A Rosa Fantasma - Capítulo 5
— Onze? Não… São doze adultos desaparecidos sem ligação de cor ou sexo. — Owen observava atentamente alguns retratos pregados em uma parede irregular. — E a maioria parece ter sumido nos últimos cinco dias. Será que é apenas coincidência ou tem algo mais acontecendo? Ellen, onde foi que você se meteu em um momento tão importante?
O jovem de cabelos escuros já havia passado por todos os locais onde a sua parceira poderia estar. Pousadas, restaurantes e bares, mas ainda não tinha encontrado pistas do paradeiro dela.
Depois de uma série de suspiros, ele voltou a andar, desviando dos olhares desconfiados das pessoas que trabalhavam na reconstrução da cidade depredada.
— Bem, caso a situação estivesse invertida, eu também não confiaria o meu destino a um completo desconhecido. Por isso, não os julgo.
Após pouco tempo de caminhada, Owen chegou a um local bastante amplo e cheio de árvores no centro da cidade.
As pequenas lojas e pousadas cercavam vários bancos e mesas de concreto. Por todos os lados, haviam postes adornados de metal com lampiões a gás. Bem no meio de tudo isso, uma grande fonte dava um toque europeu a esse lugar. Se não estivesse tão vandalizada, essa praça até poderia ser considerada linda.
No entanto, não foi a paisagem que tomou a atenção do jovem.
Próximo à fonte, seis pessoas distribuíam pedaços de pães para outras centenas que estavam aglomeradas ali. Não tinha organização na distribuição, por isso, aqueles que desejavam ganhar algo, tinham que atravessar toda a multidão aos empurrões. Só que a situação piorou ainda mais quando a população se deu conta de que os alimentos estavam acabando rapidamente e não seriam o suficiente para todos.
Enquanto os mais fracos eram agredidos e pisoteados feito ratos no meio de uma manada de elefantes, Owen permaneceu parado, observando tudo sem nenhuma expressão em seu rosto.
No entanto, essa feição fria não passava de uma mera fachada. Todo esse clima recheado de ódio fazia as suas mãos tremerem e a sua respiração acelerar gradativamente.
As cestas foram roubadas e, quando não restou mais nada dentro delas, os alvos passaram a ser aqueles que possuíam algo em mãos.
O que veio a seguir foi o inevitável. Brigas generalizadas, gritaria e destruição. Não havia distinção de idade, sexo ou cor. Todos se tornaram bárbaros trabalhando juntos para criarem uma grande tragédia.
— Ainda existem seres racionais aqui…?
Owen queria fazer algo para ajudar, mas nada vinha à sua mente. Existia alguma maneira de diminuir essa raiva que o corroía por dentro?
Você acredita que os sentimentos de uma única pessoa podem mover toda a humanidade? Você acredita que algo vago como vingança ou amor tenha poder suficiente para mudar esse planeta inteiro?
Uma voz agradável ecoou dentro da cabeça do jovem de cabelos pretos. A voz de alguém que ele amou há muito tempo.
Sinceramente, eu acredito que você tem a capacidade de dar um fim a qualquer tragédia, Owen. Você possui o poder de mudar a mente desses humanos ingratos. No entanto, falta confiança no dom que possuí. Não acha que já é hora de começar a acreditar em si mesmo?
O legior inspirou profundamente e fechou os olhos numa tentativa de calar aquela voz que sempre aparecia nos momentos mais inoportunos.
Sua mão esquerda se moveu até o interior do seu sobretudo e encontrou, quase que instintivamente, uma espécie de faca negra com aproximadamente trinta centímetros de comprimento. Era a arma dos integrantes da Legião de Mahyra, chamado de sensório.
— Eu não sou um herói. O meu poder só pode ser usado para o mal, para amedrontar, para machucar. — Sorriu, tentando de todas as formas aceitar o seu passado e tudo que ele representava. Deixando de lado, pelo menos por enquanto, o peso dos seus pecados. — Uaa… Por que estou resmungando? Ser odiado por todos não é nenhuma novidade. Fora que se eu não me mover agora, tudo estará acabado.
Assim que Owen balançou o sensório, uma lâmina deslizou facilmente de dentro dele como se fosse uma espécie de estilete, ficando três vezes maior. Em um piscar de olhos, esse equipamento tinha se tornado uma espada de lâmina preta extremamente polida.
Enquanto isso, uma mulher com longos cabelos dourados e olhos azuis que corria desesperadamente no meio do tumulto, tropeçou e caiu de joelhos. No mesmo instante, os dois pedaços de pães dentro da bolsa que ela abraçava com força, atraíram a atenção das pessoas à sua volta.
Quando essa mulher já acreditava que seria agredida e assaltada, alguém parou na sua frente, separando-a dos raivosos que se aproximavam.
Por um bom tempo, a loira só conseguiu encarar o sobretudo preto que balançava suavemente ao ritmo do vento. Apenas meio minuto depois, ela foi capaz de levantar a cabeça e olhar para cima.
Owen apontava a sua espada na direção de um grupo de oito pessoas. Essa simples atitude foi o suficiente para silenciar a praça inteira. Todos que brigavam e se machucavam por um pedaço de pão, pararam.
— Já basta!! — A voz firme dele ecoou. — Vocês têm ideia do que estão fazendo?! Já perceberam o que se se tornaram?! — As pessoas se entreolharam, incapazes de encarar o legior. — Como ainda podem se considerar humanos após toda essa violência sem sentido?! Quando foi que vocês começaram a encontrar prazer na crueldade, ahn?! Respondam!!
As expressões nos rostos transmitiam hesitação, culpa e pesar. Eles não queriam brigar, não queriam ficar uns contra os outros, mas a necessidade, a fome e o desespero acabaram os transformando em monstros.
Owen cerrou os dentes e apertou ainda mais o punho da sua espada.
— Então? Vocês ainda acreditam que esse é o melhor método para resolver as coisas? Não acham que já está na hora de pararem de destruir para, unidos, darem um fim nesse pesadelo?!
Até esse momento, a voz do jovem de cabelos pretos soava como a de alguém prestes a chorar, porém, no segundo seguinte, esse tom se tornou frio, desprovido de qualquer compaixão. Ele precisava mostrar que estava disposto a sujar as próprias mãos para acabar com tais atitudes.
— Vocês estão agindo igual leões e hienas que dividem a mesma jaula. Animais incontroláveis que são incapazes de conviverem juntos. Mas, vejam só! O domador chegou na cidade! Estou aqui com o único objetivo de adestrá-los e, depois, libertá-los! Eu serei aquele que salvará todos vocês!
Tais palavras chocaram e amedrontaram muitas pessoas. No entanto, ainda faltava uma certa fala para poder reverter completamente a atitude deles. Ou, quem sabe, piorar tudo de vez.
— Darei apenas um aviso. A partir de agora, a lâmina da minha espada mandará para debaixo da terra todos aqueles que levantarem as mãos para agredir ou roubar alguém. E esses cadáveres assombrarão Jothenville para todo o sempre. — Mostrou um sorriso que só poderia ser descrito como “travesso”. — Então, quem deseja ser o primeiro?
Um silêncio tenso reinou por vários segundos antes da multidão começar a se dispersar. Somente quando a maioria das pessoas já tinham deixado a praça foi que Owen abaixou a sua espada e suspirou, aliviado.
— Uah, que bom que funcionou! Fiquei com tanto medo de fazer merda…
Todas as suas ameaças não passaram de blefes. Na pior das hipóteses, caso todo mundo enlouquecesse e partisse para cima dele, suas únicas escolhas seriam fugir ou apanhar calado.
— Espero nunca mais passar por uma situação dessas novamente. — Assim que o seu coração acalmou, Owen se voltou na direção da mulher que permanecia de joelhos, perplexa. — Está tudo bem? Você se machucou?
O legior apertou um botão no punho do sensório, fazendo a lâmina regredir, retornando-a para o seu formato compacto. Em seguida, o guardou dentro do sobretudo e estendeu a sua mão direita com um grande sorriso no rosto.
A garota de cabelos loiros aceitou a ajuda dele e se levantou. As suas pernas estavam bambas, por isso, precisou de alguns segundos para conseguir se manter de pé sozinha.
— Estou bem… Obrigada por me ajudar…
Ela, de forma alguma, era uma plebeia. Fora as suas roupas aparentarem ser bem caras, a sua beleza por si só já emanava requinte.
— Meu nome é Owen. Prazer em conhecê-la.
— Aria Arthmael. Muito prazer…
— Arthmael? Você, por um acaso, é parente do Sr. Marcos?
A mulher desviou o olhar, constrangida por ter sido reconhecida.
— Sim… Ele é o meu pai…
Owen ficou boquiaberto de tanto espanto. Ele não conseguia pensar em um motivo para uma nobre feito ela ter se metido em uma situação tão delicada, brigando por um pedaço de pão. Até onde o soldado podia imaginar, Marcos devia possuir um enorme estoque de comida nos armários do seu casarão.
Notando a pergunta implícita, Aria se pronunciou.
— Pelo jeito, o senhor deve estar curioso para saber o que estou fazendo aqui, não é? — Deu um sorriso gentil. — Venha comigo, posso te mostrar se quiser.