A Rosa Fantasma - Capítulo 8
Mais uma vez, aquela voz incômoda ecoou no subconsciente do Owen.
Você é capaz de espalhar esperança para todos à sua volta.
— Mas isso é mentira, não é? Mais uma dentre todas as outras mentiras que você já contou pra mim.
Inspirou profundamente enquanto encarava os cavalos que trotavam num pasto vários metros adiante, tentando clarear a sua mente e, assim, melhorar o seu humor já bastante abalado.
— São tão grandes e imponentes. Não me admira que cada um deles valha uma verdadeira fortuna.
— Eles são incríveis, não? Os Cavalos de Guerra?
Guilherme caminhou na direção do legior com um grande sorriso no rosto, afinal de contas, a sua preciosa família não terminaria esse dia com fome.
— Sim, eles são. É realmente uma pena vê-los sofrendo tanto.
— Ei, o que a Legião realmente quer aqui? — O fazendeiro foi direto ao que interessava. Como Aria ainda estava dentro de casa, ele não precisava hesitar. — Provavelmente, vieram pelo dinheiro que Marcos deve ter oferecido, estou certo? Aquele desgraçado nunca teve a mínima intenção de nos ajudar.
— Senhor…
— Vocês foram contratados com o único intuito de reprimir qualquer represália que possa acontecer contra aquele bastardo!
— Escute-me. Você pode não acreditar, mas estou realmente triste com tudo o que está acontecendo em Jothenville. Fiz uma viagem longa pensando seriamente em ajudar. Só que ao ver a situação com os meus próprios olhos, comecei a pensar que não vale a pena.
O susto tomado por Guilherme não foi proveniente apenas da revelação, mas também da expressão entregue pelo soldado. Um sorriso pretensioso e sádico.
— Todos vocês só pensam em si mesmos. Não se importam uns com os outros, chegando ao ponto de quase se matarem por um mísero pedaço de pão. Sinceramente, não consigo enxergar a diferença entre vocês e Marcos Arthmael.
O fazendeiro mordeu o lábio inferior e, num ataque de raiva, agarrou o sobretudo de Owen com as duas mãos.
— Que porra você está dizendo?! Como assim, não valemos a pena?!
— Devo esfregar a realidade na sua cara para que você entenda? Vocês são incapazes de caminhar com os próprios pés e lutar por uma única causa. Toda essa desunião traz apenas mais desespero, raiva, ganância e fome. Todos frutos que vocês mesmo plantaram. Só existe um futuro para esse tipo de sociedade, e ela termina sete palmos debaixo da terra.
— Então, você vai embora?! Nos abandonará?! Todos vamos morrer, você sabe disso!
O simples pensamento de presenciar a sua esposa e filhos morrendo de fome, fez Guilherme engasgar.
— Não irei embora, senhor. Eu não conseguiria continuar vivendo normalmente se fizesse isso. — Tocou o ombro esquerdo do fazendeiro e sorriu serenamente. — Continuarei aqui até aprenderem a construir uma sociedade de verdade. Se vocês precisam de um professor, então, serei a pessoa que os ensinará. Não há chance de eu ignorar tudo o que está acontecendo aqui.
Guilherme ficou paralisado com os olhos arregalados, incapaz de esboçar qualquer outra reação.
— Qual é o significado desta expressão? Nem todos os legior’s são desumanos. Alguns… poucos, ainda vivem para proteger, salvar pessoas. Não estou atrás de fortuna ou fama. A minha única intenção é ajudá-los. Eu daria a minha vida de bom grado para isso.
Por mais que Owen não quisesse dar falsas esperanças, essas últimas palavras escaparam involuntariamente da sua boca. Ainda assim, eram palavras verdadeiras que residiam no fundo do seu coração.
— Fazia um bom tempo desde a última vez que encontrei alguém com uma determinação forte igual a sua, garoto.
O fazendeiro não teve outra escolha além de largar o soldado.
— A minha companheira diz que eu pareço um retardado quando ajo desta maneira, senhor.
— Hehe… Acho que só me resta deixar o futuro de todos nós nas suas mãos. A minha esposa e os meus filhos são tudo para mim, Sr. Owen. Salve-os e prove que este velho aqui estava errado ao te julgar. Dê um amanhã para todos. Seja um herói.
Assim que Guilherme voltou para dentro de casa, o jovem de cabelos escuros tornou a encarar aquele horizonte que mudava de cor extremamente rápido. Uma impiedosa tempestade estava a caminho.
Você precisa apenas aceitar o medo impregnado na sua alma para ser capaz de pintar a escuridão na mente das outras pessoas.
— Talvez, eu estivesse mentindo para mim mesmo durante todo esse tempo, não…?
∎∎∎
— Ajude-me…
A voz não parecia estar vindo do corredor, mas sim de dentro daquela mesma sala. Ellen prendeu a respiração e, com o mínimo de barulho possível, esgueirou-se pelas paredes.
— Ajude-me… P-por favor…
— Hum… Seja lá quem for, encontra-se no outro lado desta parede. Será que existe algum tipo de sala secreta aqui? — Procurou por uma alavanca ou abertura, no entanto, não encontrou nada. — Vamos lá, Ellen… É preciso apenas um pouco de concentração. Fazer um buraco em um monte de barro nem vai te deixar cansada. Para que serve todo esse poder se você não consegue utilizá-lo direito?
As batidas do coração dela eram audíveis, suor frio escorria pela sua nuca.
— O que é isso? Medo? Não… Ansiedade? Acho mais provável. — Com um sorriso torto, a soldado retirou a luva da sua mão direita e tocou na parede. — Vamos lá, poder estúpido. Pelo menos uma vez, seja útil.
Imediatamente, um buraco começou a se formar no local onde ela tocava, não deixando vestígios de poeira ou destroços. Na verdade, a parede estava derretendo como se algum ácido a estivesse corroendo.
Usando a boca, Ellen retirou a luva da sua mão esquerda e tocou a parede com ela, aumentando ainda mais o poder de corrosão.
— Está feito!
Assim que havia uma abertura grande o suficiente para que ela pudesse passar, recolocou as luvas e pegou um dos lampiões, usando-o para iluminar a sala secreta.
— Mas o que aconteceu aqui…?
Doze pessoas estavam penduradas pelas mãos por correntes presas no teto. O cheiro de putrefação que tomava o ar era tão forte que a garota de cabelos brancos precisou tapar o nariz com uma das mãos para não acabar vomitando.
Contrariando todos os seus instintos, Ellen entrou na sala e observou os corpos de perto. Todos adultos, homens e mulheres cujas únicas coisas em comum eram hematomas e cortes profundos por todo o corpo.
Os experimentos, obviamente, não estavam acontecendo apenas em animais pequenos, mas também em humanos.
Por um momento, a legior pensou que todas aquelas pessoas estavam mortas, porém, o barulho de correntes batendo tornou a ecoar.
No fim da fileira, um homem de aparência deformada levantou o rosto na direção da recém-chegada. As írises dele estavam amareladas, suas escleras completamente negras.
— Por favor… ajude-me…
— Ei, quem fez isso com você?
— Salve-me, eu imploro…
— Quem te trancou aqui?
— Salve-me… Salve-me…
— Preciso de um nome!
— Foi ele… O cientista…
— Cientista?! Quem é o cientista?!
— O HOMEM DE OLHOS VIOLENTOS!!! AQUELE QUE ME MACHUCA, ME FURA, ME RASGA, ME QUEIMA, ME QUEBRA, ME ESTRIPA, ME DESMONTA E MONTA!! A PESSOA QUE FICA ME MATANDO, DE NOVO, E DE NOVO, E DE NOVO, E DE NOVO!!!!!
O homem gritou a plenos pulmões e, em seguida, puxou as correntes que prendiam os seus pulsos, quebrando-as como se fossem feitas de plástico.
— Uah… Hoje não é o meu dia de sorte…
Os membros esguios dele começaram a crescer vagarosamente, rasgando o que restava das suas roupas. O rosto assumiu uma forma sobre-humana que mais parecia a junção de um cachorro com um porco. Saliva escorria sem controle pela sua boca e os olhos se reviravam feito os de uma pessoa em estado de possessão.
— GRUAAAAAAAAAA!!!!
Deu um longo uivo demoníaco, deixando bem claro o tamanho da sua hostilidade e fome de carne e sangue.
— Ah, merda. Estou realmente ferrada…
Com uma expressão de puro nojo em seu rosto, Ellen recuou dois passos e se preparou para correr.