A Rosa Fantasma - Introdução
01
— Ele —
O entediante céu ao anoitecer. A Lua brilhando imponente no horizonte. O vento gélido que move as folhas das árvores suavemente. Meu corpo moribundo caído próximo a um desfiladeiro. Quase todas as peças do quebra-cabeças estão em seus devidos lugares, exceto ela, meu anjo da morte.
A garota parada na minha frente possui a beleza de uma princesa de conto de fadas, independente da aura sombria que a envolve.
— Ela —
Faz muito frio, ou, talvez, seja apenas o meu corpo se negando a aquecer. O cascalho e os galhos pontiagudos espalhados pelo chão ferem os meus pés descalços. Cada músculo implora por alguns minutos de descanso.
Não sei explicar como vim parar no meio desta floresta, mas por algum motivo misterioso, estou no lugar certo, na hora certa.
Meu cavaleiro se encontra caído no meio de uma poça de sangue repugnante. A pele dele está pálida como a de um fantasma, seus olhos dourados não possuem mais a chama da vida.
— Ele —
Ela não deve ter mais de quatorze anos, no entanto, seus olhos verdes não carregam a inocência de alguém com essa idade. São olhos que já devem ter visto o pior que o nosso mundo tem para oferecer.
Os cabelos dela são longos e brancos como as nuvens de um dia ensolarado. Sua feição transmite apenas dor e solidão. O rosto de alguém que perdeu tudo e, desde então, sofre em silêncio.
Ao meu redor, consigo enxergar o oceano vermelho que se formou por culpa do buraco no meu peito. A recompensa que obtive por confiar cegamente em uma certa pessoa.
Ah… Queria tanto levantar e destruí-lo. Apenas assim, poderia descansar em paz…
Só que, infelizmente, já é tarde demais para implorar por um milagre. O meu final será repleto de arrependimentos.
— Ela —
Na aparência, meu cavaleiro não mudou muito desde a última vez que o vi. Entretanto, sua expressão gelada e rancorosa de agora é o completo oposto daquela inocente determinação que presenciei no passado.
O que aconteceu para tê-lo mudado tanto? O que causou tantas cicatrizes?
Estou com inveja. Toda essa vontade de viver mostra apenas que, fora desta floresta, devem existir pessoas importantes que esperam o seu retorno. Amigos de infância, uma grande família feliz.
Eu não tenho nada disso, fato que torna a existência dele bem mais valiosa que a minha.
Sinto que deveria ser sensata e dar logo um fim ao sofrimento dele. Matá-lo é a coisa mais gentil que eu posso fazer para o homem que me salvou de ter uma vida imersa na escuridão. No entanto, optarei pela escolha mais cruel possível.
Talvez, seja obra do destino ele ser encontrado por um demônio feito eu.
Talvez, nós dois sejamos almas gêmeas ou algo do tipo.
Quem sabe, ele não esteja destinado a salvar a minha alma da mesma forma que salvou o meu corpo?
Salvar-me de mim mesma?
Contudo, não serei egoísta ao ponto de fazer tão horrível sem o seu consentimento. Entregarei nas mãos dele o direito de decidir se aceitará ou não a minha proposta que é tudo menos generosa.
— Ele —
“Você abriria mão da sua humanidade para realizar um desejo?”
Ouvi uma voz claramente. Foi esta garota que falou?
Não sei… Mesmo encarando-a, não pude ver os seus lábios se movendo. Acho que estou delirando.
“Quanto vale a sua vida? O que você está disposto a dar para tê-la de volta?”
Ah… Agora consegui entender. Ela está falando diretamente na minha mente com um tom de voz tranquilo que me traz a mesma sensação de estar experimentando a polpa de uma fruta doce.
“Eu posso te salvar. Você apenas precisa fazer uma simples promessa.”
Meus olhos, assim como o restante do meu corpo, não se movem mais. Sequer tenho a necessidade de respirar. Estou morto. Assim como ela, não tenho mais nada a perder.
“O que você deseja de mim?”
Respondi em pensamento.
“Aah… Eu…”
Mesmo com a visão embaçada, pude ver algo parecido com um sorriso se formando no rosto dela.
— Ela —
Após ouvi-lo, notei que algo está errado. Por que mesmo sabendo que salvarei a sua vida, não sinto o alívio que tanto desejo? Por que a minha consciência continua pesada?
Ah, entendo… Isso é medo.
Medo de que este garoto não cumpra a promessa e acabe me abandonando como todos os outros. Estou com medo de ser traída e jogada fora… mais uma vez.
“Prometa que viverá por mim e para mim. Prometa que será meu e, em troca, serei sua para sempre. Nunca o trairei, nunca o magoarei. A única coisa que exijo, é o seu respeito.”
Já sabendo que essa decisão acabará me destruindo futuramente, suspirei.
— Ele —
Se eu ainda possuísse voz, com certeza, teria gargalhado.
Finalmente entendo o quanto mudei após ser traído por aquele em que eu mais confiava.
Decaí.
Meu universo desmoronou.
Por conta disso, não posso recuar diante dessa segunda chance. Preciso continuar vivendo para poder abraçar com força todo esse ódio e rancor que me foram presenteados. Engolirei esses sentimentos distorcidos para ficar mais forte, pois o meu próximo desejo, será alcançar a minha vingança.
Mesmo que seja necessário fazer um pacto com este demônio, tornarei a respirar e ficarei de pé.
— Ela —
Sentei no chão e apoiei a cabeça dele sobre as minhas pernas sem me importar com o sangue que suja o meu vestido.
O quanto essa decisão mudará o meu destino?
Será que existirá algo especial reservado para mim no futuro? Será que conseguirei a chance de encontrar a paz de espírito que tanto tenho procurado? Meu próprio lugar no mundo, minha própria felicidade.
Enquanto aguardo a resposta do meu cavaleiro, faço a minha decisão final.
Se aceitar, dividirei a minha vida com ele. Nós teremos a mesma alma, os mesmos sentimentos, um único passado, o mesmo destino, a mesma maldição. Se rejeitar, acabarei com a agonia dele da maneira mais gentil que eu puder em sinal de agradecimento.
“Eu… prometo.”
Ah… Essas duas palavras trouxeram consigo algo que se não estou enganada, chamam de “alegria”. Um sentimento que eu pensava ter perdido há muito tempo.
Pude sentir que ainda há um futuro para mim nesse planeta de humanos ingratos.
— Ele —
Com um sorriso magnífico, fascinante e mórbido, ela aproximou o seu rosto e encostou os seus lábios nos meus, fazendo uma energia inexplicável percorrer toda a extensão do meu corpo, aquecendo-o novamente. É triste, agonizante, e, aos poucos, começou a desaparecer, retornando para a menina de cabelos brancos.
Nesse momento, finalmente compreendi.
É como se nos conhecêssemos desde sempre. Eu tenho todas as lembranças dela, o seu passado trágico, a sua angústia, sua esperança. E ela, consequentemente, sabe tudo sobre mim.
Meu corpo foi preenchido com vida novamente graças a uma alma que não pertence apenas a mim. Se esta garota se machucar, também me machucarei. Se eu vier a falecer, o mesmo acontecerá com ela.
A partir de agora, somos apenas um.
— Os dois —
Ambos desejamos a felicidade.
Um desejo que não passa de uma blasfêmia.
Lutando contra as marés do tempo.
Vivendo cada dia na esperança de que seja o último.
Como um poema, finalizado com versos imperfeitos.