A Rosa Fantasma - Capítulo 11
Ellen desviou das garras que avançaram rumo ao seu pescoço com um passo de dança. Depois, sem dar chance para uma segunda investida, ela girou o seu chicote e o arremessou contra o rosto do mutante. Um golpe tão violento que o fez cambalear para o lado.
— E ainda tem mais!
Enrolou a corda no pescoço dele e o puxou com força, derrubando-o sobre um amontoado de caixas.
— Grooooaaw!!
Furioso, o monstro levantou com um pulo e avançou novamente, lançando um golpe que visava a cabeça da legior. Só que, novamente, a garota desviou com facilidade, deixando que as garras cortassem apenas o ar.
— Minha vez!
A soldado deu três passos rápidos para o lado, arremessou o chicote, enrolando-o na perna mutante, e o derrubou pela segunda vez. Só que agora, ele acabou batendo a cabeça com força no chão e não levantou mais.
— Acabou…?
Ellen deu um suspiro de alívio e encarou o sangue que encharcou a luva da sua mão esquerda ao ponto de respingar no chão. Sangue que não provinha dos ferimentos que ela mesma tinha infringido algum tempo atrás, e sim de um novo corte ainda mais profundo escondido debaixo do pano.
Apesar da gravidade, não doía nem um pouco.
— Aparentemente, a minha mensagem foi recebida. — Caminhou do centro da sala até uma das extremidades. — Agora, é torcer para funcionar.
De repente, a parte do teto onde estavam o círculo e os símbolos começou a derreter e cair na forma de uma cachoeira de magma fervente. Um líquido que, curiosamente, esfriava e endurecia imediatamente assim que tocava o piso da sala.
— Olá?! — Uma voz masculina ecoou. — Tem alguém aí em baixo?
Quando a última gota caiu, Ellen retornou para o centro da sala e olhou para cima. Onde antes estava o círculo mágico, havia agora um poço com cerca de quatro metros de altura e dois de largura. Owen sorria no topo.
— Quem é viva sempre aparece. — Fez uma careta. — Minha nossa, quanta sujeira. Você estava brincando em alguma poça de lama, por acaso?
A garota de cabelos brancos pegou a primeira pedra que encontrou e a arremessou com toda a sua força no rumo do seu parceiro que, por pouco, não foi atingido bem no meio da cara.
— Mas que diabos?! Está tentando me matar?!
— Por que demorou tanto, idiota?!
— Isso é modo de falar com a pessoa que derramou o próprio sangue só pra te salvar?!
— Hã?! Eu já estaria morta há séculos se dependesse de você pra salvar a minha vida!
Nesse momento, a cabeça de Aria também apareceu no topo da fissura.
— Meu Deus… Ela estava mesmo debaixo da terra…
— Ah… Agora tudo faz sentido. — Ellen deu uma risada maligna. — Eu dou as costas por alguns minutos e você já sai correndo atrás de um bordel!
Apanhou outra pedra, ainda maior que a primeira.
— Ei, ei, ei! Calma aí! Eu não estava em nenhum bordel! Na verdade, estive procurando por você durante todo esse tempo!
— Tô sabendo! Enquanto eu era sequestrada e, depois, perseguida por um chupa-cabra, você estava fazendo turismo pela cidade com esta… prostituta!
— Hãn…? — Aria deu um sorriso torto. — Prostituta…?
— Chupa-cabra…? — Owen perguntou com a mesma expressão. — Que tal parar de falar besteiras e deixar eu te ajudar?!
— Ajuda? Não quero mais.
— É o quê?!
— Não preciso mais da sua ajuda! Pode voltar para o seu namorozinho! Sempre soube que você tinha fetiche por cabelos cor de urina e peitos de vaca! Vão pombinhos, saiam da minha frente! Voem e procriem como os ratos de asas que vocês são!
— Que droga, Ellen! Você tem dez anos, por acaso?!
— O que é isso? Ouço palavras cujos significados não entendo… É uma pena eu ter faltado àquelas aulas de “como se comunicar com um jegue”!
— Ah, fala sério… Estou profundamente arrependido de ter aberto este buraco. Posso fechá-lo novamente e ir embora?
— Hahahahah! — A risada despreocupada de Aria deu um fim a discussão.
Desde que conheceu Owen, em nenhum momento, passou pela mente da loira a possibilidade de vê-lo batendo boca com outra pessoa igual uma criança birrenta.
Era óbvia a forte ligação que aqueles dois compartilhavam. De que outra forma conseguiriam se encontrar nessa condição, trocando o mínimo de palavras? Literalmente, adivinhando o pensamento um do outro?
— Você não tem apenas um lugar especial, não é? Você também tem uma família.
Aria sorriu gentilmente para Owen.
— Do que está rindo, oxigenada esquisita?
— Vocês formam um lindo casal, sabia?
— Como é?! — Franziu o cenho. — Tem noção da merda que acabou de falar, loira diabólica?
— Diabólica? — Aria começou a rir novamente, mas sua alegria foi logo substituída por pânico absoluto. — Ei, cuidado!
Atordoada, Ellen voltou seus olhos para o local onde o monstro deveria estar desacordado, porém, o encontrou de pé, a poucos passos de distância, correndo na sua direção.
— Por que você não desiste?! Parece aqueles caras chatos que não aceitam uma rejeição!
Em uma jogada de mão, a soldado girou o chicote e o arremessou, enrolando o braço direito da criatura. Entretanto, como se já estivesse esperando por isso, ele cravou as garras dos seus pés no piso para não ser derrubado. Depois, usou a sua mão esquerda para agarrar a corda e a puxou.
Ellen voou cerca de dois metros e colidiu violentamente contra uma parede.
O monstro que parecia ter recuperado um pouco da sua racionalidade, jogou o chicote fora e, feito um tigre, correu em disparada.
— Arg… Isso doeu…
Quando a garota de cabelos brancos conseguiu se levantar, o mutante já tinha se aproximado o suficiente para lançar um novo ataque. E como não pôde reagir a tempo, ela acabou sendo atingida por um tapa no tórax e rolou pelo chão até ser parada por uma torre de caixas.
Ellen retirou alguns dos objetos que tinham caído sobre si e ficou de joelhos, sentindo dificuldades para respirar. O corpo dela estava coberto por poeira.
— Ah… Uah…!
Parado a poucos passos de distância, o mutante sorria como se estivesse consciente da impotência da sua preza.
— Precisamos descer e ajudá-la! — Aria gritou, desesperada. — Aquilo pode acabar matando-a!
Ao seu lado, Owen tinha uma feição trêmula no rosto como se estivesse passando mal.
— Vai ficar tudo bem. Na verdade, você deveria estar mais preocupada com o que vai acontecer com aquela coisa. — Forçou um sorriso para acalmar a loira. — Ellen, se não levantar agora mesmo, nunca realizará o seu sonho de pesar 140 quilos e ser a solteirona mais patética de toda a Aliança Sul-americana!!
No subsolo, a jovem de cabelos brancos deu uma risada fraca.
— Owen, seu maldito, vai se preparando, pois no instante em que eu sair daqui, com certeza, te deixarei agonizando no chão.
Levantou-se lentamente e abriu os braços, desafiando a criatura novamente. Na superfície, seu parceiro alargou o sorriso.
— É assim que se faz, bruxa! Agora, acaba com isso!
— Ei, monstro fedido! Consegue me explicar o que se passa na cabeça da pessoa que criou você? Seria o desejo de gerar um humano melhorado ou a simples vontade de ficar mais forte? Será que, após criar o ser perfeito, essa pessoa pretende se tornar alguém evoluído também? Um deus?
— Groooaaaaa!!
— Desculpa. Não entendi nadinha. — Ellen assumiu uma postura defensiva. — Vamos finalizar esse jogo de gato e rato para que eu possa ir atrás do cérebro por trás de você, tá bom?
A criatura lançou suas garras na tentativa de perfurar o abdômen de Ellen que, para não ser atingida, deslizou de joelhos, passando por baixo do braço do mutante. Em seguida, ela deu um soco desajeitado no peito dele, e, ao notar que não seria o suficiente para fazê-lo cair, afundou o seu pé esquerdo no joelho do monstro, torcendo-o.
— Caia de uma vez!
Começou a socar o rosto do mutante repetidamente, só parando por culpa da fadiga.
A coloração do líquido que escorria pela face do mutante estava mais para preto do que vermelho, provando que até mesmo o interior dele estava podre.
Ellen ameaçou avançar novamente, mas parou assim que sentiu um ardor nos seus joelhos. Ao deslizar pelo cascalho, o vestido dela acabou rasgando, não oferecendo a proteção necessária para a sua pele.
— Se continuar nesse ritmo, acabarei nocauteada antes desta coisa. — No outro lado do salão, o mutante se levantava sem nenhuma dificuldade. — Sério que não sentiu nem cócegas?
A legior respirou fundo e abriu os braços como se fosse uma toureira numa arena, provocando o touro para fazê-lo avançar.
— Você sabia que o meu toque tem um poder corrosivo mais forte que qualquer ácido já criado? Com apenas um dedo, consigo transformar aço em líquido fervente. Agora, imagina só o que posso fazer com carne humana? — Sorriu e retirou a luva esquerda. — Já deixo avisado que não tenho nenhum controle sobre esse poder. Por isso, costumo esconder as minhas mãos.
Sem dar ouvidos, a criatura correu em disparada.
— Grooooaaaaaa!!
Assim que as garras ficaram a centímetros do rosto de Ellen, ela agachou, desviando do ataque. Em seguida, tocou o abdômen do seu inimigo com o dedo indicador da sua mão desnuda. Foi apenas por um segundo, mas o suficiente para rasgar a carne dele como se tivesse usado um machado afiado.
O mutante deu um grito de agonia, sangue podre caiu em grande quantidade abaixo de si. No entanto, ele se negou a cair.
— Só pode ser uma brincadeira de mau gosto. Por que você não desiste?!
A resistência e recuperação do monstro eram aspectos formidáveis, principalmente, por se tratar de um corpo moribundo. A legior se perguntou o quão perigosa essa criatura seria se o seu corpo estivesse saudável e em boa forma.
— Com certeza, vou me arrepender disso no futuro, mas que outra opção eu tenho? OOOWEEEN, TE CONCEDO A PERMISSÃO PARA ME SALVAR!
Correu em disparada pela sala até encontrar o seu sensório. Assim que o pegou, retornou ao centro do local.
— Bruxa, o que diabos é aquilo?!
— Corta o papo furado e me tira daqui!
— Seu chicote! Use-o!
Ellen apertou um dos botões do sensório, retirando ainda mais corda. Depois, o girou acima da própria cabeça por poucos segundos para pegar velocidade e, em seguida, o lançou rumo à superfície. Owen segurou a ponta do chicote e o enrolou em seu braço direito. Aria também segurou um pedaço da corda, e, juntos, começaram a puxar Ellen.
Assim que estava suspensa a quase dois metros de altura, a garota de cabelos brancos falou:
— Não é querendo apressar, mas o chupa-cabra está chegando!
O mutante trotou cambaleante até o centro da sala e deu um grande salto, segurando o calcanhar esquerdo da garota de cabelos brancos. Os dois na superfície quase foram arrastados para dentro da fenda por causa do peso excessivo.
— Você precisa… emagrecer… urgentemente!
— Não é hora pra piadas!
Ellen chutou o rosto do monstro uma, duas, três vezes. Na quarta, a sapatilha do seu pé direito escapou e caiu de volta ao subsolo.
— Não! Esse era o meu calçado favorito! Maldição!
Continuou acertando o mutante com o seu pé descalço até finalmente se libertar. No entanto, para evitar a queda, ele cravou as garras na lateral do poço e, vagarosamente, começou a escalar.
— Ellen, não vamos conseguir te puxar até o topo antes daquilo te alcançar novamente! Você precisa pular!
— Tudo bem!
A garota apoiou os pés contra a parede do buraco e pegou impulso até a parede oposta, utilizando-a como suporte para saltar.
O jovem de cabelos pretos soltou a corda — que caiu na masmorra —, agarrou a mão esquerda da sua parceira e a puxou para a superfície.
— Ah, não… Dessa vez, com certeza, vão me esfolar viva. É o terceiro sensório que perco só nesse mês…
A criatura furiosa gritou, e, imitando os movimentos da legior, saltou, utilizando a parede como apoio. Um piscar de olhos depois, pousou no lado de fora.
— Mas que tipo de demônio está possuindo esta coisa?! — Owen gritou. — Fujam!
Os três começaram a correr na direção da residência de Guilherme, porém, o mutante facilmente tomou a dianteira, forçando-os a darem meia-volta e entrarem em um grande matagal.
Eles corriam o máximo que seus corpos permitiam, mas o mato na altura da cintura e o terreno irregular os atrasavam, facilitando o cerco da criatura. Sempre que Ellen pisava em uma pedra com seu pé descalço, gritos e xingamentos escapavam pela sua boca.
— Não vamos conseguir! — Aria gritou em completo desespero. — Ele é muito rápido!
— Apenas continuem correndo! — Owen parou abruptamente e, em um piscar de olhos, sacou o sensório e expandiu a lâmina completamente. — Pode vir, sua coisa nojenta!
O mutante, em alta velocidade, não conseguiu parar a tempo e acabou sendo acertado no rosto pelo lado sem corte da lâmina da espada, caindo feito uma pedra logo em seguida.
Imediatamente, o soldado deu as costas e tornou a correr pelo matagal atrás das garotas, torcendo para ter derrotado o chupa-cabra com esse único golpe.
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— Bruxa… Ha… Ha… Você poderia fazer a gentileza de explicar o que era aquilo…?
— Lá embaixo… existia uma espécie de laboratório… Ha… Aquela coisa… é o resultado de algum tipo de experimento em humanos…
Ellen, Aria e Owen estavam sentados atrás do largo tronco de uma árvore caída.
— Aquilo era uma pessoa?! — A loira perguntou.
— Sim… Haviam vários outros, mas acho que apenas aquele estava vivo.
— Talvez, essa seja a explicação para o enorme mural de pessoas que desapareceram recentemente…
— Uaa… Primeiro, alguém com a capacidade de controlar animais selvagens. Agora, um metamorfo endemoniado que consegue abrir um buraco na parede usando apenas as mãos. A situação está fora de controle.
Nesse momento, Aria fitou a garota de cabelos brancos e notou os joelhos feridos dela. Entretanto, antes que tivesse a chance de oferecer ajuda, aqueles ferimentos pararam de sangrar e, poucos segundos depois, já se encontravam em processo de cicatrização.
— Lembro de ter visto o seu rosto em alguns retratos no casarão de Marcos Arthmael. Você é a filha dele? — Ellen questionou com uma sobrancelha levantada, tirando a loira do seu momento de devaneio. — Se importaria de me responder algumas perguntas sobre a sua empregada?
Quando Aria abriu a boca para questionar, o barulho de mato sendo remexido fez todos se calarem e prenderem a respiração. Só que mesmo assim, bastaram apenas cinco segundos para serem encontrados pelo mutante que saltou o tronco da árvore e aterrissou bem na frente deles.
— Ninguém… move… um músculo. — Owen sussurrou.
— Você acredita mesmo que essa estratégia vai funcionar…? — Sua parceira perguntou.
— Dá pra ficar calada…?
— Cala a boca você…
— Não mande eu calar a boca, bruxa…
— Por favor, os dois poderiam fazer silêncio…? — Aria interferiu.
Pela primeira vez, o monstro ficou ereto, assumindo uma postura humana. Ellen já tinha notado que à medida que o tempo passava, mais consciente a criatura ficava.
Ele abriu a boca, mas ao invés de um grito, palavras escaparam em um tom gutural.
— Eu vou machucar vocês!! Furar vocês!! Rasgar vocês!! Quebrá-los e desmontá-los!! O homem de olhos violentos grita na minha cabeça para que eu mate todos vocês!!
O mutante avançou dois passos e ergueu a mão direita. Esse único ataque acertaria suas três presas ao mesmo tempo. No entanto, estranhamente, suas garras pararam pouco antes de acertar a primeira pessoa da fileira, Aria.
— Ué…? Ainda estamos… vivos…? — Ellen questionou.
O monstro abaixou o braço, grunhiu irritado e, lentamente, começou a recuar, desaparecendo no meio do matagal.
— Isso não faz sentido… Por quê…? — Owen voltou seus olhos para a loira que parecia estar tão confusa quanto ele. — Aquilo parou após notar que machucaria você…
— Acho que aquele bicho feio também tem uma tara por mulheres com cara de vadia.
— Educação, bruxa! Dá pra usar de vez em quando?!
A garota de cabelos brancos deu de ombros e encarou as suas mãos trêmulas, acolhendo o medo que estava sentindo como algo reconfortante e especial. Um sinal de que ainda estava viva.
Ela respirou fundo e ficou de pé.
— Levantem! Não temos tempo pra ficar vadiando. Precisamos voltar imediatamente para a cidade, comprar um vestido novo, um par de sandálias bem caras e, então, termos uma conversinha com a nossa querida chapeuzinho.
Ellen sorria enquanto Owen e Aria ainda mantinham os olhos vidrados no local onde o mutante tinha desaparecido, esperando que ele mudasse de ideia e retornasse para atacá-los novamente.