A Companhia Mercenária do Sul - Capítulo 50
A espada de Vasily voou em direção ao pescoço do sulista, que se agachou para desviá-la, e depois contra-atacar com uma estocada no estômago, evadida pelo Infante com um salto para trás. Tadeu prosseguiu com o ataque, lançando repetidos cortes contra o peito do adversário, obrigando-o a bloquear cada ataque enquanto cedia chão para o jovem energético.
Em um ataque oportunista, o mercenário tentou estocá-lo pelo flanco direito, mas o homem se esquivou ao pular para a esquerda, separando-os em poucos passos.
A curta escaramuça esfriou. Ambos aproveitaram a distância para reavaliar o duelo. O loiro, em especial, ofegava com o rosto contente.
— É mais rápido que eu, mas é só nisso que você é melhor. — Ele arrumou a postura, deixando-a mais ereta. Seu peito estufou em soberba. — Não há nenhuma técnica nesses golpes.
— Não acha que tá falando demais? — Apontou a ponta do sabre para o outro duelista.
— É, talvez tenha razão.
Ele brandiu com a lâmina em busca do sulista, que bloqueou por pouco, recuando um passo. Vasily voltou a investir com ataques rápidos, buscando pelos pontos vitais do oponente, fossem seu peito, pescoço ou cabeça, obrigando-o a fazer sua lâmina dançar do tórax ao rosto para bloquear as investidas.
Tadeu foi empurrado aos poucos. O loiro desferiu um corte na vertical contra sua cabeça, bloqueado pelo sabre posto na horizontal, buscando sua coxa direita exposta, que escapou do fio da espada após um salto no último instante.
O Infante avançou outra vez, tentando estocá-lo enquanto se equilibrava do recuo, mas Tadeu foi mais rápido ao saltar para o flanco esquerdo dele, deixando a guarda do oponente exposto. Sem usar a espada, lançou-se em um salto para usar a força de seu corpo, para desequilibrá-lo com o impacto.
Foi como tentar quebrar uma montanha com o ombro. O brutamontes se equilibrou com dois passos para trás, mas ainda foi obrigado a se agachar de um golpe que veio antes de voltar ao seu foco. Depois do sabre acertar o ar, rasteirou seu oponente, que caiu após perder o contato das canelas com o solo.
Ao cair, Tadeu largou a espada. Assim que viu o loiro partir em sua direção, chutou a espada para trás. Esperou que o loiro erguesse sua arma para golpeá-lo no chão. Quando a lâmina desceu, pôs-se de cócoras na direção oposta ao do corte e saltou com o braço dobrado apontado para cima, desferindo uma cotovelada no nariz do inimigo.
Vasily bambeou após o golpe, mas manteve a espada em mãos. Seu nariz latejava. Sentiu o sangue quente escorrer das narinas para boca enquanto via o mercenário recuar para pôr a lâmina perdida de volta ao alcance de suas mãos.
Poucos segundos depois, o sulista de pele bronzeada estava outra vez em posição de luta.
“O bastardo pode não ter técnica, mas sabe improvisar…”, pensou enquanto enxugava a sangria do nariz torto.
Agarrou-o com força e o jogou de volta ao lugar com um tranco violento. Sentiu o cheiro do sangue se misturar com o limo da prisão, um odor familiar. Sua mente pensou na possibilidade de usar sua carta na manga após o estímulo do ambiente, mas recusou:
— Acho que ainda posso dar conta — cochichou para seu interior. Depois, focou no estrangeiro.
Mesmo ferido, Vasily se atirou com a espada pronta para um corte diagonal, que atravessou o vento após o salto evasivo do soldado. O loiro continuou a atravessar o ambiente pegajoso, lançando ataque após ataque, porém, ao contrário de antes, seu inimigo fazia de tudo para evitar um confronto direto. Tadeu recuava a cada corte efetuado, deixando o oponente na iminência da loucura.
— Pare de fugir, plebeu!
O Infante cortou o ar para decapitá-lo, mas sua lâmina encontrou o vazio mais uma vez após o mercenário desviar para sua direita, o lado oposto da sua lâmina. Seus olhos esbugalharam ao notar o erro.
Tadeu desferiu-lhe um pontapé contra o estômago. O loiro perdeu brevemente a força das pernas, dando a oportunidade a seu adversário para atacar-lhe o peito exposto. Tadeu tentou a estocada, mas Vasily copiou seu método e se esquivou para o lado. Agarrou o antebraço do duelista rival e o puxou com força, arremessando-o ao outro lado do corredor.
Novamente, Tadeu largou sua espada e deslizou pelo musgo do solo, porém conseguiu recuperar o sabre depressa, já que havia caído perto de onde pousou. Ele encarou o sujeito com espada em mãos. Viu que o loiro, parado próximo ao corpo do homem que decapitou, apoiava-se com a mão na parede enlodada da masmorra, usando seu rosto quadrado e olhos claros para fitá-lo de volta.
Os dois pareciam exaustos, fruto do clima úmido da prisão escura. As trevas pareciam mais poderosas no momento de calmaria. Haviam grades no topo, provavelmente para usar da luminosidade do sol durante o dia, mas estas estavam tapadas. Apenas a escassa luz de velas os iluminava.
O jovem sentiu o lugar pressioná-lo, mas desconhecia o porquê. O musgo em sua volta parecia envolvê-lo mais que antes. Sentia o suor de seu rosto se misturar com o ambiente orvalhado, criando uma camada fina que parecia pressionar seu corpo por todo lado.
“O que é isso?”, questionou-se em mente.
Ele continuou a olhar para o oponente, que retribuía ao manter seus olhos claros sobre ele. O semblante do inimigo era rígido. A sensação verdejante era ausente no loiro, que se assemelharia a uma estátua se seu nariz estivesse seco.
— Acho que você percebeu, não é?
“Ele que tá fazendo isso? Mas que tipo de feitiçaria é essa?!”
Tadeu viu Vasily alisar o lodo na parede. A silhueta deforme do limo se contorceu feito centenas de minúsculos tentáculos, quase invisíveis ao mercenário por conta da distância e da escuridão. Sentiu algo correr por suas canelas. Musgo. Blocos de massa esverdeada e pegajosa bolavam pelo chão, formando aglomerações de plantas rasteiras que marchavam como um pequeno exército em direção ao Infante.
Enquanto atraia o verde em sua direção, seu sorriso renasceu. Todo o lodo parecia formar uma corrente pelo chão, como uma rota para o seu destino. Duas colunas se ergueram aos poucos, uma mais rapidamente que a contraparte, que se mantinha tímida.
A maior cresceu em um ritmo acelerado. O cilindro de musgo se dividiu em duas partes, ainda conectadas no topo, que crescia por todos os eixos. A massa continuou a se juntar. Dois apêndices brotaram das laterais da coluna crescente, enquanto o topo parou de crescer na vertical, permitindo que uma esfera se formasse.
A bola era semelhante a forma de uma cabeça humana desproporcional ao corpo. As metades do chão se transformaram em pernas. Do caule crescente, o verde fez brotar um torso. Os dois apêndices laterais se moldaram em braço e antebraço, criando pequenos ramos nas pontas, à aparência de dedos.
Tadeu ficou em choque ao ver a figura humanoide se formar diante de sua face. Quando a coisa ficou inteira, viu cinco cipós voarem da silhueta sem alma para os dedos da destra do loiro, feito os cabos que conectavam um fantoche ao seu marionetista. Enquanto isso, à direita daquela criatura, o mesmo processo se repetia, mas muito devagar.
— Queria guardar isso para uma hora oportuna, mas acho que sou um pouco ansioso. — Seu rosto se arreganhou da testa aos olhos, enquanto sua boca alargada proferiu uma risada histérica, como a de um humano que perdera a sanidade. — Contemple o poder dado à Lefur! Contemple a Bênção Paralela da Árvore, sulista!
O mercenário apertou o cabo da arma, ainda paralisado frente ao poder incompreensível. Para seu desgosto, seu medo foi percebido pelo rival.
— É bom se apressar, meu outro companheiro não vai ficar parado quando ficar pronto.
O braço do humanoide de planta esticou em busca do corpo do soldado atingido pela bala de Tadeu, afinando-se enquanto se aproximava do objetivo. Seus dedos de relva agarraram o cabo da espada. Sacou a lâmina lentamente, que produziu um ruído agudo ao deslizar da bainha.
O braço voltou ao seu tamanho original, e sua dona desengonçada se contorceu à semelhança das bestas de terras distantes. A criatura de musgo vagou com pisadas tortas para a frente de seu marionetista, feito um bebê que dava seus primeiros passos. Ergueu o sabre em uma posição de luta, pronta para o embate.
***
O alvirrubro tentou lutar, mas o invasor foi mais rápido. A coronha bateu contra a testa do guarda, que cambaleou para trás enquanto um corte surgia em sua testa. Sangue escorreu da ferida. Ele tentou tapar o sangramento com a mão.
Vendo que não poderia vencer, voltou-se para avisar seus colegas, preparando um grito. Contudo, o outro adversário se adiantou. A mão nua chocou contra a testa sangrenta do soldado, lançando um choque frio que correu por todos os seus nervos. Espuma escorreu da sua boca enquanto ele se debatia.
Levias manteve o toque até que o Capacitado sindicalista tivesse certeza que ele desmaiaria. Tirou a palma de cima do escalpo e guiou o desmaiado até o chão. Depois, retirou o sangue da mão, para que sua luva continuasse alva ao vesti-la.
O Sindicalista estava acompanhado de Nico, que golpeara o guarda com a espingarda, Tevoul e Marí, próximo aos portões de madeira entreabertos da muralha do castelo. Assim como os outros dois homens do grupo, vestia uma casaca alvirrubra roubada, o que os auxiliaria.
O interior do castelo era simples: limitado pelos quatro muros, havia um largo pátio de pedra habitado por cerca de uma dúzia de soldados uniformizados, além de uma construção central, de dois andares. Às pontas dos muros, as torres eram protegidas por sentinelas em grupos pequenos.
— São trinta e quatro homens, fora os dois Capacitados. Dezesseis estão nos muros, quatro em cada torre. — Explicou o loiro. O rapaz se agachou e acariciou a cabeça do soldado estirado no chão, como se fosse uma criança. — Obrigado, Valery, você foi de grande ajuda.
— Precisamos esconder esses dois — Nico falou enquanto tomava um dos guardas desacordados pelos braços. — Alguma coisa aí, garota?
Marí fazia todo o grupo ficar invisível aos olhos dos guardas, o que evitou que percebessem o conflito que ocorrera nos portões. Porém, a entrada inabitada chamaria a atenção dos anfitriões mais cedo ou mais tarde.
— Tem uma carroça com uma lona aqui perto. Vamos escondê-los nela.
— Vocês dois — apontou para Levias e Tevoul. — Façam o que ela disse.
Os dois assentiram. Eles puxaram os dois alvirrubros desacordados pelas mangas e, sob a ilusão da feiticeira, arrastaram-nos até a carroça. Nico levantou a lona da telega, enquanto o loiro e o ruivo colocavam a dupla desacordada para dentro, com todo o cuidado para gerar o mínimo de ruído.
— Pra onde a gente vai agora, loirinho?
— Tenho convicção que a masmorra que abriga a pequena e nosso companheiro se encontra nas proximidades da torre ao norte.
— Certo, bastião norte. — O major ajeitou o pano sobre os dois desacordados. — Como todos tem uniforme, então dá pra chegar lá sem chamar atenção. Alguém tem algo a acrescentar? — Perguntou antes de prosseguir com o plano.
Quando viu que todos estavam prontos, ordenou que o seguissem.
Marí se escondeu da mente dos guardas, enquanto o resto da trupe caminhou em direção aos muros da cidadela sem fazer alarde. Ela cruzou o pátio até chegar em um portão lateral que levava ao corredor interno da muralha.
A ruiva o abriu com cautela. Ao atravessá-lo, percebeu que o saguão do muro oeste estava vazio. Ela desfez a ilusão e surgiu na frente do grupo, chamando-os para dentro. Nico, Levias e Tevoul entraram em sequência, sendo o último o responsável por fechar a porta de ferro.
O corredor era largo o suficiente para abrigar um trio lado a lado, embora com um conforto questionável. O chão, as paredes e o teto eram de pedra, mas, ao contrário das que formavam as prisões, eram bem cuidadas, sem sinal de musgo ou mata curta. Porém, era igualmente escuro. As poucas tochas iluminavam apenas pontos específicos da extensão do espaço, criando trechos intermitentes de trevas e luz.
— Ótimo, estamos dentro. — O ex-oficial fitou o sindicalista. — O quão grande é a masmorra?
— Há cerca de trinta celas, organizadas uma galeria em forma de quadrado com uma cruz. Infelizmente, não consegui obter uma cela específica em que possam estar cativos.
— Já é um começo. — Nico deu as costas para o grupo, direcionando-se à torre norte. — Eu vou lá resolver essa merda.
Os três ficaram incrédulos com a ordem.
— Não seria mais proveitoso se possuíres companhia, major? — questionou Levias.
— A sua? — Ele voltou a apontar ao trio. — De maneira alguma. Você e a ruiva ficam aqui, junto do… Qual o teu nome mesmo?
— Tevoul Darville de To…
— Tá, tá, tá… fica aí com eles. Vocês três vão ter que barrar qualquer um de chegar na masmorra enquanto eu pego a pirralha.
— Mas…
— Sem “mas”. A asteni e o outro Infante podem aparecer, então fiquem aí enquanto eu volto!
O major pôs a mão sobre o pomo da espada e disparou em direção ao portão que levava à torre norte, deixando seus companheiros para trás.
Era uma excentricidade que irritava cada um da trupe. Nico mostrara muitas faces desde que seus destinos se cruzaram, e, por alguma razão, todas eram igualmente de dar nos nervos do mais paciente dos homens.
Difícil de lidar, desajustado, raivoso, psicótico e alterado eram alguns dos adjetivos possíveis ao sujeito que se aproximava da entrada do bastião. Pelo que o Conselho Republicano disse naquele fatídico dia, sabiam que o oficial fora condenado por insubordinação. Encaixava como uma luva.
O ex-oficial se preparou para entrar na torre sacando a lâmina. De bainha branca com detalhes vermelhos na ponta, guardava um belo sabre enfeitado, contendo as iniciais do falecido rei Grozyr I de Leifas. A arma acompanhara Nico quando lutou pela monarquia e pela República, mantendo-se fiel ao homem até seus dias mais sofridos, em contraste aos dois regimes que o traíram. Agora, mais do que nunca, ela seria a ferramenta mais importante para o major. O instrumento que traria sua vida de volta.
Nico chutou a porta com toda sua força, quebrando a fechadura e abrindo caminho para sua passagem. Deu de cara com um guarda que, sem entender o que aconteceu, recebeu um corte no peito.
Outro surgiu a sua esquerda, obrigando-o a se esquivar para a direita. Após isso, estocou o pescoço do alvirrubro, que logo foi banhado pelo sangue que jorrava. O soldado do castelo chiou de dor. Antes que pudesse clamar por ajuda, viu o pomo do sabre acertar o seu rosto, a provável última imagem de sua vida.
Foi uma descarga de adrenalina curta, porém intensa. A tensão abaixou enquanto Nico recuperava o fôlego.
— Aqui foram dois — concluiu.
Ele olhou para cima. A torre era do tamanho de um quarto comum, contendo uma escadaria em caracol no canto oposto às duas portas. Pelo que Levias havia dito, ainda deveriam haver dois homens no topo.
Porém, na aresta oposta à escada, ele viu outra porta, essa sem conexão direta com o exterior. Era solitária e reforçada em ferro. Possuía uma encanto único que os chamava para dentro.
“Deve ser a masmorra.”
Nico pôs sua destra sobre a fechadura e, sem esforço algum, puxou a porta. Estava destrancada. O major podia ser um asco, mas era inteligente o bastante para notar o que estava errado.
O major se agachou. Tomou o braço de um dos homens caídos para usar a manga do uniforme como um pano de limpeza para sua espada. A todo instante, fitava o teto, para onde a escada em caracol subia.
— Tá aberta, isso sem contar que tinha dois guardas por aqui. Deve ter gente aí dentro — cochichou para si, enquanto seus olhos continuaram a buscar o topo. — O de baixo pode esperar um pouco, acho melhor resolver o problema de cima primeiro.