A Dura Vida de um Recepcionista da Guilda - Capítulo 02
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- Capítulo 02 - Nas entranhas do breu.
Ao adentrar na floresta, notou que o seu interior era de congelar a espinha, o ranger dos galhos, o farfalhar das folhas, o som dos animais, tudo criava uma atmosfera arrepiante. Não queria tardar mais do que deveria.
“Mas que merda, problema logo no primeiro ponto? Qual o problema dessas vadias?”
Novamente, o agudo grito rompeu as trevas. Vinha do norte. Alef, munido de seu fiel canivete, prosseguiu em direção ao som que lhe furou os ouvidos uma segunda vez.
Atravessava de forma destemida o matagal, que mais parecia que a mãe de alguém havia esquecido de depilar os países baixos. O cheiro da mata cortada mais parecia um piscinão de ramos mijado.
A cada golpe dado, ele mais se dilacerava do que removia o mato. “Essa merda nunca tem fim? Onde diabos saiu aquele grito ao final das contas.”
Um som corrente captou sua atenção, logo concluindo que o grito partiu das garotas que tomavam banho. Ignorou o mato e deu um salto de cabeça, rolando pirambeira abaixo.
Ele vagamente abriu os olhos, se deparando com uma vegetação nunca antes vista. Cipós dourados se estendiam até uma pequena gruta rosada, interligada por dois espessos troncos brancos, bem polidos e lustrados. “Mas que lugar peculiar” pensava o recepcionista.
— Kyaaaa! Seu… seu!
Dafne aproveitou a posição vantajosa de Alef, pisoteando-o como se tivesse provocado uma manada de gnus africanos.
O rosto do rapaz rapidamente se tornou uma esfera avermelhada que a cada novo pisão esguichava ketchup. Ao terminar a sessão de terapia facial, a elfa rapidamente se enrolou em sua capa, seu rosto parecia uma acerola.
— E-eu vim… ajud…
— Você pegou pesado, Dafne. Não podemos terminar a tarefa se ele morrer aqui.
A elfa apenas ondulava o cabelo com a ponta dos dedos, seu rosto parecendo que estava em chamas.
Vendo nada além de sombras dançando na penumbra da noite, Alef tentou olhar para a outra garota, mas a única coisa que conseguiu notar foi um apêndice saindo de cima dos seus pastéis de carne.
A maga buscou seu cajado e com um rápido movimento, as garotas se vestiram. Agitou a arma uma segunda vez com um cântico incompreensível.
O ar cedeu espaço para uma pequena fenda de coloração verde, instantes depois, uma pequena fada saltou para fora.
— Amaryllis, restaure a vida daqueles que caíram!
Alef estando todo fodido, não conseguia entender porra nenhuma do que a garota falou.
A miúda fada parou acima do corpo estatelado do jovem e começou a dançar. Era suave parecendo uma pluma pairando nos céus. Da sua graça, uma leve purpurina era borrifada sobre o garoto, sua face voltara a ser o que era antes do infeliz incidente.
“Caralho maluco, que porra foi essa? A guilda não me paga o suficiente pra essa merda.”
— Obrigado, Nia. Você salvou minha vida.
— Nã-não foi… nada… — a maga enrubesceu por baixo do escuro capuz, um movimento incessante pôde ser visto por dentro de seu manto. — Obrigada, Amaryllis.
A fada rapidamente deu uma pirueta graciosa, abraçou as próprias pernas e foi enclausurada em uma linda flor vermelha, que se desfez ao desabrochar, suas frágeis pétalas sendo carregadas pelo vento.
— Podemos… descansar um pouco? — questionou a nekomata, arfando para tomar um pouco de ar.
— Claro, vamos nos sentar aqui por um tempo — respondeu Alef.
Ao se sentar, parou para apreciar a clareira em que se encontravam, era época de lua cheia. O sereno rio refletia a prata do luar, as flores e gramíneas exalavam um aroma limonado picante. Nem parecia estar situado dentro da abominável floresta de Latora.
— O-o quê você tinha na cabeça em aparecer assim, do nada? — questionou Dafne, sua face ainda rubra.
— Ouvi uns gritos enquanto arrumava a fogueira, não foram vocês? — respondeu com um olhar incrédulo.
O uivo do vento trouxe consigo outro berro. O grupo rapidamente se colocou em posição.
— De onde partiu? — rosnou Alef.
As orelhas da elfa saltitaram para cima e para baixo como antenas, localizando a origem do som.
— Está a 250 metros a oeste!
Se entreolharam e rapidamente compartilharam um sinal positivo com a cabeça. O recepcionista apalpou sua algibeira procurando sua arma, mas ela não estava presente. “Buceta, cadê esse troço?” pensava afoito.
— Tá parado aí porquê? Tem medo da escura floresta? — o caçoou Dafne, fazendo um gesto fantasmagórico com as mãos.
— Vai cagar! Perdi minha faca!
— Essa coisinha aqui? Espero que a outra não seja do mesmo tamanho.
Com uma risadinha debochada, Dafne atirou o canivete para Alef, que mal conseguiu pegar o objeto.
– – – – – –
Ao se aproximarem da origem do som, a arqueira deu-lhes um sinal para abaixarem a postura. Logo em seguida, subiu rapidamente em uma árvore. O recepcionista ficou encarando sua bunda, ao notar, seu rosto ficou vermelho novamente, puxando o curto shorts em uma tentativa fútil de cobrir suas coxas.
— Olhos de falcão… — murmurou a elfa.
Seus olhos tomaram uma tonalidade amarelada como as pétalas de um girassol, puxou vagarosamente seu arco, preparou a flecha e retesou o máximo que pode. Um grito abafado escapou de sua boca.
— A Karla! Ela está… ela está caída!
— Bora bora! — exclamou Alef, pronto para mostrar suas habilidades.
Pulou do arbusto num salto e aterrissou com uma mão no chão e o fiel canivete na boca.
— Espera, são só umas aranhinhas…
Novamente, um urro preencheu o ambiente abaixo das copas das árvores. Karla estava caída com a bunda no chão, sua formidável espada cravada a alguns palmos de distância.
— Sai, sai, sai, sai, sai!
— Pera lá. Não era você que ia trazer comida?
Chutava umas aranhas aqui, outras acolá. Não conseguia acreditar que uma cavaleira rank quase 200 iria tremer nas bases por algo tão ínfimo.
“É, realmente vamos morrer, mas sem nem chegar perto do rei cuzão.”
As duas amigas simplesmente ficaram olhando os idiotas. Um se pagando de gostosão e a gigantesca amazona implorando pela vida contra uma dúzia de pequenos aracnídeos. Ambas segurando as gargalhadas com as mãos.
— Ne abuda, bufavoh… — implorou a guerreira com o nariz escorrendo e uma catarata em ambos os olhos.
“Nossa, que patético. Ainda dei um show de entrada, me sinto um palhaço… Melhor, me sinto o circo inteiro.”
Chutou a última aranha, andou calmamente até a nobre donzela. Antes de lhe dar a mão, ajeitou o cabelo para trás, alguns pingos de suor escorrendo de sua face.
— Vamos voltar para a fogueira, está tudo bem agora — disse em tom galante.
— Obribada, beu shalvador!
Deu um solavanco no recepcionista e o enterrou em seus morenos e suculentos peitos. Aproveitou o generoso ato e…
Lamb.
“Nom nom nom, azedinho, meio cítrico, sim, sim.”
A ação foi tão rápida que ninguém se deu conta do acontecido. Subitamente, uma substância pegajosa não identificada gotejou sobre sua cabeça.
— Karla, poderia pelo menos limpar o ranho?
— Ahn?
Ambos trocaram olhares e rapidamente olharam para cima. Olhos carmesim brilharam com sede de sangue. Oito olhos, pra ser mais específico.
Karla se empalideceu com o semblante da criatura que os espreitava. Mais gotas do fluido começaram a cair, todas acertando Alef, que se desvencilhou do abraço de Karla.
— GIGA-ARANHA! — urrou para a dupla que se divertia da situação, suas feições mudando rapidamente.
— Porcaria! Nia, é com você!
A arquimaga concordou com a cabeça. Pegou seu cajado e o ergueu fazendo uma rápida conjuração.
— Benção da lua, guie o meu olhar! Revelação!
Assim que terminou o encanto, um véu prateado encobriu a área. Conseguiam ver a enorme criatura tecendo seus fios, enquanto lentamente descia sobre o corpo paralisado de Karla.
— Não tão rápido! — exclamou a arqueira, puxando três flechas de sua aljava que se assentava por baixo da capa.
Deu uma rápida cambalhota para o lado, mirou na criatura, retesou o arco com as flechas.
— Disparo triplo!
Notou que o inimigo havia perdido o equilíbrio, com um salto, partiu em direção a Karla.
— Tirem a giga-aranha do rumo da Karla! — exclamou.
— Agora — respondeu a maga.
Balançou seu cajado algumas vezes, fazendo novamente uma prece irreconhecível. Uma pequena fenda negra apareceu, um Imp bombado saiu do portal com dificuldade.
— Pega a aranha, seu cachorro sem vergonha! Vai Safado!
“Mas que porra? O que aconteceu com essa maga, é retardada? Bipolar?”
O Imp maromba tirou um tridente que estava guardado entre suas nádegas torneadas e avançou em direção a aranha. O choque a fez pender para um lado e com um estouro, a gigantesca oponente fora ao chão, freneticamente agitando suas patas.
A lança do demônio cravou em sua cabeça. A elfa rapidamente puxou mais 5 flechas da sua traseira, pegou embalo e saltou no ar, com a graça de uma ave de rapina.
— Julgamento de Artemis!
As flechas disparadas tomaram uma tonalidade roxa, cravando suas pontas no abdômen desprotegido da aranha, que parou de se contorcer instantaneamente.
Alef tentava segurar Karla no colo, mas a moça atônita era bem mais pesada do que aparentava.
Em um último ímpeto de agressão, a giga-aranha se virou e partiu em disparada para a dupla.
— Bucetaaaaa!
Em plena fuga, o jovem tropeça e lança a amazona à distância. “Vou morrer aqui! Puta merda que bosta!”
Esborrachado no chão e sem esperanças, se enrolou em forma fetal e segurou a cabeça entre os braços.
Katching!
“Mas, o quê?”
A aranha havia cometido seppuku no pomo da espada enterrada de Karla. Sua cabeça sendo segurada pela guarda da arma.
O Imp ainda permanecia grudado na lança, com muito esforço conseguiu puxar o tridente do crânio da fera. Voou desleixadamente até Nia, que havia sentado em um tronco partido.
Estufou o peito e flexionou tríceps, lentamente girando o torso em noventa graus. Sua mestra apenas o fitou.
— Seu cachorro! Degenerado! Lixo! Da próxima vez vou te espancar, Safado!
O Imp tirou um grande sorriso de sua carranca, fez uma segunda pose musculosamente máscula e em um estalar de seus pequenos dedos sarados, uma mão demoníaca, mais negra do que a noite, o agarrou, arrastando-o novamente para as profundezas do Hades.
A garota caiu tão rápido quanto uma jaca madura. Karla ainda estava ventilando o acontecido. Dafne se aproximou de Alef e o estendeu a mão, a qual ele pegou de bom grado.
— Deveríamos voltar pro acampamento. Acho que todo mundo merece um descanso — disse o recepcionista.
— Tem razão, consegue pegar a Nia? — questionou a elfa.
O garoto consentiu com a cabeça. Andou a passos lentos até o corpo da maga e gentilmente a lançou sobre o seu lombo. “Acho que existe uma esperança no fim dessa jornada.”
– – – – – –
Enquanto voltavam, Karla ainda tinha arrepios. De vez ou outra, Alef olhava de relance para a garota que estava em suas costas.
— Por que ela se cansa tão rápido? — questionou Alef.
— Magia direta tende a cobrar muito dos usuários, ou é o que ela diz — pausou a explicação e rapidamente olhou ao redor — Por isso ela usa familiares em combate, justamente para se poupar.
Alef meneou com a cabeça. Com os instintos de Dafne, rapidamente chegaram até o conforto do acampamento.
Colocou cuidadosamente o corpo de Nia por cima do seu saco de dormir. Karla arrancou suas grevas de combate e as jogou de lado.
— Ah! Nada melhor que uma fogueira no meio da noite! Mas ela está apagando…
Alef olhou de relance para os pés da amazona. “ELA FAZ AS UNHAS! Pelos Deuses, que pé mais lindo, essa morena chocolate setenta por cento cacau, cem por cento pecado, que vontade de ch…”
— Uhum! E-eu vou buscar mais lenha. Vocês devem descansar.
Dafne apenas o observava com o canto dos olhos. Foi o acompanhando até ele se perder na escuridão da floresta. Seu delicado rosto se ruborizou, as mechas loiras caíram diante dos olhos azuis, fixados nas chamas da fogueira.
Ao retornar para o acampamento, trazia consigo alguns troncos secos e uma ratazana.
As três garotas estavam todas deitadas em cima de seu saco de dormir, todas abraçadas entre si. Alimentou as chamas com alguns troncos, espetou a ratazana de fio a pavio, estendendo-a sobre as labaredas. Ficou observando o sono tranquilo das amigas enquanto preparava o alimento.
“É. Hoje foi dureza. Mas amanhã tem mais. Boa noite, garotas.”