A Rosa Fantasma - Capítulo 16
- Início
- A Rosa Fantasma
- Capítulo 16 - O paradoxo dos pássaros que tentavam alcançar o Sol (2)
— Meu nome é Sofia Lima e a envergonhada aqui é a minha irmã mais velha, Bianca. Temos outros dois irmãos que também ajudam nos afazeres da pensão.
Um sorriso iluminado tomou o rosto da criança ruiva assim que o suculento pedaço de carne tocou a sua língua.
— Ei, você é realmente filha da dona deste estabelecimento? — Explicitamente curiosa, Ellen direcionou essa pergunta para Bianca.
— Não sou filha de sangue. Na verdade, eu fui adotada.
— Ah, sim. Isso explica a falta de semelhança. Você não é nada parecida com a baixinha aí.
— Ei, idiota nudista, não fale com a minha irmã usando esse tom!
— Quem você está chamando de nudista?!
— Prefere ser chamada de moradora de rua?
Sofia apontou para o vestido sujo e surrado que Ellen foi obrigada a reutilizar por não ter trazido outro.
— Eu planejava comprar roupas novinhas, tá?! Mas aconteceram tantas coisas que não tive tempo!
A criança apenas deu de ombros, ignorando as explicações da mulher de cabelos brancos e dando início a mais uma rodada de discussão.
Esse pequeno grupo de pessoas com várias panelas ao redor tinha transformado aquele ambiente frio em algo alegre e descontraído. Uma situação bastante incomum considerando o momento de crise que Jothenville estava passando.
— Você sempre soube que era adotada? — Owen perguntou para Bianca.
— Sim. Meus pais nunca esconderam esse fato de mim.
— Não tem vontade de conhecer a sua família de sangue?
— Hum… Confesso que já tive a curiosidade de saber quem eles são, mas nunca a necessidade de procurá-los. Eu tenho uma vida boa aqui. Minha família atual me ama de verdade, e isso é o suficiente para mim.
— Entendo. Seu pai também gerencia esta pousada?
— Não, não. Ele é um dos guardas de Jothenville. Hoje, está de serviço.
A conversa dos dois foi subitamente interrompida pelo som de uma panela sendo fechada com certa violência.
— Primeiro, aquela loira peituda, e, agora, já está em cima da morena. Você realmente não segue um padrão, não é, porco miserável? — Ellen falava com um sorriso trêmulo no rosto. — Todo esse interrogatório é para pedi-la em casamento, por acaso?
— Senhor, saiba que para conseguir a mão da minha maninha, antes precisará da minha autorização. — Sofia complementou apontando para si mesma. — Apesar de eu não ter intenções de entregá-la mesmo que implore de joelhos. Ela pertence a mim e a mais ninguém!
— Hoho… Não me diga que você tem um complexo pela sua irmã, gnomo de jardim?
Ellen tinha a intenção de envergonhar Sofia, porém, a resposta da ruiva foi a oposta do esperado.
— E como não teria?! A minha irmã é muito, muito linda! Olhe só para este rosto esculpido por anjos, bonito e delicado. Toda essa timidez hipnotizante e um sorriso fascinante. E o que dizer deste corpo perfeito? Todas as curvas nos seus devidos lugares, peitos, cintura, nádegas… Fora o seu incrível talento na cozinha! — Apontou para as panelas vazias. — Todas as manhãs, eu agradeço por ela ser a minha irmã!
Owen e Ellen ficaram boquiabertos. O rosto de Bianca parecia estar prestes a explodir de tão vermelho que estava.
— Sofia… Só fique quieta, por favor…
A criança começou a rir, e essa risada se tornou um hino quando foi acompanhada pelas gargalhadas dos soldados.
Nesse momento, alguém bateu na porta. Owen levantou e a abriu, revelando um pequeno garoto de cabelos avermelhados. Obviamente, um dos irmãos Lima.
— Com licença. — Curvou-se em reverência. — Irmãs, a mamãe precisa de vocês lá embaixo.
Imediatamente, Bianca se levantou.
— Sr. Owen e Srta. Ellen, agradecemos imensamente pela refeição. Vamos, Sofia?
— Já estava na hora. Não aguentava mais ficar segurando vela.
Ellen devolveu apenas um sorriso trêmulo e raivoso para a criança ruiva, dando o seu máximo para não explodir novamente.
— Vá pela sombra, tá?
As louças foram juntadas rapidamente e as irmãs deixaram o quarto.
∎∎∎
Para qualquer um que observasse de longe, essa situação parecia ser bastante desconfortável. Todas as luzes estavam apagadas, prevalecendo apenas a claridade que vinha do lado de fora. As duas pessoas presentes naquele cômodo estavam em cantos opostos, perdidas em seus próprios pensamentos, envoltas num silêncio pesado.
Mesmo estando sempre juntos, Ellen e Owen eram pessoas solitárias por natureza. Apesar de se conhecerem perfeitamente, existia alguma coisa que os afastavam. Algo que não era trivial ao ponto de poder ser explicado com gestos ou palavras. A ligação indestrutível que unia os seus corpos era, ao mesmo tempo, a maldição que distanciava seus corações.
A garota de cabelos claros estava deitada sobre a cama, ouvindo o som do vento raivoso que fazia a grande janela de vidro do apartamento tremular. Já o seu parceiro, permanecia sentado sobre o colchonete, apoiando as costas contra uma parede, fitando o vazio.
— Qual será o nosso próximo passo? — Ellen sussurrou com um tom monótono, quebrando o silêncio que já durava uma hora.
— Caso Marcos tenha conseguido enviar o pedido para a entrega de suprimentos, amanhã de manhã, o comboio deve estar se aproximando de Jothenville. A nossa missão será escoltá-lo para que os alimentos possam chegar em segurança nas mãos da população.
— Qualquer um que tenta sair da cidade é impedido pelas onças-pintadas. Esse é principal motivo para todas essas pessoas não conseguirem fugir, lembra? Seremos apenas nós dois contra… Sei lá, dezenas de animais selvagens? Não concorda que estamos prestes a entrar em uma missão suicida?
— Você está certa. Essa ideia já seria arriscada demais mesmo que tivéssemos à disposição os nossos esquadrões completos. — Fechou os olhos e meditou durante alguns segundos. — Ellen, você não está achando essa história estranha?
— Qual parte dela, exatamente?
— A contradição. Todos os comboios enviados para Jothenville são atacados. Todas as pessoas que tentam fugir são encurraladas. Eu estava me perguntando. Por que as onças não nos atacaram quando nos aproximamos da cidade?
Ellen sentou sobre a cama e se espreguiçou.
— Hum… Essa não seria apenas mais uma prova de que há alguém controlando os animais? Nós não fomos atacados porque a pessoa de capuz não sabia da nossa chegada.
— Precisamente. Não acredito que Marcos Arthmael saia espalhando para toda a cidade o exato momento em que o comboio de alimentos estará chegando. Então, só resta acreditar que alguém próximo a ele esteja vazando informações para a pessoa de capuz. Como você suspeita, pode ser a empregada, mas, também, qualquer outro que tenha acesso à mansão.
— Quem? Os guardas que protegem o lugar?
— Ou aquela mulher que preparou o nosso jantar, por exemplo.
— Fala da Bianca? Alguém que não consegue nem olhar nos nossos olhos quando falamos com ela? He, he… Você não confia em ninguém, não é mesmo?
— Nem na minha própria sombra. — Ele deu um sorriso tranquilo para a única pessoa que conhecia todas as suas máscaras, todas as suas mentiras. — Bem, talvez, alguém aqui seja uma exceção.
HYAAAAAAAH!!! AAAAAHHH!!! HUAAAAA!!!
Gritos começaram a ecoar por toda a hospedaria e não pararam mais.
— O que está acontecendo?!
Owen levantou em um pulo e, sem pensar duas vezes, saiu correndo do quarto. Ellen levantou logo em seguida, porém, antes de sair, por precaução, pegou o sensório que estava dentro do sobretudo do seu parceiro.
Quando ela tentou apressar o passo, seu pé descalço acabou prendendo na barra do vestido, fazendo-a cair feito uma pedra.
— Aaaarg! Esta porcaria de roupa! Estou cansada de você me atrapalhando o tempo todo!
Sentou-se e rasgou o pano da saia bem acima dos joelhos. Aquele vestido que tinha custado uma verdadeira fortuna, estava agora completamente destruído. No entanto, isso não foi motivo suficiente para tirar o sorriso travesso do rosto dela.
— Acho que acabei de criar uma nova tendência! Irei batizá-la de “Minissaia”! Quem precisa de tanto pano?!
E voltou a correr, agora, mais livremente na direção das escadas.