A Herança do Assassinato - Capítulo 27
O acolhedor calor do sol invadia o quarto pelas portas de vidro da sacada e janelas, junto de cortinas vermelhas que balançavam graciosamente com a suave brisa do vento, iluminando e revelando um cômodo grande e muito bem decorado. Nele haviam diversas bonecas de pano em uma prateleira, uma mesa com espelho com diversos itens de maquiagem. Em contraste com esse lado frágil e infantil do quarto, na parede oposta estavam diversas espadas penduradas e um suporte com uma armadura dourada reluzente e de tecidos brancos.
Em volta da grande cama de casal, localizada na parede oposta à porta da sacada, havia um dossel branco, quase transparente de tão fino. Sobre o colchão estava uma garota, enrolada confortavelmente no meio das cobertas. Sua pele era clara como a neve, os cabelos pareciam fios de ouro que se espalharam pelo travesseiro. Ela dormia tranquilamente, mas aos poucos a mesma foi acordando e abriu seus olhos, revelando uma íris composta por um verde da mesma cor que uma esmeralda.
Aquela bela dama não era ninguém mais do que Louise, a mesma cavaleira que lutou contra Dante na cidade de Ryos.
A loira se ergueu na sua cama, ficando sentada, se espreguiçando, tentando afastar o sono que a assolava no momento. Louise se desenrolou das cobertas, revelando sua longa camisola azul, se levantou, colocando os pés descalços contra o congelante piso de mármore, para então caminhar até a varanda do seu quarto.
Ao abrir as portas, permitiu que um forte e refrescante vento da manhã batesse contra seu corpo, fazendo com que sua roupa e seu cabelo balancem em um ritmo harmônico.
Da sua varanda Louise conseguia ver uma grande parte da Capital, que era iluminada pelos raios solares do amanhecer. Essa era a vista deslumbrante que apenas o castelo da Cidade Alta era capaz de proporcionar aos seus moradores. Certas vezes, Louise já se pegou apenas observando a cidade, admirando sua beleza silenciosa.
— Pai, mãe, queria que vocês estivessem aqui para ver isso… — disse Louise, com uma voz profunda, carregando uma carregando uma tristeza junto da felicidade.
Após algum tempo, a jovem decidiu tomar um banho quente e se arrumar. Com o cabelo devidamente tratado e portanto roupas adequadas, como uma saia longa, camisa listrada, um blazer e uma pequena bolsa para carregar o que precisava, Louise estava pronta para curtir o seu belo dia de folga.
Saiu do seu quarto e andou saltitante pelos corredores do castelo, cumprimentando os guardas e serventes com os quais cruzava no caminho, chegando a ajudar algumas moças da limpeza a carregar algumas caixas pesadas.
Sua primeira parada foi o quarto do seu professor, visando conversar um pouco com ele antes de sair. Ao chegar na porta, foi falar com o guarda responsável pela vigia do cômodo, o Miguel, um cavaleiro tímido e bastante jovem. Louise o conheceu na sua chegada ao castelo, quando ainda era um escudeiro.
— Bom dia Miguel!! — cumprimentou a garota, com bastante animação — O Mestre Vinder está?
— Não — respondeu calmamente o garoto, com um leve sorriso em seu rosto — Ele está numa reunião com o Rei de Éster, e quando eu digo reunião, quero dizer jogando pôquer.
Louise deu uma leve risada.
— Entendo, mas responde: como vai sua irmãzinha?
— Está ótima — Miguel se mostrava feliz ao falar sobre a irmã mais nova. — Graças a sua ajuda ela conseguiu gabaritar a prova de matemática.
— Que maravilha!! — Louise teve que se segurar para não pular de felicidade. — Ela é uma garota tão educada, sempre que precisar de algo é só me chamar.
— Obrigado — As bochechas do jovem cavaleiro ficam levemente coradas. —, ela também gosta muito de você. Sempre me pergunta quando que você vai lá casa de novo.
Ambos conversaram mais um pouco, até Louise partir, deixando Miguel cumprir o seu trabalho.
Foi durante a caminhada da cavaleira, que ela foi pega de guarda baixa.
Ao passar em frente a porta de um quarto de zelador, sem qualquer aviso, ela rapidamente se abre e uma mão cobre a boca de Louise, a puxando para dentro, fechando a porta logo em seguida, em uma cena aterrorizante.
Na parte de dentro, a garota nem sequer deu tempo de seu agressor tomar qualquer outra atitude. Usando seu cotovelo esquerdo, golpeia as costelas do mesmo, o desestabilizando, para que conseguisse realizar uma técnica de judô no mesmo, agarrando seu pulso e fazendo com que o sujeito caísse com as costas no chão.
— Meu Deus, acho que eu quebrei um osso! — disse o sujeito caído, enquanto gemia de dor.
Quando enfim Louise percebeu quem era aquele que a tinha surpreendido, ela entrou em misto de raiva com preocupação.
— Ah, por Deus, Leonard!! Você está bem?!
Caído no chão estava um jovem rapaz, vestia uma túnica de uma coloração verde escuro, com diversos detalhes prateados. Leonard era alguém alto, dotado de uma linda pele negra, da cor de um chocolate produzido dos melhores cacaus, seus cabelos sedosos se enrolavam entre si, formando uma grande aglomeração de cachos e olhos da mesma cor da casca de um carvalho .
— Defina seu conceito de bem, se conseguir respirar for a condição, é, eu estou bem — resmungou Leonard.
Louise suspirou, aliviada e podendo liberar a tensão de seu corpo.
— Se está conseguindo fazer piadas você está ótimo — A menina se agachou, ajudando o outro a se levantar — Nunca mais faça isso, se eu por acaso te machucar, é provável de me levarem até a forca.
— Ah, não se preocupe com isso, no máximo só iriam te trancafiar nas masmorras.
O desespero anterior de Louise não era apenas pelo medo de ter machucado seu colega, mas também pelo fato de ele ser o príncipe do reino de Ester, uma figura de extremo poder e importância na realeza.
— Mas nunca mais faça isso! — Um olhar de repreensão foi lançado por Louise. — Se eu não tivesse te visto, poderia ter quebrado seu braço!
— Às vezes você consegue ser mais assustador que um ogro — assustado, respondeu Leonard.
— Ok, mas qual foi a desse ataque surpresa? — Questionou a menina, cruzando os braços.
A resposta surgiu de maneira inesperada, com som de passos agitados cruzando o corredor do lado de fora, juntamente de algumas vozes, que exibiam um claro nervosismo durante as suas falas.
— Se o rei descobrir que o príncipe Leonard fugiu, nossas cabeças vão rolar — disse uma voz masculina.
— Já foram quantas vezes só essa semana? — perguntou um segundo homem.
Nem precisou de muito tempo de raciocínio lógico para Louise conseguir entender o que estava acontecendo. A garota virou o rosto lentamente para o jovem membro da nobreza, lhe repreendendo apenas com o olhar, enquanto Leonard evitava encarar a moça na sua frente, enquanto suava frio, pois já era do seu conhecimento que tipo de punição estava a sua espera.
Por outro lado, a dama de cabelos dourados percebia que tentar subjugar as atitudes do rapaz seria algo completamente disfuncional. Logo, respirou fundo e perguntou:
— Ok Leo, o que você quer?
Os olhos amarronzados do rapaz pareciam ganhar ainda mais brilho e sua face mal conseguia expressar a tamanha felicidade que sentia naquele momento.
— Eu tava afim de ir na cidade, eu sempre ouço os guardas falarem das festas que eles vão, das feiras, eu quero conhecer esses tipos de coisas e não ficar preso apenas a esses nobres mimados! — disse Leonard, esboçando o tédio que sentia ao estar naquele lugar.
Louise fez uma expressão de quem gostaria de falar algo, mas que por educação, decidiu manter-se em silêncio.
— Tudo bem, mas se quiser ir para a Cidade Central é melhor se trocar — Louise olhou o modelito de Leonard dos pés até às cabeças.
— Qual o problema com as minhas roupas?
— Elas são… Como podemos dizer… Caras demais.
— Tá bom, mas o que eu vou vestir?
— Deixa comigo — Louise logo abriu um sorriso sapeca.
Para que Leonard pudesse andar pelas ruas sem chamar atenção das pessoas e principalmente dos guardas, Louise pegou algumas de suas roupas para emprestar a ele, só que a estatura de Louise e Leonard era bem diferente, então, obviamente, não seriam todas as que poderiam caber no garoto. Logo, uma combinação cômica tinha se formado com as roupas vestidas: uma camisa branca com a estampa de um ursinho abraçando um coração, uma calça rosa com bolinhas vermelhas e um par de pantufas de coelhinho. Talvez Leonard chamasse menos atenção com as suas vestimentas reais.
Observando o novo look do colega, Louise se segurava para não cair na gargalhada, mas o seu divertimento com a cena era nítido.
— Eu mereço — Leonard não parecia nem um pouco feliz com aquilo —, tô parecendo… Nem sei o que eu estou parecendo, mas é ridículo!
— Ah, menos por favor, você tá fofinho.
— Você está adorando isso, não é?
— Nããooo… — Louise parou por um momento e repensou sua frase — Ok, eu tô curtindo.
— Sabia…
— Agora para de reclamar e vamos embora! — Louise então pegou a mão de seu amigo, puxando ele de surpresa e então, ambos começaram a correr pelo castelo, rumo a saída.
Com certa dificuldade, a dupla conseguiu evitar os guardas e conseguiram fugir do castelo, mas antes de realmente começarem o seu tour, Louise tinha algo importante a fazer. Ela passou em uma floricultura — que deixou Leonard bastante intrigado, pois não sabia que flores era algo que se comprava —, onde comprou um buquê de diversas flores diferentes.
A partir daquela loja, a dupla caminhou para uma parte da cidade sem tantos prédios, tendo mais árvores e vegetação. Leonard se questionava sobre o atual destino deles, até avistar um enorme portão metálico, escrito “Cemitério dos Lírios”. Eles adentraram e caminharam um pouco pelo local, encontrando pessoas levando presentes até às lápides, chorando ou apenas as olhando.
Loise foi até um par de lápides, onde estavam gravadas nas pedras, dois nomes: “Christopher Hoin” e “Emanuelly Hoin”.
A moça logo se ajoelhou, distribuindo as flores igualmente entre as sepulturas. Enquanto isso, Leonard observava em silêncio, até decidir fazer um questionamento:
— É túmulo de seus pais? — perguntou, desta vez o seu tom de voz era mais suave e baixo
Houve um longo período de silêncio até que houvesse uma resposta.
— É sim — A voz de Louise estava serena, porém era fácil notar uma grande tristeza ao proferir tais palavras.
— O Vinder já me contou sobre o seu pai, que era um cavaleiro honrado e um homem muito gentil.
— Ele realmente era, eu sempre o admirei muito, sempre que ouvia as histórias dele, imaginava um grande conto épico, onde ele era um grande cavaleiro brilhante.
No coração de Louise se misturava o calor das lembranças do seu amado pai, com o frio sentimento da perda. Sem que nem percebesse, lágrimas começaram a cair seus olhos e logo tentou afastar os pensamentos da sua mente.
— Bom, de toda forma acho que é isso — Louise fez uma oração silenciosa para seus entes queridos e por fim se levantou, se virando para Leonard, forçando um sorriso em seus lábios. — Não posso deixar esse clima pesado no dia que você decidiu fugir do castelo, tá na hora de curtir.
Leonard abriu um sorriso fraco, tentando ajudar a amiga a passar por aquele momento doloroso. Ambos então deram as mãos e partiram daquele cemitério.
A dupla então caminhava pelas movimentadas ruas da Capital, sempre cheias de pessoas. Mesmo sendo de manhã, a cidade já parecia muito viva, crianças brincavam, senhoras iam às compras e no caminho encontravam com suas amigas, bêbados dormiam nos bancos. Tudo aquilo eram coisas recorrentes, porém para Leonard, cada minúsculo detalhe parecia ser de um mundo completamente novo. Até mesmo lagartixas subindo as paredes das casas tinham a capacidade fazer os olhos do garoto brilharem.
— Como que meu pai pode me privar de tanta coisa incrível?! — No mesmo instante que o garoto terminou a frase, sua cara ficou emburrada. — Pra ele eu só tenho que estudar, ter amigos de alto escalão e estudar ainda mais diplomacia, tudo para eu ter que eu herdar você sabe o que!! E se eu não quiser me tornar aquilo que você sabe o que é!?!
— Então você não quer ser, tipo… Aquilo?
— É claro que eu quero!! — respondeu Leonard, extremamente eufórico.
Com a resposta que ela havia recebido, Louise ficou bastante confusa e sem saber exatamente o rapaz queri dizer.
— Eu quero ser um bom Rei — Leonard profere em um tom baixo, para que ninguém pudesse ouvir — Só que eu ainda quero viver a minha vida, ir para lugares que eu nunca fui e conhecer pessoas novas. Ter uma vida da qual eu não vá me arrepender.
Aquela fala, somada à expressão serena do príncipe, dava um grande aspecto de pensador e filósofo a ele, só que esse é quebrado devido às roupas fofas que ele estava usando.
— Leonard, eu nunca pensei que você poderia dizer algo tão inteligente assim.
— Como é que é essa história, garota?!? — Louise parecia ter ferido profundamente o orgulho de Leonard.
A garota riu com aquela reação exagerada do amigo e então muda completamente de assunto:
— Vem Leo, eu vou te levar para tomar café em lugar que eu gosto bastante, é bem aconchegante e a comida é ótima.
— Eles servem caviar? — perguntou Leonard.
— Você ainda tem que entender bastante sobre a diferença dos preços… — A menina suspirou.
Louise guiou Leonard pelas ruas, tomando o máximo de cuidado para ele não se distrair e se perder. Se isso acontecesse, seria uma enorme dor de cabeça para ela.
Não demorou muito para que a dupla chegasse ao local desejado. Era um prédio simples, mas muito bonito, com diversas flores estendidas sobre a fachada, acima da porta havia uma plaquinha escrita “Flower’s Café”. Eles entraram e com o movimento da porta, um leve som de sino soou.
A temperatura do ambiente era muito agradável, assim como o cheiro, que lembrava Louise as noites frias onde ela deliciava com uma caneca chocolate quente. A decoração era bem bonita, tendo algumas plantas espalhadas, uma grande estante de livros na parede, as mesas e o balcão de atendimento. Eles se sentaram e começaram a olhar o cardápio, obviamente Leonard se surpreendeu quando ele poderia pedir o que quisesse e não o que seu pai queria.
— Cada vez eu adoro mais a Cidade Central! — disse o garoto com os olhos brilhantes.
— Que bom que está curtindo, fiquei com medo de você achar que faltava requinte para o seu bico.
— Por acaso você acha que eu sou um principezinho mimado que nunca saí do palácio?
— Olha, tecnicamente falando, você é exatamente isso — respondeu Louise, em leve tom de deboche.
— Ok, você tem um ponto.
Após alguns instantes, eles ouviram o som de passos se aproximando até sua mesa, seguida por uma voz:
— Com licença, já sabem o que vão pedir? — perguntou uma voz masculina.
A loira então tirou os olhos do cardápio e se virou para o garçom que acabara de chegar.
— Já, eu vou qu… — A menina não conseguiu terminar a frase pelo choque que lhe ocorreu naquele momento.
O rapaz que estava na sua frente, era muito familiar. Os olhos da cor de uma safira muito bem polida, o cabelo preto penteado para trás semelhante ao céu noturno, mas o que mais te chamou a atenção foi o seu rosto, que estampava uma expressão livre de qualquer sentimento ou emoção.
— Dante?!