A Rosa Fantasma - Capítulo 2
03
▸13h50min — Floresta de Caaporã◂
As pontas das árvores daquela densa floresta pareciam estar tocando o céu. Suas galhas e cipós possuíam formas assustadoras mesmo com o Sol brilhando no alto. O ar úmido estava carregado com o cheiro forte de mofo e capim. No centro de tudo isso, existia uma estrada lamacenta por onde um casal de jovens caminhava.
O homem tinha por volta de dezenove anos. Seus cabelos e trajes — sobretudo, calça e botinas —, eram completamente pretos. Sua feição emanava serenidade e seus olhos dourados mostravam um interesse em demasia pela floresta misteriosa que o cercava.
Já a garota aparentava ter cerca de dezessete anos. Sua pele pálida demonstrava uma fragilidade que não condizia com a sua postura militar. Estranhamente, numa tarde realmente quente, usava luvas pretas, jaqueta azul com gravata, e um longo vestido preto cheio de babados nas pontas. Seus cabelos, brancos feito neve, pendiam até abaixo da cintura. Sempre que pisava em uma poça de lama, ela resmungava.
— Quando você disse que iríamos viajar, esqueceu de avisar que seria para onde Judas perdeu as botas! Estou suada, cansada e com fome. Isso sem contar que estamos há mais de três horas perdidos neste matagal idiota! Owen, seu imprestável, para ter aceitado essa missão, o seu cérebro deve ser feito de fezes de pato!
O jovem chamado Owen deu um sorriso cínico.
— Acredite em mim. Vê-la em uma situação tão deplorável me deixa com o coração partido! Mas, lembre-se que foi você quem insistiu em me acompanhar, gritando baboseiras como: estou morrendo de tédio! Não quer me levar porque está fugindo com alguma vadia, e blá, blá, blá! Quanto a comida, ninguém mandou devorar tudo o que tínhamos de uma só vez sem se importar com depois.
A garota grunhiu e chutou a perna esquerda de Owen, fazendo-o se encolher e segurar um grito. Ele sequer ameaçou repreender a sua amiga, pois de certa forma, já estava acostumado com as atitudes infantis dela.
— Por quanto tempo vai continuar parado?! Você ainda consegue andar, não é?!
— Certo, certo…
Owen suspirou, levou a mão para dentro de um dos bolsos do seu sobretudo, retirou de lá uma maçã verde e a arremessou para a garota. Os olhos dela se arregalaram e brilharam com vigor, mas a sua boca se negou a agradecer.
— Não pense que poderá me comprar com uma simples fruta! Eu valho muito mais do que isso!
— Ellen, por que não limpa essa baba que está escorrendo antes de cuspir veneno em mim? — Deu uma risada forçada, já perdendo a paciência. — E quer saber mais? A sua roupa extravagante e esse clima quente não combinam. Definitivamente, você está começando a feder. — Tapou o nariz e fez uma careta. — Ou, quem sabe, seja apenas o odor da sua personalidade repugnante empesteando o ar.
A jovem chamada Ellen corou, cerrou os dentes e, dessa vez, chutou a perna direita de Owen. Diferente de antes, o garoto não conseguiu conter a sua raiva.
— Sua bruxa! Dá pra parar de me bater por qualquer motivo?!
— Não! Vou fazer isso toda vez que você abrir a boca para falar merda! E já deixo avisado que, na próxima, chutarei um certo lugar que o fará agonizar por bastante tempo!
Owen suspirou novamente e, mesmo mancando, continuou avançando pela estrada lamacenta.
Antes mesmo que Ellen tivesse a oportunidade de dar a primeira mordida na maçã, um par de portões de madeira tomou forma por detrás das copas das árvores. Eles possuíam quase dez metros de altura e eram o único meio de atravessar uma espessa muralha de pedra.
— Uma fortaleza em plena Aliança Sul-americana. — Owen assobiou. — Como esperado de uma cidade construída por imigrantes. Sempre tão exagerados.
— Ei, não acha isso estranho? Uma metrópole com esse porte deveria estar lotada de pessoas logo na entrada. Mas, aparentemente, ninguém anda por aqui faz séculos. Bem, não posso culpá-los, afinal de contas, é impossível que alguém consiga viver muito tempo nesse fim de mundo.
— Se tudo o que está escrito naquela carta for verdade, as coisas devem estar bem feias por aqui.
— Feias o suficiente para atrair um mercenário de terceira categoria feito você, Owen.
— Humpf. É em momentos como esse que eu me pergunto qual é o motivo para você continuar me seguindo para todos os lados, bruxa. Espera, não me diga que você está esperando a oportunidade perfeita para confessar o seu amor por mim?
Imediatamente, Ellen abriu um grande sorriso maligno.
— Aconselho que se despeça do seu amiguinho aí, pois você está prestes a virar um pobre eunuco.
— Tá, tá. Desculpa. Por favor, poupe os meus descendentes. — Suspirou como de costume e prosseguiu. — Enfim, como vamos entrar?
Os portões não possuíam um batedor ou qualquer outra coisa que pudesse auxiliá-los a se comunicar com as pessoas que, provavelmente, estavam no outro lado.
— De que outro jeito seria? — Ellen inspirou profundamente. — Olá?! Cidade de Jothenville?! Tem alguém vivo aí?!
Apenas os pássaros da floresta responderam de imediato. Somente quando a garota ameaçou gritar pela segunda vez, foi que alguém no lado de dentro se pronunciou com um tom hesitante.
— Quem está aí?
— Ellen e Owen. Somos integrantes da Legião de Mahyra.
Nesse momento, outras vozes ecoaram. Sussurros, cochichos, alguns animados, outros desconfiados.
— São os legior’s! Os legior’s estão aqui! Saiam do caminho!
Foram necessários quase três minutos e dez pessoas apenas para abrirem os portões. Entretanto, bastou os recém-chegados pisarem no chão da cidade para a entrada ser selada novamente.
Jothenville estava completamente destruída como se tivesse acabado de passar por uma guerra civil. E, contrariando o palpite de Ellen, muitas pessoas com feições tristes e cansadas estavam ali, acampadas no relento.
Foi então que um pequeno garoto atravessou a multidão aos empurrões. Quando seus olhos curiosos encontraram a dupla de soldados, um sorriso iluminado tomou o seu rosto. Era como se aquela criança estivesse frente a frente com os seus heróis favoritos.
— Vieram nos tirar daqui? — Inocentemente, fez a pergunta que estava entalada na garganta de todos os presentes. — Vieram nos salvar?
Ellen se agachou e bagunçou os cabelos da criança. Em seguida, entregou a maçã que havia recebido de Owen.
— É claro que sim.
— Obrigado, senhorita!
A jovem de cabelos brancos respirou fundo e se voltou na direção do seu parceiro. A vontade de ajudar queimava na sua expressão determinada.
— Por quanto tempo continuará parado feito um poste, Owen? Vamos acabar logo com isso para que eu possa tomar um banho!
— O seu desejo é uma ordem. — Ele sorriu em resposta a atitude peculiar da sua amiga e, em seguida, dirigiu-se até um dos cidadãos que os observavam. — Pode nos informar onde se encontra o governante desta cidade?
Mas antes de receber uma resposta, Ellen se antecipou.
— É bem fácil dizer onde ele está.
Os dois encararam a grande construção no alto de um morro. Aquela única residência era equivalente a dez dos imóveis ao seu redor. Mesmo estando a mais de um quilômetro e meio de distância, o casarão era visível.
— Caberia todo mundo que está aqui e ainda sobraria espaço. — Por algum motivo, o sorriso de Owen se alargou. — Mas que graça teria se todos os problemas fossem resolvidos tão facilmente?