A Adaga de Ouro - Capítulo 8
Thomas acordou de madrugada.
Levantou, sentou e notou que seus olhos estavam lacrimejando.
Sua mente estava embaçada. Lembrava apenas de imagens do sonho que tinha tido, mas isso foi o bastante para levá-lo às lágrimas.
“Eu não aguento mais! Meu pai… minha mãe… por que tudo isso foi acontecer?! Eu queria ter ido com eles! Assim eu não sentiria essa dor. Se eu pudesse apenas desaparecer… não, eu não deveria cogitar isso.”, pensou, arranhando seu rosto cheio de lágrimas com força.
Depois de chorar por um tempo, parou de arranhar o rosto, agora seco, e determinou para si: deveria fazer de tudo para descobrir o que aconteceu com sua mãe. Porque mesmo que fossem baixas as chances, ela ainda poderia estar viva.
Com isso em mente, concluiu que, mesmo sendo difícil ignorar a dor, se prender a ela não levaria a nada. Portanto, resolveu focar totalmente na busca por Melissa.
“Eu tenho que fazer algo, nem que eu mesmo tenha que sair daqui e enfrentar aqueles monstros. Se eu fosse como o general… com aquela adaga eu poderia enfrentar as amebas. Aliás, será que ele conseguiu algo sobre minha mãe? Queria poder encontrá-lo logo. Até posso tentar sair daqui sozinho, mas isso seria suicídio e provavelmente nem permitiriam. O melhor que posso fazer agora é esperar por notícias do senhor Paul. Eu só me pergunto… mãe, será que a senhora está bem?”, refletiu.
Naquele momento, Thomas sentiu calor e cansou de ficar dentro da tenda. Sabendo que não conseguiria mais dormir, saiu dali e foi caminhar pelo abrigo.
O ar estava mais fresco lá fora e, diferente do período matutino e vespertino, o vazio preenchia o local, com exceção de alguns soldados de vez em quando fazendo ronda. Alguns viram o garoto andando naquele horário e acharam incomum, mas não fizeram nada.
Ele não tinha nenhum destino definido em mente. Agora, só queria esfriar a cabeça. Então só andou por ali, reparando em pequenos detalhes que não havia percebido antes no abrigo.
Caminhou por todo o lugar até parar de repente por ver uma figura à distância: um homem de meia-idade fumando encostado numa parede ao lado da base.
“Senhor Paul!”, pensou e correu até o homem rapidamente.
O oficial, ouvindo o barulho de passos e olhando naquela direção, viu Thomas. Então expirou a fumaça uma última vez, jogou o cigarro no chão e amassou ele com o pé.
Quando o garoto chegou ali, gritou, ansioso pela ideia de receber alguma informação a respeito de sua mãe:
— General!
— Olá, garoto. Não esperava vê-lo tão cedo. Me pegou desprevenido. Não é comum eu ficar aqui fora.
— Sorte a minha… agora vou direto ao ponto, se me permite: o senhor conseguiu algo a respeito da minha mãe? — falou rápido.
— Se acalma e escuta um pouco, garoto… entendo que você pode estar ansioso, mas só se passaram dois dias. É difícil conseguir informação em tão pouco tempo no meio dessa bagunça que está acontecendo no mundo.
— Eu devia ter imaginado isso. — Desanimou. — Mas e sobre a adaga?
— Não precisa ficar assim também. Logo teremos algumas notícias. Com seus dados, não deve demorar muito mais pra achar algo, assim espero. Já no caso da adaga, ainda estamos fazendo alguns testes, mas não tem nada muito concreto e mesmo que tivesse eu não poderia te falar. A única coisa que posso te falar é que essa arma é bem estranha e não é o ouro que torna ela capaz de matar as amebas, diferente do que você pensou.
— Entendi… estou realmente muito preocupado com a minha mãe, sabe, senhor Paul? Ao ponto que eu já pensei em sair daqui sozinho para procurá-la.
— Por favor, não faça isso. Não podemos garantir sua segurança dessa forma.
— E se eu fosse como o senhor?
— Quer dizer um general?
— Não. Eu digo lutando.
— Talvez nem assim. Ainda é muito perigoso, Thomas. Eu só faço o que faço porque já determinei pra mim mesmo que se for preciso morrer pra salvar outras pessoas, eu o faria. Mas ao lutar contra monstros você precisa saber que a morte, uma hora ou outra, acaba sendo inevitável.
— O senhor não tem medo da morte?
— Talvez sim… ou não. Eu não sei, meu garoto. Nunca me preocupei com isso. Desde que entrei no exército até hoje, estive ciente que minha vida não valia de nada se não fosse para ser sacrificada em prol dos outros, então nunca pensei na morte como a pior coisa. Para mim, a pior coisa é eu morrer sem poder salvar alguém. Mas se minha morte ajudar alguém, então pra que temê-la? Não foi pra isso que eu treinei e me dediquei por toda a minha vida?
Thomas ficou impressionado com a resposta do oficial. Isso o fez pensar no quão boa era a pessoa que estava na frente dele e como seu habitual jeito rude deixava tudo engraçado quando ele falava de coisas tão nobres.
Tentou segurar o riso, mas acabou não aguentando.
— Isso é… hahaha… muito… nobre… hahahaha! — disse rindo.
— Achou isso engraçado, é? Quer que eu te jogue lá fora? Tenho certeza que as amebas vão rir por horas também. Depois de sumir com algumas partes do seu corpo? Claro, mas vai ser muito engraçado para elas, tenho certeza. — Fez uma expressão de alguém que não parecia estar blefando.
— Calma, senhor Paul. — Se assustou e parou de rir. — Eu não estava rindo disso. É que é engraçado ouvir o senhor falando algo tão nobre com essa cara de quem comeu e não gostou.
— O que você disse? Amebas rindo por horas… — Ameaçou novamente o menino.
— Está bem, eu já entendi. Mudando de assunto… acho melhor eu voltar agora. Acordei de madrugada e não estava mais com sono, mas agora ele voltou. Só me avisa quando souber de algo sobre minha mãe.
— Claro. Eu mandarei alguém ou eu mesmo te enviarei uma mensagem através do relógio holográfico.
— Obrigado. — Começou a caminhar de volta para a tenda antes de ser parado pelo general.
— Thomas, espera. Antes de você ir… você mencionou sobre ser como eu. O que você acha de treinar aqui? — falou para o menino.
— Quer dizer, agora? — Parou de andar e olhou para trás.
— Não, mas quando você quiser. Eu acho que é importante ao menos saber o básico para se proteger nessa calamidade. Não sabemos o que pode acontecer, afinal. Esse abrigo não é absolutamente seguro.
— É… quem sabe? Acho que seria bom.
— Esse é o espírito! Pra isso, você só precisa se inscrever na área de atendimento. Assim você consegue permissão pra entrar na base. Sacrifique-se pelo povo! — Ficou animado, socou o ar em direção ao céu, mas depois percebeu que o garoto provavelmente não entenderia e sussurrou. — Verdade. Você não conhece isso.
O rapaz não entendeu e estranhou, mas resolveu ignorar:
— Certo, vou pensar nisso. Até então vivi como um sedentário então vai ser difícil.
— Não tem problema. Dizem que os diamantes mais brutos são aqueles que ficam melhores quando lascados. E você será lascado… hahahaha. — Riu da própria piada.
— Quer dizer que eu vou me lascar? Entendi o recado. Acho que vou pensar seriamente nisso então.
— É só uma piada, garoto. Tem um fundo de verdade, mas não se assuste. É melhor se lascar do que morrer quando a coisa ficar preta, você não acha?
— E você continua com as piadas. Tudo bem, vamos ver isso depois.
— Espero que você tome a decisão correta.
— Veremos. Agora eu realmente já vou. Até mais e obrigado por tudo.
— Até mais.
Voltou a caminhar para a tenda. Chegou lá, deitou e pegou no sono rapidamente.
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17 de agosto de 2040, Frankfurt, Primeiro abrigo, Nova Alemanha
O menino acordou somente à tarde por conta de um barulho. Até perdeu o café da manhã.
Quando foi olhar, percebeu que vinha do relógio. Clicou na tela do dispositivo e uma mensagem foi aberta:
Thomas, encontramos sua mãe. Ela está num hospital da cidade. Felizmente, está segura. Aquele local está sendo protegido pelo exército. Mas tem um problema… me disseram que ela não está num bom estado. Não sei dos detalhes, mas parece que tem uma doença envolvida. Eu sinto muito. Não temos como trazê-la para cá porque não temos estrutura para cuidar de pacientes em um estado como o dela, mas espero que ela fique melhor logo e que os dois possam se encontrar o mais rápido possível.
General Ebersbach
“Ela está viva! Isso é bom!”, pensou ao ler apenas o começo.
Quando leu tudo, ficou triste. Mas sua tristeza foi sanada pelo fato dela estar viva. Para ele, desde que ela estivesse viva, ainda havia esperança.
“Eu preciso estar preparado para protegê-la. O treinamento que o general mencionou, eu não queria fazer. Mas não tenho outra escolha agora… de qualquer forma, é melhor eu almoçar. Nem devem ter entregado o café da manhã, já que eu estava dormindo.”
Saiu da tenda, pegou uma marmita e talheres com um dos soldados e foi para o refeitório.
Ia sentar numa mesa aleatória, mas Axel chamou sua atenção, então sentou numa mesa com ele.
— Opa, Thomas. Como vai? — disse, abrindo sua marmita.
— Vou bem, e você? — respondeu, fazendo o mesmo.
— Bem também. — Pegou um talher e começou a comer.
— Isso é bom. — Fez o mesmo que o garoto.
Os dois perceberam a atmosfera estranha, talvez por conta da saída repentina de Axel no último encontro, mas ninguém comentou nada até um deles finalmente quebrar o gelo.
— Então… desculpa por ter saído daquele jeito antes. Eu só fiquei com vergonha de ter sido intrusivo demais e percebi que ia acabar falando besteira se continuasse. — Axel brincou com a comida, mexendo o talher de vez em quando na marmita, mas sem levar à boca.
— Nhum them problema. — falou com a comida na boca.
— Beleza. Então vamos só comer.
— Xherto. — Continuou comendo em silêncio.
Os dois terminaram de comer, se despediram e cada um foi para um lugar.
Era claro que queriam conversar mais, mas nenhum deles queria parecer intimista demais, então resolveram deixar assim mesmo.
Ao sair, Thomas lembrou das suas roupas que tinha colocado para lavar. Ele tinha esquecido de colocá-las na secadora. Então foi até o local e colocou.
Depois, foi até a área de atendimento para se inscrever para o treinamento. Quem o atendeu foi a mesma moça da outra vez:
— Boa tarde, Thomas. Como posso te ajudar hoje? — falou, educadamente.
“Ela lembrou meu nome?”, pensou, impressionado.
— Boa tarde. Eu pretendo me inscrever para os treinamentos.
Ela olhou para o garoto de cima a baixo e respondeu:
— Tem certeza? Os treinos são bem pesados, sabe?
— Uma vez alguém me disse: “É melhor se lascar agora do que morrer quando a coisa ficar preta.”
— Que diabos de frase é essa?! E, bem, não é da minha conta. Sou só uma atendente, então minha responsabilidade é auto explicativa: é atender, não botar juízo na cabeça de ninguém. Você é quem sabe o que faz da vida… muito bem. — Pegou um documento e colocou no balcão. — Leia e assine aqui. — Apontou para uma linha no final do papel.
O jovem leu tudo, mas não entendeu muita coisa. Apenas que seria considerado um recruta e teria que arcar com as responsabilidades de um.
Isso significava prestar respeito, se submeter de acordo com as patentes e lutar pelo bem do país arriscando a vida se fosse preciso.
Parecia um pouco demais para um simples treinamento, mas o garoto não se importou. Só pensou que deveria fazer de tudo para ser ao menos capaz de proteger a si mesmo e sua mãe porque, segundo o próprio general, não havia garantia alguma de que aquele abrigo seria seguro para sempre.
Sem hesitar, assinou o termo.
A atendente olhou para ele de um modo sério e disse:
— Seja bem-vindo ao inferno. Sua sentença de morte começa hoje. — Guardou o termo e escaneou o rosto do garoto com um aparelho.
“Será que eu fiz a escolha errada?”, pensou assustado.
— O treinamento já está em andamento… me dê seu broche atual, preciso te dar outro.
— Certo. — Tirou o broche, que sempre mantinha na camisa e entregou para a moça que, em seguida, entregou um novo broche.
Assim como fez com o antigo, prendeu o novo na camisa.
— Agora basta ir até a base e mostrar seu broche para a porta. Ela vai abrir automaticamente.
— Obrigado.
— Você não deveria me agradecer… não diga que eu não te avisei.
O rapaz foi até a base apreensivo, mostrou o broche para a porta e, como indicado pela atendente, ela abriu.
Ao olhar para dentro do local, ficou surpreso e admirado.
“Então é aqui que meu treino vai começar, hein?”