A Herança do Assassinato - Capítulo 14
A noite enfim tinha caído. As ruas de Rios eram as mais silenciosas que Dante já havia presenciado em todos os seus dezesseis anos anos. Não era possível se escutar nem um passo que fosse, os únicos poucos sons que existiam eram os sons produzidos por animais de rua, que de vez em quando, decidiam que estava na hora de começar a brigar.
Enquanto estava deitado na sua cama e olhando para o teto de madeira na qual estava hospedado, Dante refletia sobre a cena que tinha visto mais cedo: o homem sendo tirado de sua esposa e levado preso à força. Além disso, todas as casas estavam completamente trancafiadas. Todo o medo que os cidadãos estavam sentindo era por causa de um único assassino em série.
Dante cogitaria a possibilidade dessa pessoa ser um membro da família River, porém a descartou depois de um tempo refletindo sobre. Na sua infância, seu pai o ensinou a ser o mais discreto possível. Ninguém deveria saber que um assassinato ocorreu, se fosse possível, ele deveria até mesmo se livrar do corpo, para dificultar nas investigações. Esse assassino, faz exatamente o oposto, é quase como se ele quisesse que as pessoas soubessem quem ele é, desta forma ele ia ser pego cedo ou tarde, é só questão de tempo.
O melhor que Dante poderá fazer é dormir na estalagem e na manhã do dia seguinte, ir embora o mais rápido possível. Não estava nos seus planos ser vítima de um assassino em série de uma cidade qualquer.
O jovem apagou a chama do lampião que iluminava o quarto e em seguida se ajeitou na cama, para então cair em um sono profundo.
Na calada da noite, uma figura feminina caminhava pelas ruas desertas de Ryos, ela era consideravelmente gordinha e também aparentava já ter chegado à terceira idade. Observando melhor, podia se perceber que se tratava da mesma senhora que tinha dado carona a Dante mais cedo. A mesma andava tranquilamente, sem medo, chegando até mesmo cantarolar baixinho.
— Esse Fernando — disse a moça — Esqueceu o remédio na carroça, só não esqueceu a cabeça porque tá colada no pescoço.
Ela continuou a sua caminhada até que um suave, porém gelado ventos assobiou pelas ruas, fazendo com que a temperatura despencasse repentinamente, porém não era só isso isso. Um arrepio subiu pela sua espinha, que veio junto da forte sensação de estar sendo seguida. Tinha alguma coisa atrás dela e a cada instante chegava mais próximo de si.
Em um movimento brusco a senhora olhou para trás e ao fazer isso não viu nada. O sentimento de alívio preencheu seu peito, ela poderia voltar para seu marido em segurança. Quando ela volta a caminhar, acidentalmente esbarra em uma pessoa, que de início ela pensou ser um guarda fazendo patrulha.
— Me desculpa, eu n…
Sua frase ficou pela metade, mas não por sua escolha, a senhora tentava falar, porém as palavras pareciam não querer sair. Foi então que um frio indescritível tomou conta de seu pescoço. Ao levar suas mão até essa região, sentiu que um líquido escorrer dali. Seu cérebro demorou para entender o que era aquilo e só quando viu sua mão completamente coberta pela cor vermelha que um estalo aconteceu e a senhora compreendeu a situação: sua garganta acabara de ser cortada.
Em um ato desesperado de tentar manter a sua vida, tentou estancar a ferida utilizando de suas mãos, mas não adiantava. Cada vez mais a mulher se afogava em seu amargo sangue.
A sua visão foi escurecendo, junto do frio que aos poucos parecia congelar cada veia de seu corpo. O tempo desacelerou e enquanto suas pernas cederam, a fazendo cair para trás, permitindo que a última coisa que ela visse, seria o homem que tirou sua vida.
Um homem alto, vestindo um longo sobretudo negro e por baixo disso estva um um elegante terno, só que o que reamente chamou sua atenção foi o seu rosto, que mesmo estando escondido nas sombras, pode ver um detalhe que ficaria gravado para sempre na sua memória, mesmo depois de morta, que era o seu sorriso. Os dentes brancos refletiam a pouca luz que tinha no ambiente, revelando uma grande e nojenta expressão de prazer ao ver a morte daquela mulher.
Foi então que as cortinas e as luzes se apagaram.
No dia seguinte Dante já estava preparado para ir embora, até mesmo pagou a estalagem com antecedência para que tivesse que ficar o menos tempo possível na cidade.
O jovem caminhava pelas ruas, que agora tinha um pouco mais de circulação, mas não era pelos motivos que ele imaginaria. Um pouco mais a frente ele avistou uma grande multidão reunida em grande círculo, cada um empurrando o outro para conseguir algum espaço. Em uma circunstância normal, Dante apenas passaria reto e iria embora, porém ele tinha ouvido um choro masculino e que tinha um tom na voz levemente familiar.
Imediatamente Dante parou sua caminhada. Aquilo havia lhe despertado um pouco de sua curiosidade e então, utilizando de suas técnicas furtivas, se esgueirou entre a multidão, até que pudesse enxergar o que estava no centro daquela roda, o que foi algo que conseguiu lhe assustar.
Fernando estava ajoelhado sobre o chão, aos prantos, derramando lágrimas sem parar e já parecia ali fazia bastante tempo. A sua frente estava um corpo, coberto sobre um pano branco. Julgando pelas curvas do corpo e ao fato de Fernando estar completamente destroçado, não foi preciso nem sequer ver o rosto do cadáver para saber quem era.
Como? pensou Dante: Como ela pode ser morta no meio da calçada e ninguém vê nada?
Esse questionamento tomou conta da cabeça de Dante e a a única resposta plausível que ele encontrará era que esse assassino era um mago. Ele deveria ter alguma magia capaz de anular sua presença ou alguma coisa do tipo.
A linha de raciocínio de Dante logo foi interrompida pela chegada dos guardas, que começaram a abrir uma passagem na multidão de maneira forçada.
— Abram caminho!! — gritavam os guardas — O inspetor geral, Jack chegou!!
O som de passos se aproximava por trás da multidão, na direção desses sons, um homem surgiu. Ele trajava um longo sobretudo negro, por baixo estava escondido um elegante terno, enrolado em seu fino pescoço, estava um cachecol de cor vinho. Apoiado em uma begala ele caminhou até o corpo.
— De fato, esta é uma cena trágica — Sua voz tinha um tom educado, mas ao mesmo tempo persuasivo — Meus mais sinceros pêsames ao senhor.
O inspetor tirou o chapéu da sua cabeça e o colocou sobre o seu peito, revelando um cabelo ruivo muito bem penteado, para fazer uma referência a Fernando, que continuou achado no chão e não respondendo a referência.
O ruivo colocou de volta o seu chapéu e com bastante força, bateu a ponta de sua bengala contra o chão.
— Já chega dessa algazarra!! — ordenou o inspetor — Esse homem precisa de seu tempo de luto e também precisamos dar seguimento às nossas investigações sobre esse tal “Estripador”!!!
As pessoas começaram a se dispersar aos poucos, durante esse movimento Dante pode ouvir diversas conversas paralelas entre elas. Os cidadãos dessa cidade estavam aterrorizados, suas vozes, expressões e até mesmo a forma de agir, estavam indicando isso. Qualquer um podia ser a próxima vítima, alguns nem mesmo sabiam se as próprias eram locais seguros, se esse assassino podia matar ao ar livre, sem ser notado, o que poderia o impedir de invadir uma casa sorrateiramente pela porta de trás.
Se essa pessoa queria trazer medo aos outros, bom trabalho, ele estava fazendo isso da forma mais perfeita possível. Até mesmo os guardas aparentavam estarem tensos, afinal, eram eles que estavam na linha de frente nessa luta.
Isso já era o suficiente, ver aquele senhor triste realmente incomodava Dante, porém não havia nada com ele que pudesse ajudar. O melhor a se fazer era dar espaço e dar a Fernando o direito de sofrer seu luto, afinal, eles mal se conheciam, provavelmente se tentassem conversar, ele só estaria sendo inconveniente.
— Melhor eu ir logo — murmurou Dante.
No instante que ele ajeitou a mochila nas costas e estava preparado para partir, o inspetor passou ao seu lado. Aquilo devia ter durado menos de um segundo, mas foi tempo o suficiente para Dante entender completamente com quem ele estava lidando.
No exato momento que eles se cruzaram, seus olhares conseguiram se encontrar. Os olhos do inspetor tinham uma cor castanha bem clara, chegando bem próximo de um tom de vermelho, mas a aura que emanava desse olhar, era diferente de qualquer outra que Dante tivesse presenciado, ele emanava superioridade, mas ao mesmo tempo tinha algo que causava uma pulga atrás da orelha do jovem.
Perigo. Era essa a exata palavra que definia Jack.
Sem nenhuma troca de palavras, os dois pareciam ter se entendido por completo, principalmente quando Dante viu o leve sorriso que se formou na boca do inspetor em seu encontro. Parecia ter sido proposital.
Será? pensou Dante Qual foi a intenção daquele sorriso?
Dante só decidiu não pensar muito sobre aquilo e apenas seguir
O jovem apenas seguiu na direção dos portões de Ryos. Sua chegada na Capital estava tão próxima quanto nunca, provavelmente só mais alguns dias de viagem e ele chegaria lá, porém o destino parecia não querer que isso acontecesse.
Ao chegar nas proximidades dos portões se deparou com um grande tumulto acontecendo. Diversas pessoas gritando na frente de portões fechados. Dante se aproximou para entender o que estava acontecendo, o que não deixou nada feliz.
— Isso é um decreto direto do rei!! — gritava um dos guardas, ao mesmo tempo que apontava sua lança para a multidão — Enquanto esse assassino não for pego, ninguém sai ou entra!!
Aquilo atingiu profundamente Dante. Ele não podia ficar enrolando nessa cidade por muito tempo, porém nesse momento ele acabará de se meter no meio de encruzilhada. Ele tinha que encontrar alguma forma de ultrapassar esse bloqueio e fugir dali, mas com aquela quantidade de quantidade de guardas, mesmo com seus poderes, isso seria uma tarefa praticamente impossível. Sua outra opção era deter esse assassino em série, mas os riscos eram muito altos.
— Vocês não podem fazer isso com a gente!! — gritou uma mulher que tinha sido barrada por um dos guardas — Vocês não podem nos deixar presos nessa cidade com um assassino à solta.
— Isso mesmo!! — decretou um homem no meio da multidão — Quem não nos garante que a gente ou a nossa família será a próxima vítima?!
Uma enorme chuva de berros começou a cair sobre os guardas, algumas pessoas começaram a até mesmo arremessar pedras e empurrar os oficiais Tudo isso serviu para desencadear uma incrível onda de caos e violência.
Os guardas da cidade começaram a ser atacados pelas pessoas, e os mesmos não deixaram isso passar em branco, devolvendo os ataques e até mesmo imobilizando alguns dos opressores.
Dante pensou em utilizar daquela confusão para fugir, mas ele precisaria abrir os portões, o que chamaria a atenção dos vigilantes e mesmo que tentasse passar por cima dos muros, eles estavam sendo muito bem vigiados. No momento, sua melhor opção era esperar a noite cair, pois dessa forma ele poderia utilizar melhor seus poderes.
O resto do dia tinha sido completamente anárquico. Os oficiais da cidade tentavam a todo custo controlar a situação, mas eles não conseguiam. A única que os pararam foi o medo.
Com o cair da noite, qualquer um estava sujeito a ser a próxima vítima do estripador. Rapidamente aquela revolta se desfez, um por um, os cidadãos se trancaram nas suas casas, sobrando apenas os guardas nas ruas e obviamente, Dante.
Escondido dentro de um beco, Dante observava a movimentação nas ruas, notando muito que agora tinham muito mais guardas fazendo patrulhas, mas isso não seria problemas para ele.
O garoto colocou a máscara de raposa sobre o seus rosto e cobriu o corpo sob um manto negro. Então se misturou nas sombras dos prédios, o que ia o permitir cruzar a cidade sorrateiramente, mas algo estava parecendo estranho, já ele já tinha passado três vezes pela mesma porta verde e não havia saído do beco.
Isso causava a Dante uma certa desconfiança, mas talvez fosse apenas cansaço, pois logo chegou a saída do beco, então logo antes de sair, o garoto fez uma curva, se mantendo escondido entre os prédios.
Ele continuou a fazer isso, até que deu de cara com um beco sem saída. Nada fora do normal até então, só que o real problema era o que ele estava sentindo. Suas costas estavam formigando, como se alguém estivesse o observando com alguma má intenção. Foi neste momento que seus instintos agiram.
Dante não soube explicar como tinha feito isso, mas de alguma forma ele sabia que tinham que se esquivar de algo. O jovem, em resposta à essa intuição, deu um ágil passo para o lado, que foi responsável por o manter vivo. Após esse movimento, uma fina lâmina de uma rapieira passou raspando ao lado da sua nuca. No susto, Dante saltou para frente e se virou para trás, na direção que o ataque surpresa veio e ali viu um homem.
— Que descuido o meu — disse o homem, com um tom de prazer em sua voz —, eu estava tão excitado com a ideia de te matar, que acabei me descuidando um pouco.
— Quem é você? — questionou Dante, ofegante.
O semblante do homem parecia mostrar um certo nível de decepção.
— Que maldade a sua, como pode esquecer só seu querido amigo, Dante.