A Adaga de Ouro - Capítulo 9
Na base, havia um salão enorme com um piso de mármore e iluminação feita com lâmpadas de LED.
Ao olhar para todas as direções, o garoto viu duas pessoas lutando na frente de um balcão. Isso o fez pensar que seu treinamento seria ali mesmo.
No entanto, antes de fazer qualquer coisa, decidiu se informar com o homem no guichê, imaginando que ele era um recepcionista:
— Boa tarde. Sobre o treinamento…
O homem interrompeu Thomas e gritou, olhando para os dois jovens que estavam lutando:
— Seus desgraçados! Já falei várias vezes que aqui não é lugar pra lutar! Vão para o setor de treinamento imediatamente!
— A gente já vai! — responderam em conjunto e saíram correndo para um corredor.
— Desculpa. O que você tava dizendo mesmo? — Olhou para o menino e indagou, finalmente.
— Eu ia perguntar sobre o treinamento. Não é aqui, é?
— Ah! Sim. O treinamento. Você deve ser novo por aqui. É… não entenda errado… aqui não é a área de treino como esses idiotas fizeram parecer. É apenas o salão principal. O setor de treinamento fica justamente ali naquele corredor onde eles foram. Você pode pegar o elevador para o segundo andar ou descer pela escada se for do tipo que gosta de se exercitar.
— Esse lugar não parece tão alto. Tem um segundo andar aqui?
— Sim. Há andares subterrâneos. Aqui é o térreo. Depois temos o primeiro andar, o segundo e assim por diante.
— Obrigado. Eu já vou então — falou, depois caminhou direto para o corredor e entrou no elevador.
— E lá vai mais um… lembro quando foi a minha vez — disse o recepcionista, vendo o jovem sair.
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No elevador, o garoto apertou o botão para o segundo andar no painel e, em alguns segundos, chegou ao destino.
Era um local espaçoso com tatames e diversos equipamentos para treino. Já havia várias pessoas treinando por ali, inclusive os jovens que Thomas viu no térreo.
Apesar da abundância de equipamentos e pessoas gritando, uma espécie de cabine foi o que chamou a atenção do rapaz. Ela ficava mais acima na parede e possuía uma escada para subir. Nela, alguns homens, provavelmente oficiais, observavam o treino.
Em alguns minutos, um dos homens que estava lá dentro começou a falar por meio de um microfone:
— Homens! Atenção para os nossos novos recrutas. Espero que possam dar a eles uma recepção digna. Aposto que sabem o que quero dizer com isso… não se preocupem com a idade. No momento em que estamos, precisamos da força de qualquer um que ouse pisar aqui! Vocês já sabem como funciona, mas preciso passar o básico para eles. — Ajeitou o microfone e continuou. — Recrutas! Vocês que tiveram a coragem de vir aqui! Iremos selecionar oponentes para cada um e exibir através de um holograma. Não importa com quem vão cair! Deem tudo de si! Precisamos ver a garra de vocês! No mais, é isso! Que comecem as seleções! — Deu sinal para um homem que estava ao seu lado que, ao perceber, imediatamente clicou na tela de um relógio e começou a transmitir hologramas em ordem, mostrando os oponentes.
Ao verem seus nomes e rostos aparecerem na tela, os soldados caminharam cada um em direção a um tatame diferente.
Os recrutas não acompanharam porque estavam assustados, mas foram intimidados por seus oponentes e acabaram sendo obrigados.
Thomas também ficou com medo. Principalmente porque seu oponente era um homem muito mais alto que ele, porém, assim como os outros, não teve escolha senão acompanhá-lo.
— Não se preocupe, garotinho. Vou pegar leve contigo — disse o adversário do menino quando ficaram frente a frente no tatame.
O oficial voltou a falar no microfone:
— As lutas serão simultâneas. Não se preocupem em serem reprovados ou qualquer coisa do tipo. Pensem nisso como uma prova avaliativa. Veremos o potencial de cada um para determinar o método de treino mais eficaz, assim como o instrutor mais adequado. Agora chega de explicação! Podem começar!
Assim que ele gritou, as lutas começaram.
Os soldados andaram lentamente até os recrutas.
Alguns ficaram imóveis, outros correram desesperados pelo tatame e poucos tentaram enfrentar seus oponentes. Thomas foi um desses.
Ter enfrentado monstros de verdade e passado por situações de vida ou morte ensinou-lhe a suprimir o medo e se concentrar no que estava à sua frente.
Ele decidiu que daria tudo de si, mesmo sabendo que a derrota era inevitável. Queria se esforçar para ficar mais forte, pelo bem de sua mãe.
Não demorou muito para aqueles que fugiram serem nocauteados. O mesmo aconteceu com aqueles que ficaram imóveis. Os únicos que restaram foram os que resolveram lutar.
Mas mesmo eles também foram nocauteados. Thomas não foi uma exceção.
Os resultados foram unânimes. Nenhum soldado perdeu.
Todos no local começaram a rir. Até mesmo os homens na cabine.
Aquilo era esperado. Ninguém imaginava que os recrutas poderiam derrotar qualquer um daqueles homens treinados.
Para eles, aquela situação toda não passava de um ritual de passagem. Claro, aquela parte de ser uma prova avaliativa tinha seu fundo de verdade, mas, na prática, tratavam como um trote entre veteranos e calouros em uma faculdade.
As risadas só pararam quando o oficial falou no microfone mais uma vez:
— Homens, mais uma avaliação concluída! Meus parabéns ao desempenho de todos! Brincadeiras à parte, parece que essa leva foi boa. Talvez seja porque estamos enfrentando um apocalipse e isso inspirou a coragem de muitos, mas dessa vez mais recrutas do que o esperado demonstraram a força mental necessária para resistir a pressões emocionais. Eles conseguiram romper com o medo ao ponto de encarar oponentes invencíveis. — Após falar, sinalizou para o homem ao seu lado, que prestou continência e mandou uma mensagem através do relógio holográfico.
Minutos depois, homens com macas portáteis apareceram e carregaram os recrutas, que ainda estavam desmaiados.
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Thomas acordou e não reconheceu o teto; olhou para si e percebeu que estava deitado numa maca.
Ele continuou a observar o lugar e notou que estava num tipo de quarto de hospital. Entendeu quase que imediatamente o que havia acontecido, mesmo não lembrando dos detalhes.
“É, como eu esperava, perdi feio. Mas acho que não adianta de nada ficar parado aqui. Quero saber o que vai acontecer a partir de agora.”, pensou e depois levantou da maca com pressa.
Andou até a porta do quarto, mas quando ia sair foi parado por um enfermeiro:
— Ei! Nem pense em sair assim.
— Mas e o treinamento?
— Agora é hora de descansar. Fique aí e espere até ser servido. Preparamos um lanche para os recrutas.
— Mas eu…
— Nada de “mas”. Volte para a maca agora e espere. Está vendo essa insígnia no meu broche? Pois bem, respeite seu superior, recruta!
— Sim, senhor. — Prestou continência nada satisfeito, voltou para a maca e ficou sentado.
— Eu já volto aqui com seu lanche e as instruções para a próxima etapa do treinamento. — Saiu após falar.
“Gosto de respeitar o exército e a hierarquia, mas, sinceramente, dessa vez eu só queria me jogar de cabeça no treino. Preciso ficar forte o mais rápido possível.”
— Isso é uma droga! — reclamou.
— O que é uma droga? — perguntou o enfermeiro ao chegar no quarto.
— Ser fraco — respondeu por instinto
— Ah, então é isso? Aconselho não pensar muito nesse quesito… na verdade, não existe algo como força — respondeu enquanto entregava ao garoto um lanche nutricionalmente selecionado e balanceado.
— Barras de cereais? Eu gosto. Muito obrigado, senhor. — Abriu e começou a comer. — E como ashim nhaum exhiste forxa? — perguntou comendo.
— Não sabe que é falta de educação falar enquanto come? De qualquer forma, o que quero dizer é que força é algo muito subjetivo e fútil para se pensar sobre. O que seria a verdadeira força? Não perder nenhuma luta? Suportar qualquer tipo de pressão psicológica? Ou ter o poder de proteger a todos? Todas as alternativas são válidas, mas você não percebe nada de comum entre elas?
— O que seria?
— São todas fora da realidade. Não existe ninguém invencível, física ou psicologicamente. E também não existe ninguém que consiga proteger a todos. Porque a vida possui diversas variáveis que impedem isso.
— Entendi, mas como isso prova que a força não existe, senhor? — falou após terminar de comer.
— Não prova, mas mostra o quão fútil é pensar em ficar forte o suficiente para fazer algo muito ambicioso. Todas as pessoas que querem ficar fortes geralmente possuem dois objetivos em comum: proteger ou destruir. Acredite em mim, não é possível fazer nenhum dos dois plenamente.
— É, talvez o senhor esteja certo, mas ainda acho importante tentarmos.
— Toda tentativa é válida, mas nem toda tentativa irá te beneficiar. Pra quem quer tentar, é necessário saber as consequências e tomar cuidado pra não se machucar. Espera…
— O quê? — Ficou surpreso com a pausa repentina.
— Acho que eu deveria ser poeta. Viu como tudo rimou? Nem foi intencional, haha.
— Achei que fosse algo mais sério… — sussurrou
— Haha. Chega de poesia e filosofia por agora… você deve estar ansioso para saber sobre a próxima etapa, não? Saiba que ela não acontecerá hoje. Apenas amanhã. Se fosse mais cedo, teríamos iniciado hoje mesmo, mas os oficiais decidiram deixar vocês descansarem porque, segundo eles, o inferno começa nessa segunda etapa. Amanhã, depois do café, alguém virá te chamar para te levar de volta ao setor de treinamento. Não estamos no mesmo andar, diga-se de passagem. Entendeu tudo?
— Sim, senhor. Obrigado pelos conselhos, pelo lanche e pelas informações.
— Muito bem, eu me despeço por aqui, recruta. — Prestou uma breve continência e saiu.
— Até mais, senhor. — Imitou o gesto.
“Agora faço o quê?”, assim que pensou, seu relógio holográfico fez um barulho.
Clicou na tela e uma mensagem apareceu:
Seu nível de acesso foi aumentado de 0 – sem acesso para 1 – básico. Parabéns, recruta Thomas Lange.
“O que isso deveria significar? Será que agora tenho acesso a algum tipo de livro secreto de magia?”, refletiu e procurou por livros com o nível indicado pelo holograma após fechar a mensagem.
Depois de vasculhar o banco de dados de livros, encontrou um que lhe chamou atenção. Seu nome era “Introdução às artes marciais militares modernas”.
Começou a ler e se interessou pela profundidade do livro. Ele contava a história das artes marciais do exército até os tempos atuais e ensinava os fundamentos mais básicos: golpes precisos, sem desperdício de energia, uso de qualquer coisa como arma, adaptação e a validação de tudo num combate real.
“Espero realmente aprender essas coisas.”
O livro contava até mesmo com vídeos mostrando a execução de certas técnicas.
Em algumas horas, o rapaz terminou de ler.
A mensagem principal ficou cravada em sua mente:
“Numa luta real, nenhuma técnica ou prática metódica tem sentido. Essa noção é sim importante, mas, no final, o que diferencia o vencedor do perdedor é o quanto deram de si em busca da sobrevivência.”, foi sua última reflexão antes de dormir.
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18 de agosto de 2040, Frankfurt, Primeiro abrigo, Nova Alemanha
— Ei, garoto! Acorda! Você precisa comer logo porque a próxima etapa do treino está prestes a começar! — gritou alguém, chamando Thomas.
— Eu já vou, senhor Paul… — Acordou grogue, limpando os olhos.
— Paul?
— Espera… senhor enfermeiro?! Desculpa, eu lhe confundi com outra pessoa.
— Tanto faz, pega isso aqui e come logo! Você está atrasado! — Entregou alguns pães e um copo com achocolatado em uma bandeja descartável.
— Me desculpe, senhor!
— Não tem ninguém disponível. Agora eu vou ter que te levar lá. Um soldado passou aqui, mas saiu ao ver que você não estava acordado. Não é o trabalho dele te acordar, afinal.
— Sim, senhor, me desculpe, senhor!
— Para com essa atuação e come logo!
— Se o senhor diz… — Começou a comer.
— Vocês recrutas sempre me dão o maior trabalho…
Assim que terminou de comer, levantou da maca e foi levado pelo enfermeiro às pressas para o segundo andar.
Ao chegar lá, viu que todos os recrutas já estavam por ali conversando uns com os outros.
A voz do oficial da prova avaliativa ecoou:
— Recrutas! Como foi a última etapa?! Incrível, não? Não estão prontos para essa? Não importa! A segunda etapa vai começar mesmo assim! Nessa etapa, vocês enfrentarão uns aos outros! Sim, isso mesmo! Mesmo aqueles que forem seus amigos. Vão ter que lutar até que um dos dois desista ou seja incapacitado. Vocês podem ficar de fora, claro, mas eu não recomendaria. Quem ficar de fora será obrigado a enfrentar um soldado! Vocês são livres para escolher um oponente dessa vez então decidam logo.
A princípio, todos ficaram assustados. No entanto, ninguém quis enfrentar os soldados de novo então começaram a se organizar.
Thomas olhou de um lado para o outro procurando alguém, mas sempre que pensava em abordar a pessoa, outra abordava. Isso perdurou até que o menino não pudesse mais ver ninguém sem par em seu campo de visão.
Preocupado em ter que enfrentar um soldado, resolveu gritar para o oficial na cabine, esperando que pudesse ficar de fora só dessa vez.
Quando ia fazer isso, foi abordado por alguém.