até mesmo o comentário de Doug, que brincava com o fato dele ter chegado atrasado de novo.
Todos estranharam isso porque apesar de ignorar todos quando faziam piadas, Doug era uma exceção.
Por algum motivo, ele não conseguia ficar calado quando se tratava do valentão, mas dessa vez sequer olhou para seu rosto.
As outras aulas passaram da mesma forma até a chegada do recreio.
Como sempre, Thomas caminhou para o banco do jardim. A diferença foi que dessa vez ele não levou nada para comer. No lugar disso, levou sua adaga dentro da caixa.
Assim que chegou, sentou e ficou observando o sol com a caixa ao seu lado.
O céu já estava começando a escurecer e o garoto se irritou com isso, pois não poderia mais ver o sol tão claramente devido a cor do céu ficar tão parecida com a da estrela.
Até então, ele não tinha percebido, mas alguém estava em pé do lado do banco. Era Mia.
— Bem que eu achei estranho quando isso aconteceu da primeira vez. Agora, parece que ninguém consegue descobrir o motivo. — A garota falava em um tom calmo olhando para a estrela.
Apesar de ter ouvido Mia, continuou em silêncio e olhando para o céu com uma expressão séria.
Mesmo não garantindo nenhuma resposta, a jovem continuava a falar.
— Há quanto tempo, né? Eu vim aqui todos os dias para ver se você já tinha voltado. É bom te ver de novo.
Thomas não aguentava mais ouvir e, irritado, respondeu grosseiramente:
— Você nem mesmo me conhece direito! Não aja como se soubesse pelo que passei!
— Você está certo. Eu não te conheço e não imagino a dor pela qual deve ter passado. Só soube pelos professores. Mas pode contar comigo para qualquer coisa de agora em diante! Então, vamos ser amigos! — O ânimo dela era fora do comum.
— Por favor, me deixe em paz! Eu não estou a fim de conversar!
— Tudo bem, Thomas. Já que é assim, eu não vou te incomodar mais. — Saiu acenando e voltou para sua sala.
Logo em seguida, o sinal tocou. Thomas levantou e foi para a sala de aula.
Não percebeu, mas acabou esquecendo a caixa no banco.
Tinha muita coisa na sua cabeça naquele momento. Principalmente o fato de ter sido rude com Mia.
Aquilo pesou na sua consciência a aula inteira.
Quando o último sinal tocou, todos começaram a sair. E foi somente nesse momento que o garoto lembrou da adaga.
Sem demora, correu até o banco em que tinha deixado a caixa, mas não encontrou nada.
Até que ouviu uma voz conhecida dizendo:
— Ei! Não vai se esquecer disso, né?!
Mia segurava em suas mãos o objeto que Thomas estava procurando. Ele imediatamente foi até ela, se desculpou por antes e a agradeceu.
— Não tem problema. Não sei o que é isso, mas tome cuidado para não esquecer as suas coisas por aí.
— Eu vou lembrar. Novamente, muito obrigado, Mia!
— Bem, eu já vou indo. Se cuida, atrasado eterno! — disse acenando e correndo, brincando no final.
“Eu realmente odeio esse apelido. De qualquer forma, é hora de ir para casa.”, pensou e depois saiu da escola.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Ali fora tudo estava aparentemente normal. Até que começou a chover repentinamente.
Segundo a previsão do tempo, não iria chover, mas nem mesmo a meteorologia pôde prever o que estava prestes a acontecer.
Gotas enormes começaram a cair. O mais estranho era que quase não havia nuvens no céu.
Quando as gotas tocavam o chão, uma gosma cinza translúcida se formava.
Aquelas que caíam próximas no solo se juntavam e formavam poças de gosma cada vez maiores. Depois disso, se expandiam verticalmente e tomavam formas monstruosas.
Felizmente, por algum motivo, apenas as que caíam no chão e se juntavam tomavam essas formas.
As que pegavam na roupa do garoto imediatamente perdiam a viscosidade e viravam líquido.
Conforme caíam, um cheiro de enxofre pairava pelo ambiente e impregnava o ar.
Por instinto, Thomas tampou seu nariz com a mão direita enquanto segurava a caixa da adaga na mão esquerda.
No início, os monstros eram pequenos, mas quanto mais chovia, maiores ficavam.
O garoto não podia acreditar no que estava acontecendo.
O medo lhe preencheu ao ponto de ficar paralisado. Quase não conseguia pensar.
“O que está acontecendo?! Isso não pode ser verdade!”
Enquanto isso, uma das gosmas tinha crescido o suficiente para ser comparada ao tamanho de uma casa.
Ela estava bem atrás do menino, andando e pronta para atacá-lo.
Quando olhou para trás, a criatura já estava bem próxima. Tentou correr, mas suas pernas não se mexiam.
“Droga! Droga! Droga! O que eu faço agora? Certeza que esse monstro não quer ser meu amigo.”
Até então, só conseguia pensar no momento. Mas um flash passou pela sua cabeça, lembrando de sua mãe.
“Eu não posso simplesmente ficar parado aqui! Não agora! Minha mãe pode estar em perigo. Olha o tamanho desse bicho! Não deve ter apenas um desse tamanho agora por conta dessa chuva!”
Lembrar de sua mãe foi o suficiente para impulsioná-lo para romper com o medo e finalmente correr.
Sua mochila estava lhe atrapalhando, então abandonou ela e correu com toda sua força para tentar salvar a vida de sua mãe e evitar ser pego.
Tentou ir para casa, mas havia monstros interrompendo o caminho então teve que desviar e pegar a rua principal.
Cortou caminho por um beco pensando que, devido ao tamanho do monstro, não iria conseguir passar por ali, mas a gosma conseguia se espremer e passar normalmente.
Quando finalmente chegou na rua principal, se deparou com uma cena aterrorizante.
Ali havia dezenas amebas de tamanhos variados, pessoas correndo e gritando para todo lado, carros abandonados e destruídos, um cheiro de sangue notável, e o ar estava totalmente contaminado pelo enxofre, de modo que era difícil até respirar.
O local estava um caos total, totalmente diferente do que era há algum tempo atrás.
O rapaz não teve muito tempo para ficar observando, logo foi obrigado a se juntar à grande multidão de pessoas que estava correndo.
E o monstro continuou lhe perseguindo a todo vapor.