A Rosa Fantasma - Capítulo 1
02
Apesar da Lua cheia estar iluminando o Céu, a Terra estava imersa na mais profunda escuridão. As correntes de vento soavam como um canto fúnebre acompanhado pela melodia de passos que esmagavam as folhas secas, espalhando o medo e a agonia pela gigantesca floresta que devia estar desabitada.
∎∎∎∎ se apoiou no tronco de uma árvore. Lágrimas corriam sem cessar pelo seu rosto, seus membros estavam pesados feito concreto, sua mente perdida em um labirinto escuro de onde não conseguia escapar.
— Tudo isso não deve passar de uma grande piada de mau gosto. Não consigo acreditar que ele tenha mentido para mim durante todo esse tempo. — ∎∎∎∎ puxou os próprios cabelos com violência. — Aquele desgraçado não merece a minha compaixão, nunca mereceu! Espero que Deus o faça pagar por todos os seus pecados! Não… Eu o farei pagar…
Nesse momento, passos desconhecidos ecoaram. Uma risada sarcástica fez o coração de ∎∎∎∎ saltar para a garganta.
— Quem está aí?!
— Olha só o que encontrei, he, he. Um carneirinho perdido. — Uma mulher saiu de trás do tronco de uma árvore e caminhou rumo à ∎∎∎∎ com um olhar entretido no rosto. — Ei? Você me venderia a sua humanidade em troca de um desejo?
Ela aparentava ter no máximo dezenove anos de idade, possuía longos cabelos pretos e vestia uma blusa igualmente escura, sem alças. Sua longa saia cinza não tocava o chão por pouco. Já a feição dela era um completo mistério, exibindo aquele sorriso assustador que simplesmente não combinava com o seu rosto de boneca.
Ao erguer o seu braço esquerdo, pequenos fragmentos de luz com a aparência de vaga-lumes se uniram e, feito mágica, viraram uma longa capa vermelha com capuz. Essa simples vestimenta parecia reluzir mesmo na escuridão da noite.
— A sua fúria, angústia e medos me atraíram até aqui. Eu escutei os seus desejos e planejo realizá-los. Você não quer um final feliz? Uma família? Você não deseja… vingança?
No momento em que a mulher de cabelos escuros deu seu próximo passo, outros milhares de vaga-lumes cercaram as suas pernas e fizeram com que ela deslizasse graciosamente pelo ar.
Aos olhos de ∎∎∎∎, a recém-chegada era como um anjo negro que agora se encontrava a apenas um passo de distância.
— Eu posso dar a você um poder capaz de reconstruir esse planeta amaldiçoado por humanos ingratos, corruptos, assassinos. Ou, se assim desejar, pode utilizar essa mesma força para queimar tudo no fogo do Inferno.
— Quem é você…? — A voz de ∎∎∎∎ finalmente escapou em um sussurro áspero.
— Eu? Sou apenas uma simples comerciante.
— Para que eu possa conseguir esse poder, o que você pede em troca?
— As mesmas coisas que todos os vendedores pedem, obviamente. A sua alma e um pouco de entretenimento para aliviar o meu tédio.
∎∎∎∎ enxugou o que restava das suas lágrimas. No seu rosto, uma feição sombria foi revelada pela luz da Lua.
— Eu desejo roubar aquilo que ele mais ama. Expor as suas mentiras e fazê-lo se arrepender amargamente por tudo que fez comigo. Você pode tornar os meus pedidos realidade?
Mostrando um sorriso malicioso, a mulher de cabelos pretos tocou o rosto de ∎∎∎∎ carinhosamente e prendeu uma de suas mãos contra o tronco de uma árvore. Em seguida, calou qualquer grito ou sussurro com um beijo, longo e profundo.
∎∎∎∎ sentia como se fosse explodir de dentro pra fora, mas não conseguia escapar, não queria escapar. Seus desejos eram mais fortes que a dor agonizante.
∎∎∎∎ não ligava para quem fosse aquela pessoa, pois tinha na sua mente apenas uma palavra ecoando, de novo e de novo feito um hino sem fim.
Vingança… Vingança… Vingança…
Após os lábios se separarem, a mulher misteriosa deu um gemido extasiado como se tivesse acabado de experimentar o mais requintado dos aperitivos.
— Então, qual é a sua resposta?
— Eu… aceito.
No segundo seguinte, barulhos de passos vindos de todos os cantos da floresta tornaram a ecoar. Dezenas de olhos amarelados brilhavam no matagal em meio às sombras que se aproximavam lentamente. Eram várias onças-pintadas que formavam um círculo em torno dos humanos.
— O que está acontecendo?!
Os animais abaixaram seus focinhos como se estivessem prestando reverência.
— Eles são os frutos das suas orações. Você é capaz de controlá-los como desejar. — A mulher de cabelos escuros lambeu os lábios e levantou sua mão esquerda, oferecendo o capuz vermelho. — Em alguns dias, um casal de soldados aparecerá. Use isto e mantenha o seu rosto escondido, pois se descobrirem quem você é, o seu fim chegará e o seu sonho nunca se tornará realidade.
∎∎∎∎ tremeu em resposta.
— Quem são essas pessoas…?
— Os Guardiões do Paraíso.
Primeiramente, a mulher misteriosa tocou os lábios de ∎∎∎∎ com seu dedo indicador e sorriu. Depois, deu meia-volta e retornou para as profundezas da floresta. Os vaga-lumes que a seguiam aumentavam ainda mais a sua beleza assustadora.
— Só me faça um favor. Estou à procura de diversão, por isso, mantenha-me entretida pelo maior tempo que você puder, tudo bem?
Ela piscou e, enquanto cantarolava uma melodia animada, desapareceu entre as árvores.
∎∎∎∎ voltou seus olhos para o Céu e deu um sorriso torto. Foi então que…
— Aaa… Aah…! Ah!!
Caiu de joelhos, sentindo dificuldades para respirar. O interior do seu corpo começou a queimar como se ácido estivesse corroendo os seus órgãos. Os ossos dos seus braços dobraram violentamente e, consequentemente, quebraram. As suas mãos ficaram deformadas, o seu pescoço torceu de uma forma nojenta e grotesca.
∎∎∎∎ não podia mais ser chamado de “humano”.
Já as onças acompanharam toda essa cena como se fossem adestradas, deitadas sobre a folhagem e galhos secos enquanto ganiam para a Lua cheia que brilhava intensamente.