A Rosa Fantasma - Capítulo 13
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▸18h34min — Túneis Subterrâneos◂
Fios d’agua minavam das paredes e à medida que se uniam no chão, formavam pequenos córregos que escorriam pelas laterais dos corredores. A escuridão misteriosa e o silêncio profundo eram os responsáveis por aquele angustiante e incômodo frio na barriga.
Oito guardas fardados tinham descido até os túneis subterrâneos com o objetivo de investigar e resgatar os corpos dos cidadãos desaparecidos. Com o auxílio de lamparinas, eles seguiram cautelosamente até chegarem no grande e apodrecido laboratório.
Dentre todos os sentimentos, a perplexidade era a mais explícita nos olhos de cada um deles, afinal de contas, estavam presenciando algo inimaginável que esteve escondido por muito tempo bem debaixo dos seus narizes.
— Tudo isso é… incrível, não?
— Até demais pro meu gosto. Todas essas salas e túneis são muito bem planejadas para terem sido construídas apenas pela natureza.
— O que você está insinuando?
— Ora, não é obvio? Estou falando de vampiros!
— Vampiros…? Acho que a falta de ar puro já está começando a afetar o seu cérebro…
— Ei, estou falando sério! Eles existem de verdade! São imortais e incrivelmente fortes! O que mais poderia explicar a existência de um lugar assim?!
Todos os outros começaram a gargalhar em coro.
— Façam silêncio! — O líder deles interrompeu. — Aquela legior disse que em algum lugar deste salão está a passagem que nos levará até o cômodo onde se encontram os desaparecidos. Procurem-na.
Não demorou muito até um deles encontrar a fissura que foi rapidamente ampliada com o auxílio de uma marreta. Depois, em fileira, eles entraram.
Nessa sala secreta, ampla e retangular, haviam dezenas de correntes pendendo do teto baixo.
— Não há nenhum corpo. — O líder examinou os seus arredores e encontrou fragmentos de pele e carne. — Pelo menos, não agora.
— Ei, vocês acreditariam se eu dissesse que os cadáveres, muito provavelmente, saíram andando?
Algumas pegadas de sangue rumavam até o buraco na parede por onde eles entraram.
— Mas para onde todos foram…?
De repente, o barulho seco de uma arma sendo engatilhada ecoou. Assustados, todos se voltaram na direção do recém-chegado cujos passos sequer foram ouvidos.
— Ora, ora… Parece que os ratos encontraram o queijo. Só que, infelizmente, ficaram presos na ratoeira. — Deu de ombros. — Bem, essa é a recompensa que pragas enxeridas ganham por mexerem nas coisas dos outros.
Ele usava jaleco, calças e luvas que, provavelmente, já foram brancas algum dia. Seus olhos semicerrados, marcados por olheiras grossas e escuras, fitavam os guardas com grande indiferença e superioridade.
Ao reconhecerem o homem armado, um clima de espanto e pavor se espalhou pela sala.
— Marcos Arthmael?! O que está fazendo aqui?!
Incrédulo, o líder dos guardas ameaçou dar um passo à frente, porém, foi obrigado a recuar no instante em que a Winchester 1873 nas mãos do governador foi apontada na sua direção.
— Ah, meu caro. Sou eu quem deveria estar fazendo essa pergunta. Por que não continuaram lá em cima, tremendo de medo num cantinho? Terem visto tudo isso me tira qualquer alternativa, sabe? Vocês e aqueles dois acabaram se tornando uma grande dor de cabeça. — Engatilhou a arma. — Bem, confesso que boa parte da culpa foi minha. Ter enviado aquela carta não foi uma das minhas melhores ideias. Mas em minha defesa, em nenhum momento, passou pela minha cabeça que aqueles arrogantes da Legião realmente viriam.
Simultaneamente, todos os presentes começaram a lançar uma enxurrada de perguntas.
— O que isso significa?!
— Você que está por trás dos ataques aos comboios de alimentos?!
— A pessoa que controla as onças trabalha pra você?!
— Você é o responsável por toda a desgraça que tem acontecido ultimamente?!
— Maldito seja! Como ousa fazer isso com o seu próprio povo?! — O chefe dos guardas levou a mão esquerda até a bainha da sua espada. — Você devia estar lutando por nós, e não nos usando como objetos de tortura!
— São realmente muitas perguntas. — Marcos balançou a arma e suspirou exasperadamente. — Como podem me julgar sem sequer saberem o que está acontecendo de verdade? Sem ao menos tentarem enxergar as coisas do meu ponto de vista? Vocês podem pensar que estou destruindo Jothenville, só que, na verdade, estou reconstruindo-a, tornando-a mais forte, mais… superior.
— Seu ponto de vista?! Muito em breve, todos nós teremos morrido de fome! O que mais há para enxergar além disso?!
— Não chegaremos a esse ponto, isso eu posso garantir. Em pouco tempo, os portões serão reabertos e todos estarão livres novamente. Esse breve período de sofrimento é apenas um passo necessário para o surgimento de uma nova era.
— Você está prestes a cometer genocídio!
— Tem certeza de que está me escutando? — Revirou os olhos. — Acho que é inútil continuar dialogando com alguém sem visão feito você. Vamos terminar com isso de uma vez por todas, tá? Há muito trabalho a ser feito e pouco tempo restando.
— Desgraçado! Farei com que pague por tudo que tem feito com a gente!
O líder dos guardas, cego pela raiva, sacou a sua espada e correu na direção do governador. No entanto, ele não esperava que o seu oponente sequer hesitaria antes de apertar o gatilho, mandando uma bala bem no meio do seu peito.
Quando aquele corpo desabou feito uma pedra, houve um breve instante de silêncio antes de gritos desesperados cortarem o ar. Todos os subordinados do homem baleado sacaram as suas espadas e avançaram.
Imediatamente, Marcos tornou a atirar com a agilidade de um caçador bem treinado. Um após o outro, homens caíram, retorcendo-se e agonizando de dor, sendo atingidos principalmente nas pernas. Ainda assim, quatro deles conseguiram se aproximar o suficiente para buscar a cabeça do governador com suas lâminas. Só que antes de conseguirem, um sussurro feminino ecoou.
— Avancem.
Duas grandes onças-pintadas surgiram da escuridão e, em alta velocidade, saltaram sobre os últimos guardas que permaneciam de pé.
O primeiro animal cravou as presas no pescoço de um deles, mastigou-o por alguns segundos e, depois, partiu para cima do próximo, rasgando o peito dele com suas garras afiadas.
A segunda onça fez o mesmo com os outros dois que restavam, sujando o seu focinho e patas com o sangue que jorrava aos esguichos.
— Agora, parem.
Imediatamente, os animais largaram as suas presas e recuaram, obedecendo a pessoa de máscara e manto que entrou na sala e parou ao lado de Marcos.
— Sei que estou pedindo muito, mas preciso que dê um fim nos legior’s. — O governador falou. — Não podemos deixar que eles continuem interferindo no nosso objetivo.
A pessoa de capuz abaixou o rosto, sentindo o seu estômago revirar por culpa do odor forte de sangue e putrefação que impregnava o ar.
— Isso é… realmente necessário…?
— Nós dois já fomos longe demais para voltar atrás. Só nos resta dar o próximo passo ou acabarmos abatidos pelos caçadores que nos perseguem. Sabe disso, não é?
— Sim, eu sei.
Mesmo hesitando, a pessoa de capuz vermelho deu as costas e foi embora com suas duas onças de estimação.
— Agora, se me permitem, acabarei com o sofrimento de vocês. — Marcos sorriu para aqueles que gemiam e se retorciam no chão. — Posso não ser a pessoa mais sentimental do mundo, mas, também, não sou um apoiador da crueldade desnecessária.
— N-não… Na… Não!
Nesse momento, um dos guardas cujo pescoço foi mutilado por uma onça, levantou sofridamente e ergueu a sua espada.
— Por que você não continuou deitado, amigo? Precisa mesmo deixar tudo ainda mais complicado?
— N-não… chegue… per-perto!
Mesmo surpreso com tamanha força de vontade, o governador não pensou duas vezes antes de pressionar o gatilho do rifle com força. Entretanto, dessa vez, apenas um clique seco ecoou.
— Ah, qual é? — Marcos suspirou exasperadamente. — Receio que hoje não seja o meu dia de sorte. Está tudo dando errado.
— Mo… rra… M-mo… rra…
Movido por uma fagulha de esperança, o guarda avançou vagarosamente. Quanto mais ele se aproximava, mais cativado o governador ficava diante dessa demonstração de determinação.
— Estou com a impressão de que você vai ser um ótimo comandante.
Largou o rifle e sacou a espada velha que estava presa na sua cintura. Depois, pressionou um botão no punho, fazendo surgir várias pontas serrilhadas na lâmina.
Esse equipamento era, sem sombra de dúvidas, uma versão ultrapassada do sensório utilizado pelos soldados da Legião de Mahyra.
— Não tenha medo. — Desarmou o guarda moribundo com um único golpe. — Tanto você quanto os seus companheiros são mais úteis vivos… Ou quase isso.
O governador girou a espada e o rasgou do pescoço ao estômago, fazendo sangue jorrar sobre o seu jaleco. Em seguida, decepou a mão esquerda dele.
A cada grito desesperador que ecoava, uma risada escapava pelos lábios de Marcos.
— Muito bom! Continue assim! Aguente firme!
Estava guardando na memória cada reação, cada expressão de agonia que a sua vítima mostrava, aprendendo da forma mais monstruosa possível o funcionamento dos sentidos humanos.
Como um bom cientista, Marcos Arthmael amava o conhecimento.
— Chegou a hora de renascerem, meus amigos. Vocês conhecerão em primeira mão o significado da palavra “evolução”.
Deixou aquela sala fétida e foi até a grande mesa na biblioteca. Lá, abriu uma pequena caixa de madeira e fitou as várias seringas cheias de um líquido carmesim.
— Muito bem, vamos começar?
A partir desse momento, os sons de terror, medo e sofrimento que vagavam pelo subterrâneo, começaram a ser silenciados um após o outro.