A Adaga de Ouro - Capítulo 5
O garoto encarou as amebas com a adaga em mãos.
Uma delas pulou em linha reta em sua direção, mas ele conseguiu desviar a tempo para o lado direito.
Ao mesmo tempo em que evitou o ataque, tentou desferir um corte na criatura, mas falhou.
Isso deu uma abertura para a outra, que logo veio em sua direção.
Thomas colocou a arma à sua frente e segurou ela com as duas mãos, tentando perfurar, mas errou.
A sua sorte foi que o monstro pulou direto na adaga e se desfez.
“Nem mesmo armas de plasma foram capazes de destruir essas amebas, então como essa adaga consegue?”, ponderou antes de voltar a entrar em posição de batalha.
O menino já estava tremendo por dentro com o medo da morte, mas a adrenalina o manteve atento.
Sabia que uma ainda estava viva então virou-se para ela e, numa tentativa desesperada, saiu desferindo golpes aleatoriamente esperando acertá-la.
Devido ao seu desespero e falta de proficiência com o uso da arma, nem mesmo parou para pensar em seu curto alcance.
Foi exatamente por isso que nenhum dos golpes teve sucesso.
Além disso, sem querer, deixou sua mão afrouxar, o que fez a adaga cair no chão, deixando-o indefeso diante do monstro.
Sem deixar qualquer tempo para o garoto pensar, a criatura pulou e quase o acertou.
No entanto, pouco antes dela pular, ele se jogou no chão, perto de onde a arma estava, pegou e a levantou para o alto com as duas mãos, em direção à ameba.
Não deu outra, o monstro pulou bem em cima da adaga, se desfez e molhou a roupa do garoto.
“Essa foi quase…”, pensou.
Em seguida, suspirou, colocou a arma ao seu lado e repousou uma das mãos na cabeça, ainda deitado com as costas no chão.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Um som de passos apressados que antes estava distante agora podia claramente ser ouvido por Thomas.
O general abriu a porta, viu o jovem deitado no chão e correu até ele, preocupado.
— Garoto, você está bem? — falou agachado, perto do menino.
— Agora estou. Foi por pouco.
— Mas o que aconteceu aqui? Por que gritou daquele jeito?
— Acho melhor deixar essa conversa para depois. Vamos voltar para o carro primeiro. Aqui pode ser perigoso — disse já levantando do chão e pegando sua adaga.
— Você quem sabe.
Os dois voltaram para o carro e, antes de dar partida, Paul indagou:
— Sua mãe… — Não conseguiu terminar de falar, pois o garoto o interrompeu.
— Isso é uma droga! Eu nem tive a chance de vê-la! Quem sabe ela já não está morta também?!
— Fica calmo, Thomas! Não pense o pior! Quando chegarmos no abrigo, faremos o possível para encontrá-la. Talvez ela já até esteja lá. Grande parte dos cidadãos foram evacuados. Então, antes de pensar besteira, vamos até lá.
— O senhor está certo… é melhor não pensar nisso…
O homem deu partida no carro e dirigiu em direção ao abrigo, que não era muito longe dali.
No caminho, uma conversa surgiu naturalmente.
— E então, garoto, o que aconteceu naquela casa?
— Procurei minha mãe por todos os cômodos, mas não achei nem um sinal. A casa estava aberta, mas não estava muito bagunçada por dentro, o que é muito estranho, já que ninguém estava lá. Enfim, quando entrei no banheiro encontrei uma ameba, mas prendi ela. Depois encontrei outras duas e, de alguma forma, consegui derrotá-las. Foi aí que o senhor entrou e me viu deitado.
— Que merda! Se eu tivesse chegado um pouco antes… mas espera! Você disse que conseguiu derrotá-las?! Como?! Estamos há muito tempo tentando encontrar uma maneira de neutralizar esses monstros! Não só testando os mais variados materiais e armas, mas temos especialistas trabalhando nisso também! Não é que eu duvide de você, Thomas, mas essa história é esquisita. Anteriormente, como uma criança conseguiu sobreviver ao ataque de um monstro gigante e fugir?! E agora aparece dizendo que derrotou duas amebas sozinha?! Justo as criaturas que nem mesmo as nossas melhores unidades conseguiram causar um arranhão?! — Paul exclamou com os olhos arregalados.
Thomas riu com a reação exagerada do homem.
Pelo pouco tempo que passou com ele, era algo bem engraçado de se ver. Porque geralmente o homem possuía uma postura fria, rude e até ríspida.
— Haha! Desculpe, mas eu nunca imaginei o senhor reagindo dessa forma. Eu também não sei muito bem o que aconteceu. Naquela hora, eu menti sobre a ameba gigante porque não tinha certeza se o senhor acreditaria. Agora, achei que talvez fosse algo mais plausível, mas parece que não é bem o caso.
— Mas como?! — repetiu o homem, exigindo uma resposta mais clara.
— Como eu disse, não tenho certeza. Eu também vi os soldados usando diversas armas, inclusive armas que eu tinha apenas ouvido falar, como as de plasma, e não causando dano algum. Mas eu nunca usei nenhuma arma antes. A única coisa que eu fiz foi atacar com a minha adaga.
— Deixa eu ver essa adaga direito! — Sinalizou com uma das mãos, sem tirar os olhos da pista, e abriu-a, esperando que o jovem lhe entregasse a arma.
Thomas não ficou nem um pouco ofendido ou irritado com a grosseria do oficial. Já tinha percebido que era o jeito dele e que, no fundo, era uma boa pessoa. Assim, entregou a adaga.
Paul, aproveitando que estava numa estrada reta e sem nenhum obstáculo, continuou acelerando o carro com uma das mãos no volante e olhou atentamente para a adaga.
Olhando de perto, percebeu algumas inscrições na arma.
Notou um padrão nelas e pensou que poderiam ser palavras escritas em algum idioma. Mas, esse, era irreconhecível mesmo para o homem, que era poliglota e tinha estudado um pouco de línguas antigas devido ao exército e sua experiência como arqueólogo.
— Você me disse que isso é um presente, certo? Disse antes, mas digo novamente: é um presente bem estranho para se dar a uma criança. Agora que vi de perto, essa arma com certeza não é uma falsificação ou um brinquedo qualquer. Fui arqueólogo, confio nas minhas habilidades e intuição: essa com certeza é uma arma de verdade, e provavelmente pertenceu a uma civilização antiga. Não sei como seu pai a encontrou num estado tão bom e por que lhe entregou, mas isso é bem suspeito. Nunca vi um item tão único e em tão bom estado nos meus dez anos no ramo da arqueologia. Se me permite, quando chegarmos ao abrigo, levarei aos especialistas para verificar algo. Se essa arma foi o que matou aquelas amebas, talvez seja a chave para vencermos essa calamidade — explicou, pensativo.
— Eu pensei um pouco, e não é tão comum ver uma arma feita de ouro. Você acha que pode ser porque ela é de ouro?
— Olha, garoto… eu não tenho certeza, pois estou aqui na rua desde tarde e a questão da minha comunicação com a base está um pouco complicada. Mas posso afirmar que nossos cientistas estão testando vários materiais para ver o que pode afetar esses monstros. Inclusive, quando saí de lá, eles começaram a testar os metais. Então talvez quando chegarmos, tenhamos nossa resposta.
— Vamos logo então. Se for algo assim, será até que fácil enfrentar esses monstros. Tem muito ouro por aí, né? E o exército tem o apoio direto do governo, que coordena todas as minas do país.
— Não seja ingênuo, jovem. Não estamos falando apenas de ouro, mas sim de dinheiro e capital. Enquanto tiver isso em jogo, não será nada fácil. Você acha que os poderosos vão simplesmente ficar calados se usarmos uma grande quantia de ouro assim?
— Mas não é uma situação de emergência?! E o governo não comanda o país?!
— Garoto… você não entendeu nada… os ricos geralmente não se importam com nada além do dinheiro e de suas próprias vidas. Nem mesmo o fim do mundo mudaria isso. E o governo não pode parar esses caras com força bruta. Eles têm muita influência e apoio. Ultimamente, tem tido um jogo de interesses, onde o governo tomou o papel de balança, pendendo entre os poderosos e o povo. De qualquer forma, pode deixar sua adaga comigo? Garanto que, como falei antes, lhe devolverei depois de verificar sua origem.
— Claro. Não tem problema. Se eu puder ajudar a acabar com tudo isso de alguma forma…
— Bem, pé na estrada. — Guardou a arma no porta-luvas e voltou a prestar total atenção na pista.
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Depois de um tempo no veículo, finalmente chegaram ao abrigo.
Era um local fechado com cercas de ferro, grades e arames. Exatamente como o menino tinha imaginado.
Thomas pensou que, ao entrar ali, sua vida estaria segura no meio da calamidade. Porque muitos soldados estavam por ali e o local era totalmente cercado.
A única coisa que o impedia era a enorme ameba na frente do lugar.
“Esses malditos monstros estão em todo lugar! E agora?!”
Paul parou o carro um pouco antes de chegar ao monstro e disse:
— Garoto, eu vou descer. Você fica aqui. Não ouse sair desse carro, está me ouvindo?!
— Sim, senhor — Prestou continência, num gesto irônico, mas de respeito ao mesmo tempo.
— Muito bem. Isso já vai servir como um teste para ver como ela funciona — disse e pegou a adaga. Em seguida, saiu do carro, empunhou a arma na mão direita e encarou o monstro.
“Se ele fosse assim sempre, eu o admiraria mais.”, pensou ao olhar para o homem. Na sua cabeça, ele parecia muito legal daquele jeito.
— Escuta aqui, aberração! Eu não admito ninguém entrando sem permissão no nosso território! Seja rico, pobre, o presidente, o papa, um ser racional ou uma criatura irracional como você! Sei que não me entende, mas é bom que saiba disso! Agora que veio para cá e ameaçou a vida de pessoas inocentes, não sairá impune! — Após falar, correu em direção à criatura rapidamente.
A ameba não se mexeu, mas soltou algumas pequenas partes de seu corpo, que se tornaram algumas criaturas menores e independentes.
Agora, além de enfrentar aquela aberração, o general tinha que lutar contra várias amebas pequenas.
Mas isso não foi nada. O oficial continuou sua investida sem parar por um instante.
Todas as amebas que ousavam lhe enfrentar eram destruídas por um único corte furioso e bem executado.
Não demorou muito para ele chegar perto do monstro.
“Será que ele vai conseguir?”, pensou o menino, assistindo tudo de dentro do carro.
O general se posicionou e atacou a ameba. Um corte superficial foi o suficiente para vencê-la.
A criatura perdeu a forma e uma poça de gosma foi criada no chão.
— Então é assim que essa arma funciona — falou, limpando a gosma remanescente na adaga. Depois disso voltou para o carro.
No veículo, viu que Thomas estava de boca aberta, impressionado com o que acabara de ver.
Enquanto ele sofreu e teve muita sorte para matar essas criaturas com uma arma capaz disso, Paul fez isso parecer fácil.
— Surpreso? Eu treino para lidar com monstros todos os dias, garoto. Só não esperava que um dia fosse lutar contra monstros irracionais. Sendo sincero, estou mais acostumado com o ser-humano — disse, guardando a adaga em um dos grandes bolsos presentes em seu uniforme. — Tudo bem. Está na hora de entrarmos. — Ligou o carro e dirigiu até o portão do abrigo.
O responsável pela entrada do abrigo reconheceu o veículo, viu Paul e autorizou a passagem.
O portão foi aberto o suficiente para o carro passar.
Quando adentrou o local, o portão fechou sozinho e o homem na guarita gritou, prestando continência:
— Bem-vindo de volta, general!
— Dispensado! — respondeu Paul. E continuou dirigindo até chegar num pequeno estacionamento e parar.
Ambos saíram do carro e o homem abriu a boca:
— E então? Gostou do abrigo? É um local meio improvisado, mas tem o suficiente para conseguir viver aqui ao menos por um tempo. Nossa remessa de mantimentos está marcada para toda semana, há algumas tendas para dormir e, se quiser, pode receber treinamento para sobreviver. Esse é o básico. Se quiser saber algo mais, pode perguntar para aquele homem vestido de branco ali, ele vai te ajudar com o que precisar. Não aconselho falar com os soldados porque, na situação em que estamos, os homens estão temerosos e podem acabar te tratando mal. Eu devo me despedir de você aqui. Tenho responsabilidades a cumprir.
— E sobre minha mãe? E a adaga?
— Como pode ver, aqui é um pouco grande. Ainda tem uma parte subterrânea, então vai ser difícil encontrá-la procurando sozinho. Converse com o homem de branco. Provavelmente ele vai ter até mais informações do que eu. Ele é como um guia do local. A questão da adaga… como disse, eu vou levar ela comigo para verificar algo. Quando tiver terminado eu te devolverei, mas já aviso que pode demorar um pouco e, mesmo que eu consiga a informação acerca de como ela consegue destruir os monstros, não poderei lhe dizer de imediato por questões de segurança. Agora preciso ir. Provavelmente não nos veremos por um tempo então até mais, garoto. — Levantou um pouco seu quepe¹ e se despediu, pela primeira vez, sorrindo.
Thomas viu o homem andando até abrir uma porta, entrar num certo lugar e desaparecer.
“É. Pelo jeito agora vou ter que me virar. Vamos começar falando com o tal homem de branco.”
━─━─━─━─∞◆∞━─━─━─━─━
Notas
¹ Quepe é um chapéu de uso militar como aquele azul dos policiais americanos que vemos em filmes.