A Sétima Guerreira - Capítulo 1
Horas se passaram, e aos poucos Dorothy foi perdendo o medo; mas sentia uma grande solidão, e o vento uivava com tanta força a sua volta que quase ficou surda. Num primeiro momento, ela se perguntou se a casa iria se despedaçar quando tornasse a cair no chão; mas, com o passar das horas, como nada terrível acontecia, parou de se preocupar e resolveu esperar com toda calma para ver o que o futuro iria lhe trazer. Finalm…
(…)
— De novo lendo esse livro, Milena? — Uma certa mosquita acabou interrompendo a leitura do meu livro. Como se não bastasse aquela voz irritante ressoando nos meus ouvidos, ela tomou o livro das minhas mãos e começou a lançar aquele sorriso medonho sobre mim. Sim, eu com certeza odeiava essa garota.
— Sim, isso te incomoda? — questionei educadamente. Confusão não era comigo.
— Me incomoda sim! — Ela começou a rosnar enquanto segurava o meu precioso livro com aquelas mãos de bárbaro que ela tinha. — Você se acha muito, sabia?
— Ah! Entendi agora! Você quer o livro, certo? Então pode ficar com ele! Eu tenho cinco deles em casa! — Eu lancei um sorriso que confrontava aquele sorriso malicioso que ela fazia. — Agora vou dormir, tenha uma ótima leitura!
Ela ficou fazendo aquela cara de espanto enquanto eu pousava a minha cabeça na mesa. Sinceramente, não via motivos para me desgastar com essa menina sendo que eu tinha mais cinco livros em casa. Pelo menos era isso que eu queria que ela pensasse.
— Não, eu… espera! Quem disse que você podia dormir?
“Aí, que dor!” Ela puxou os meus longos cabelos negros, fazendo o meu rosto encarar o dela. Enquanto ela fazia aquele olhar feroz; do tipo vou te intimidar, eu apenas a encarava com uma expressão de tédio.
— Me diga, o que você quer de mim?
Os outros alunos até se levantaram de suas cadeiras para contemplar melhor a briga dos seus sonhos. Alguns com os seus celulares tentavam capturar o melhor ângulo para filmar ou tirar foto daquela cena, aquilo renderia a eles muitas curtidas.
“Aí, como os adolescentes de hoje em dia não prestam.”
O causador daquele todo problema estava no meio daqueles alunos, o Arthur, que sorria aquele seu sorriso cínico. A verdade é que Gabriela começou a me importunar depois que o Arthur se confessou para mim — ao que parece aquele ser humano nutria algum tipo de sentimento amoroso por mim —, mas bom, eu o rejeitei diante do público, afinal eu não gostava dele; não somente em termos amorosos, seu caráter também. Ele era um lobo em pele de cordeiro, enganador de meninas e partidor de corações. Ele provavelmente queria fazer isso comigo também.
Mas acontece que a Gabriela gostava do Arthur, por isso que quando ela viu eu esmagar os falsos sentimentos do seu grande amor, ficou com raiva de mim e passou a me perseguir desde então como se fosse uma daquelas vilãs das novelas mexicanas.
No entanto, suspeito que a vilania da Gabriela para comigo vai muito além de uma simples desilusão amorosa.
— Você sempre rouba tudo de mim, eu não vou te deixar em paz!!!
— Se você está falando do Arthur, olhe ele ali… — Apontei o dedo para o Arthur que sorria com um celular na mão. — Pode ficar tranquila, eu não roubei ele de você.
— Essa sua cara me irrita sabia! Você fala de uma maneira tão natural. Você é muito despreocupada!
Blablablá! É o que ela só sabia falar. Sério! Gabriela era tão fácil de irritar. Olha só essa carinha avermelhada de raiva que ela fazia enquanto cerrava suas sobrancelhas.
— Se você acha meu rosto irritante, é só mudar de escola.
— Sua… sua… sua…! — Agora ela estava indo um pouco longe demais.
“Não acredito ela vai fazer isso!”
Enquanto segurava o meu cabelo com a mão esquerda, ela arrastou sua mão direita contra a minha face. Mas antes que sua palma chegasse a tocar na minha pele, altos passos ressoaram sobre os nossos ouvidos e adentraram pela porta da sala.
— Boa tarde, turm… Gabriela e Milena, já para a diretoria! — A professora Brunilda — que por coincidência é a minha tia — apontou o dedo em nossa direção enquanto segurava a pasta de livros em sua mão direita. Gabriela me soltou e a minha tia seguiu caminhando à mesa. — Vocês não podem ficar um segundo juntas, que já estão brigando?!
Ela colocou a pasta de livros sobre a mesa, enquanto olhava para nós com uma cara de decepção.
— Ela que começou! — Falamos ao mesmo tempo, apontando o dedo uma na outra.
— Não quero saber! Vão imediatamente para a diretoria! — Ela esticou o braço em direção à porta, indicando para que saíssemos da sala imediatamente.
— Claro, ti… digo, professora Brunilda. — Gabriela cruzou os braços e seguiu caminhando em direção à porta. Eu também fiz o mesmo, seguindo por trás enquanto enfrentava alguns olhares, especialmente o do Arthur, que sorria de satisfação por mais uma vez eu ter sido repreendida pelas atitudes da Gabriela.
Gabriela parecia o meu despertador logo pela manhã, não conseguia ficar calada por um minuto sequer. Ela teve que abrir aquela maldita boquinha, que só saía nada além de besteira. Aquela língua mais uma vez estava prestes a desfilar o veneno, já que naquele corredor vazio não tinha ninguém que a pudesse ouvir além de mim.
— Em feito! Comigo não vai acontecer nada, já que meu pai é rico e ele doa dinheiro para esta escola! Já com você… — ela me olhou de baixo para cima. — Com você a história é diferente.
Pronto, a única coisa que ela conseguia fazer em sua mísera vida era se gabar por ser rica.
— Você sabe que meu pai é polícia, certo? Eu posso denunciar o diretor por corrupção!
Lancei um sorriso malicioso e ela simplesmente sorriu de volta, mas dessa vez, colocando aquelas patas sobre os meus ombros.
— E como vai fazer isso?
— E isso serve? — Eu tirei o celular do meu bolso e mostrei a ela o gravador. Estava ligado, tudo que ela falou foi gravado.
Hum, tudo saiu como eu havia calculado. Eu já prévia que ela usaria o mesmo argumento de sempre, então me preparei antes. Ao entrar na sala de aula, antes que ela chegasse, liguei o gravador do celular e comecei a ler o meu livro, aguardando aquela víbora chegar para me importunar como sempre.
“É game over, Gabriela.”
— Agora você está ferrada!
— Me dá esse celular!
Ela entrou em desespero e tentou arrancar o celular da minha mão, mas eu me afastei dela e guardei o celular no bolso da minha saia que tinha um zíper pronto para fechar as sete chaves.
— Cadê a sua confiança agora?
Comecei a rir daquela cara de desespero que ela fazia enquanto tentava me alcançar no corredor para apanhar o meu celular. Eu parecia uma jogadora de futebol fazendo suas fintas em campo.
Mas para o nosso azar a professora notou aquela barulho que havíamos feitos em pleno corredor, pude vê-la ao pé da porta enquanto cruzava os seus braços com uma expressão enfurecida.
— Vocês ainda não foram para a sala do diretor?! O quão rebelde vocês são? — Ela começou a andar em direção a nós. Gabriela e eu apenas encurvamos a nossa cabeça em profundo silêncio. — Vamos, sigam-me!
Ela tomou liderança enquanto eu e a Gabriela, á seguimos por trás.
— Você já era! — sussurrei ao vento enquanto mostrava a língua.
— Nem experimente mostrar isso, se não, eu arruíno sua vida! — sussurrou Gabriela, me encarando com as sobrancelhas cerradas.
— Silêncio! — A professora Brunilda revirou o olhar. Gabriela e eu fizemos silêncio até chegarmos a sala do diretor. Creio que para ela não tenha sido fácil já que mordia os seus lábios constantemente durante todo aquele percurso.
Enfim, finalmente chegamos a sala do diretor que ficava lá no rés-do-chão. A professora parou em frente a porta e com um suspiro aborrecido, bateu a porta levemente.
— Pode entrar! — Era a voz grossa do diretor.
Com as mãos postas na fechadura, Tia Brunilda abriu a porta e nos deu passagem.
— Vamos garotas, entrem!
Com os braços cruzados, eu e Gabriela passamos por aquela porta com passos lentos enquanto nos empurrávamos com os ombros. Tia Brunilda apenas suspirava aborrecido enquanto observava a nossa falta de maturidade.
Sorte a nossa que o diretor não havia visto aquela cena, ele tinha os olhos voltados para aquela montanha de papel sobre a sua mesa, escrevendo sem parar. Definitivamente, eu nunca seria uma diretora de uma escola. Não bastasse aturar crianças como a Gabriela, tinha que lidar com papéis e mais papéis.
— O que foi dessa vez, professora Brunilda? — Enfim ele parou de escrever e ergueu o rosto, mostrando aquele bigode que lhe dava destaque.
— Essas meninas estão sempre brigando, já lhes chamei atenção inúmeras vezes, mas não aprendem de nenhum jeito. — A professora colocou a mão sobre sua testa, decepcionada.
— Muito bem, sentem-se vocês duas — disse o diretor, entrelaçando suas mãos. — E professora, pode retornar a sua sala de aula.
Quando eu ia pegar a cadeira da direita, advinha o que aconteceu? A piranha da Gabriela sentou primeiro, revirando os seus olhos para mim enquanto soltava aquele maldito sorrisinho mesquinho. Como eu não queria pagar de vilã da história, peguei a da esquerda.
— Ah! muito obrigada, Sr. Diretor! Só espero que o senhor consiga dar um jeito nessas jovens rebeldes. — Tia Brunilda saiu e fechou a porta lentamente, concentrando o seu olhar em mim. Por algum motivo, senti um arrepio ao olhar aquela porta se fechar lentamente em meio ao olhar da minha tia. Com certeza, eu estava ferrada depois.
— Antes de dar a devida punição a vocês duas, quero que me digam… — Voltei os meus olhos castanhos para o diretor. — Quem começou? — O diretor continuou entrelaçando seus dedos, enquanto nos encarava seriamente.
Obviamente a piranha da Gabriela apontou o dedo para mim no mesmo momento em que eu apontava o dedo para ela.
— Parece que as duas começaram. Nesse caso, darei a punição para as duas… — Gabriela balançou a cabeça positivamente, se esquecendo de que o meu verdadeiro objetivo era chegar à sala do diretor para mostrá-lo a gravação.
— Diretor… — Atrai seus olhos negros para mim. — Antes que o senhor dê a punição, quero mostrar-lhe algo.
— O que você quer me mostrar, Srta. Naroelle?
Gabriela arregalou os olhos.
— Bom, é que… uhumhum… — Antes que eu pudesse dizer a ele que pretendia mostrar uma gravação que continha a verdadeira essência da Gabriela, eu senti as mãos frias dela fecharem a minha boca.
— Diretor Rogério, eu é que comecei com tudo! Peço imensas desculpas, não foi a Milena…— Ela admitiu com uma expressão de tristeza enquanto soltava aos poucos aquelas lágrimas de crocodilo. Logo depois, retirou as mãos da minha boca e enfim pude suspirar depois de tanto sufoco.
— Entendo. Está ciente de que só você será punida, certo?
— Sim, Sr. Diretor, pode dar a punição. Por mais dolorosa que seja, eu irei suportar. — Ela limpou as lágrimas ao redor dos seus olhos enquanto suspirava pesadamente.
— Muito bem… A punição será…
— Diretor… — interrompi. Gabriel de novo arregalou os olhos. — Eu ainda quero te mostrar algo.
Ela provavelmente achou que só por admitir que foi ela que começou, eu me daria por satisfeita e deixaria tudo quieto.
“Sinto muito lhe informar Srta. Gabriela, mas eu não sinto dó de víboras.”
— Sim, prossiga, Srta. Naroelle — O diretor começou a puxar de leve o seu bigode enquanto eu retirava o celular do meu bolso, tomando cuidado para que Gabriela não o arrancasse das minhas mãos.
— Senhor diretor, a minha punição é mais importante do que o que a Milena tem para mostrar! — Gabriela levantou-se, colocando as duas mãos sobre a mesa do diretor enquanto era consumida por algumas gotas de suor que deixavam claro o seu desespero.
— Acalme-se e sente-se, Srta. Rosalie. Tudo tem seu tempo. Primeiro vamos ouvir o que a Srta. Naroelle tem a dizer.
Gabriela franziu os dentes enquanto eu entregava o celular para o diretor. Em seu completo desespero, ela até tentou tomar o celular das minhas mãos, mas eu dei uma palmada bem forte naquelas mãos de gorila que ela tinha.
— Bom, ouça isso — suspirei de alívio pelo celular ter chegado nas mãos do diretor em segurança. A tela que brilhava havia se desligado. — Não se preocupe quanto ao código, eu acabei tirando só para esse momento.
— Mas não está ligando. — Não importava quantas vezes o diretor clicasse aquele botão na lateral do celular, a luz brilhante não voltava.
— O que? Eu tinha certeza de que tinha uma boa percentagem de carga sobrando!
— Não é o que parece, Srta. Naroelle. — O diretor me entregou o celular. Dessa vez, Gabriel não tentou tomar das minhas mãos, apenas comemorava aquele acontecimento inusitado.
Que sorriso peçonhento ela fazia.
— Que pena, Milena… — Gabriela lamentou com falsidade, enquanto soltava um leve sorriso. — O que você ia mostrar para o Sr. Diretor? Confesso que fiquei curiosa para saber agora!
— O Sr. Diretor tem um carregador?
— Não, eu não tenho aqui. — O diretor balançou a cabeça negativamente. — Mas provavelmente na sala dos professores deve haver um. Mas, você terá que esperar por sua vez. Agora quero dar a punição devida à Srta.Rosalie.
“Amanhã é dia, por hoje eu deixo passar.”
— Bom, Srta. Rosalie, você terá que limpar todos os banheiros. Essa será a sua punição.
— Boa!! — Apertei meus punhos, que estavam embaixo da mesa, enquanto eu encarava Gabriela com um leve sorriso.
— Não… não… não! Pode passar qualquer punição do mundo, menos essa! Isso eu não faço nem a pau!
A Srta. riquinha sentiu-se indignada por tal punição, mas eu estava adorando ver aquele rosto de indignação. Essa punição combinava com ela. Iria até preparar a minha câmera para tirar as fotos quando esse momento chegasse.
— Ou isso, ou a suspensão, o que você prefere? — O diretor continuou entrelaçando seus dedos. Aquele olhar afiado demonstrava que ele não iria mudar a punição dada.
— Tudo bem… — ela suspirou pesadamente enquanto diminuía a sua voz. — Eu vou limpar os banheiros. Mas eu posso ter ajuda?
— Não vejo problemas nisso, desde que esteja participando da limpeza.
Espero que ela convide o Arthur. Comecei a rir interiormente enquanto contemplava aquele seu rosto nada satisfeito. Eu podia ficar presa nesse momento por um longo tempo, já que ela sempre se gabava por ter várias empregadas a sua disposição.
— Agora que estamos resolvidos, podem se retirar. E que esse comportamento não volte a repetir-se nesta instituição de ensino. Estamos entendidos?
— Com certeza, senhor diretor! — Levantei-me, mas uma certa pessoinha permaneceu em silêncio enquanto se levantava da sua cadeia.
— E você, Srta. Rosalie?
— Com certeza, Sr. Diretor — ela disse bem baixinho.
— Eu não ouvi, fale mais alto. — O diretor começou a coçar o seu ouvido direito com o dedo mindinho.
Eu ri.
— C-COM CERTEZA, SENHOR DIRETOR! — Gritou e eu elogiei a resistência daquelas janelas atrás do diretor em não terem se quebrado diante de uma voz tão horrível quanto a da Gabriela.
— Perfeito. Agora podem sair da sala. — O diretor voltou a pegar em sua caneta, escrevendo novamente em seus preciosos papéis.
Gabriela e eu andamos novamente em direção à porta. Aquela disputa para ver quem iria sair primeiro começou, mas acabei cedendo para a satisfação dela.
(…)
Já no corredor, Gabriela e eu nos cruzamos com um homem alto de cabelos negros, vestido do uniforme escolar preto e branco. Era o Heitor, salvador do meu cachorro. Quando ele sumiu uma vez, Heitor acabou por encontrá-lo e o entregou para mim com aquele sorriso gentil. Desde aquele dia, passei a vê-lo com outros olhos.
— Olá, Milena e Gabriela! Tudo bem com vocês?
Ele soltou aquele sorriso gentil para mim enquanto me fitava com os seus belos olhos verdes.
— Olá, Heitor. Mantive minha expressão fria e calculista, mas, no fundo, eu queria responder com animosidade.
— Olá, Heitor!! Tudo bem? — Gabriela saiu correndo ao encontro do meu homem, digo, do Heitor e saltou para cima dele, entrelaçando os seus braços ao pescoço dele.
“Essa menina sabe como me irritar.” Cerrei os meus punhos enquanto olhava para ela abraçada ao Heitor.
— Você está me sufocando, Gabriela. Pode se afastar um pouco? — Heitor retirou as mãos da Gabriela agarradas ao seu pescoço. Tinha que admitir que por essa eu não esperava.
“Hahahaha! ” Comecei a rir interiormente enquanto observava aquela cena. Eu queria tanto rir alto, mas não queria que Heitor ache que sou louca. Tive que morder os meus lábios para segurar a risada de sair.
— Ah… desculpa, é que eu gosto de abraçar meus amigos. — Ela lançou um sorriso forçado e manteve sua compostura. Mas, no fundo, eu sei que ela estava explodindo de raiva.
— Não tem problema. Eu só me senti sufocado por receber um abraço tão repentino. — Heitor sorriu para aquela mulher toda desolada e continuou a sua caminhada, passando por mim. Não foi uma passagem normal, ele piscou o seu olho esquerdo. O meu coração acelerou contra a minha vontade.
“Aí, que sentimento é esse que toma conta de mim?” Suspirei, colocando a mão em meu coração enquanto sorria sem jeito. Mas logo mantive a minha compostura, observando a vilã toda desolada por ser recusada pelo herói da história… Espera. Acho que era normal vilãs serem recusadas, afinal elas eram vilãs. Que ideia a minha!
— Você… — E lá vem. — Você ainda não se livrou de mim!
Após olhar para mim com lágrimas nos olhos, Gabriela saiu correndo constrangida por mais uma vez ela perder para mim.
Depois disso, fui ao banheiro e, quando retornei à sala, tive uma surpresa. Gabriela havia ido para casa, seu lugar estava totalmente vazio.
“Fracamente, ela não aguenta rejeições, é isso?”
E o pior era que ela nem havia assistido às duas primeiras aulas do primeiro tempo.
“Bem, tanto faz para mim, cada um sabe o que faz da sua vida.” Comecei a prestar atenção na aula de história que a minha tia Brunilda dava, era sobre guerras mundiais. Quanto mais ela falasse, mais eu me perdia em mares de pensamentos a respeito do que essas pessoas que teriam participado dessas guerras teriam vivido. Realmente era mais fácil estudar a história do que vivê-la.
Finalmente, depois de tantas horas de estudo, o sino final tocou. Comecei a arrumar os meus pertences na minha pasta enquanto os outros alunos saíam da sala.
“Parece que eu me ferrei.” Tia Brunilda estava vindo em minha direção com uma cara nada agradável.
— Milena…
Levantei os olhos com receio.
— Tia?
— Eu fiquei muito chateada pelo que fez hoje, mas não vou falar mais nada. — Ela retirou um livro e um caderno novo da sua bolsa. — Gosta de livros, não é? Tenho certeza de que vai amar esse.
Ela colocou ambas as coisas sobre a minha mesa, meus olhos foram centrados naquele livro que tinha como título: como ser uma boa colega de turma.
“É sério que existe esse tipo de livro? Sério! Quem escreveu uma coisa dessas não deveria estar batendo bem de cabeça.”
— Tia, posso fazer uma pergunta.
— Faça.
— Por que a senhorita tem um livro desses consigo?
— Comprei especialmente para você, já que minhas palavras não têm resultado. E outra, quero que você transcreva pelo menos 50 páginas para o seu novo caderno.
— Nem brincando que eu vou fazer isso!
— Considere isso uma prova. — Ela deu meia volta, começando a andar. — Caso não faça, terá uma péssima nota na disciplina de história. Tem um dia para isso.
— Mas tia…! — protestei. Isso era injusto. Hoje eu nem havia feito nada, quer dizer, eu nem fazia nada. Os problemas é que vinham até a mim.
“Droga! Eu estou tão atarefada de trabalhos essa semana que não vai dar para fazer isso.” Suspirei, olhando para a janela lateral que ilustrava o sol sucumbindo em meio às nuvens.
— Se eu começar a fazer isso agora, creio que terei tempo para realizar os demais trabalhos — suspirei novamente, retirando a caneta, que eu já havia colocado na minha pasta. Abri aquele livro que me dava raiva — minha vontade era de rasgá-lo — e comecei folheá-lo, lendo algumas coisas sem sentido, como: seja gentil com todos e ajude-os a fazer o dever de casa.
“Não é por nada mal, mas que esse autor vá à falência!”
Não perdi tempo e comecei a transcrever. Tia Brunilda era esperta demais. Ela sabia muito bem que, se apenas me entregasse o livro, não leria, então me fazer transcrever as palavras do livro, vai me fazer ler automaticamente.
Ah, suspirei. Pensei que ter uma tia professora seria lucro, mas percebi que era apenas desgraça.
“Tenho que pensar numa maneira de fazer com que Tia Brunilda seja transferida dessa escola… mas como?” Eu pensava nisso enquanto escrevia. Minha mão doía bastante.
Cansei.
— Termino amanhã de manhã. — Olhei pela janela e já era bem noite, as luzes das casas mais próximas da escola tomavam conta dos meus olhos. — A escola já deve estar vazia.
Quando eu estava prestes a arrumar os meus pertences em meio às luzes que nunca eram desligadas, ouvi passos que fizeram o meu coração acelerar abruptamente. Direcionei os meus olhos à porta, aguardando em prontidão a pessoa que se aproximava dessa sala a passos lentos.