A Sétima Guerreira - Capítulo 2
— Apesar de problemática, você continua sendo uma ótima estudante, Srta. Naroelle.
Suspirei de alívio ao contemplar um homem de terno negro ao pé da porta.
— Continue assim e quem sabe fique em primeiro lugar no próximo ano — ele continuou enquanto puxava seu bigode de um lado para o outro.
— Sr. Diretor, não foi para casa ainda?
— Se você está me vendo aqui, é porque não fui, menina Naroelle. — Ele soltou uma leve risada e eu comecei a arrumar os pertences na pasta enquanto levantava da cadeira. Terminada a arrumação, fechei o zíper e coloquei a pasta nas costas, fitando o diretor que continuava na porta. — Bom, eu já vou indo, diretor!
— Bom… até segunda então… — Acenamos um para outro e ele foi embora. Pude escutar seus passos pesados ressoarem por todo aquele extenso corredor.
Eu nem tinha percebido que hoje era sexta, que tipo de estudante eu era… minha memória estava ficando muito fraca, talvez seja porque eu não tenha dormido direito esses últimos dias. E nem iria dormir, caso queira que a minha vida estudantil vá bem.
Suspirei, começando a caminhar. Um longo caminho me aguardava, embora a Tia Brunilda tivesse carro. O problema é que depois que ela saía daqui não voltava para casa, ia tratar seus assuntos de extrema importância que, na verdade, eram assuntos de extremo romance com um homem que ela conheceu a pouco tempo, mas que não queria apresentar a família.
Sei disso porque as meninas dessa sala eram, digamos que detetives. Quando não tinham nada a fazer, decidiam investigar a vida pessoal dos seus professores. E como professora Brunilda era minha tia, não hesitaram em vir fazer fofoca para mim sobre ela, esperando alguma reação tão empolgante da minha parte, quer dizer, ela já era adulta, não havia motivo para eu ficar contra ou a favor de suas decisões.
E desde então, depois que eu dei esse tipo de respostas para elas, nunca mais me contaram nenhuma fofoca ao seu respeito. Sinto que fui um pouco fria demais, no entanto, não dava para dar corda para esse tipo de pessoas. Tenho a certeza de que falam mal de mim nas minhas costas, então quanto mais eu me distanciar delas, melhor.
Ah, eu só queria poder entrar em um dos meus livros de fantasias e me trancar lá dentro para sempre. Explorar novas coisas, sabe? Isso é mais divertido do que estar nessa realidade.
Sorri, me envolvendo mais e mais nos meus pensamentos sobre mundos de fantasia. Eu gostava de me imaginar num mundo de fantasia calmo e tranquilo, apreciando uma bela paisagem enquanto tomava um cházinho com uma fada, aí que divertido!
Como era noite, ninguém podia ver a cara de boba que eu fazia enquanto imaginava todo cenário montado. Uns dias atrás, tivesse um sonho em que eu estava num mundo de fantasia bem sombrio. Mesmo que eu tivesse super poderes legais, aquele ambiente tenebroso me apavorava. Desde então, decidi não ler por um bom tempo livros sobre fantasia sombria.
Enfim…
Valeu a pena me perder nesses tipos de pensamento, conseguia ver a minha casa em meio a tantas outras. Finalmente, lar doce lar, era o que eu gostaria de dizer se não tivesse uma montanha de trabalhos a minha espera.
Mas uma noite sem dormir como deve ser…
Lamentei enquanto tirava a chave, que estava em meu bolso para abrir aquela porta.
“Que escuridão é essa?”
Toquei no interromper que ficava ao lado da porta, contemplando a luz das lâmpadas douradas as mobílias da casa, sua pintura e muitas outras coisas. Bem, o mais importante daquela casa estava lá encima no primeiro andar, o meu precioso quarto ou seria biblioteca? Já que haviam umas sete prateleiras de livros, muitos deles com a leitura inacabada devido a minha falta de tempo, por isso aproveitava ler alguns dos livros na sala de aula quando tinha tempo livre.
Me joguei na cama.
Que cansaço…
A preguiça começou a tomar conta do meu corpo, não havia tirado nem as sapatilhas e muito menos o uniforme escolar, que mesclava as cores branco e preto.
Suspirei, olhando para a luz dourada provinda do teto enquanto fechava os meus olhos lentamente, mas mal tive chance de realizar o meu sonho, que era dormir.
— Filha! Cheguei!
A voz do meu pai roubou a chance que eu tinha de finalmente dormir.
Levantei-me da cama e segui andando em direção ao rés-do-chão ao encontro do meu pai. No meio das escadas, pude observar um homem trajado de vestes azul-escuro, um colete da mesma cor cobrindo seu peitoral com o brasão de uma ave do lado do coração.
Ele largava sua sacola numa pequena parede que separava a sala da cozinha.
— Olá, pai!!
Ele direcionou os olhos para mim enquanto eu terminava de descer a escada.
— Por acaso está levando o costume do seu irmão, Milena?
— Como assim, pai?
— De não trocar de uniforme quando chega em casa.
Olhei para mim mesma.
— Não, pai. Acontece que tive um dia muito cansativo hoje, por isso não deu nem tempo de trocar o uniforme.
— Sei.
— Pai…
— O que foi filha? — Ele desamarava aquela sacola.
— Será que você poderia prender a minha colega?
O meu pai começou a rir, enquanto olhava para mim.
— Você com isso de novo? Eu não prendo pessoas por puro capricho, Milena!
— Mas pai… — Caminhei para mais perto, massageando os ombros dele enquanto fazia uns ajustes na minha voz para deixá-la mais fina. — Ela vive me importunando.
— Você sabe que isso não vai funcionar, certo? — Ele começou a retirar algumas de suas compras da sacola para mesa. Eu podia contemplar garrafas de vinho e alguns ingredientes para fazer bolo, já que amanhã era o aniversário da peste do meu irmão.
— Ela é um perigo para sociedade.
— Não exagere, tenho a certeza de que essa tal de Gabriela só quer ser sua amiga. Escute os conselhos da sua tia e dê uma chance de conhecê-la melhor.
Não falei nada.
— Mudando de assunto, eu tenho um presente para você.
— Ué? Não deveria ser para o meu irmão? Já que ele faz anos amanhã.
— É que como estava em promoção, não resisti e comprei. — Ele retirou uma outra sacola e me entregou. — Tenho a certeza de que vai amar!
Ao apalpar a sacola, dava para perceber que eram livros. Um sorriso emergiu dos meus lábios e antes mesmo de abrir a sacola, dei um abraço bem apertado para o melhor pai do mundo.
— Abra então!
— É claro… — Pousei a sacola sobre a mesa e comecei a desmanchar os fios enquanto sorria, no entanto, quando contemplei de quais livros se tratavam, o meu sorriso foi abaixo. — Livros de fantasia sombria?
— Sim, filha. Há dias eu vi você lendo aquele livro de fantasia com um nome estranho e quando eu vi outras versões em promoção, decidi comprar.
“Os meus pesadelos irão voltar com toda certeza.”
— Não gostou?
— Hum, não, é claro que eu gostei! — Pulei de felicidade como eu sempre fazia quando ele me trazia presentes das outras vezes. — Eu super amei!
— Agora sim!
Um som de batidas na porta começou a ressoar, interrompendo o nosso suposto momento feliz.
— Eu vou atender! — Corri em direção a porta enquanto saltava cheia de felicidade para ele não desconfiar que eu não havia gostado dos livros que ele havia comprado. Puxei a maçaneta, abrindo porta e arregalei os olhos ao contemplar quem eu menos esperava encontrar. Um garoto de cabelos negros crespos, que usava uma camiseta azul de mangas cumpridas e uma caça preta que combinava com suas sapatilhas.
— Heitor?
“Q-q-que? O rapaz dos olhos verdes salvador do meu cachorro está na minha porta?!”
Por dentro, eu estava explodindo, mas por fora eu mostrava uma cara bem normal.
— Oi, Milena! Tudo bem?
“Aí, que sorrisinho tão gentil, digo, espera, mantenha o foco Milena!”
— Estou sim — sorri. — Mas… O que veio fazer aqui?
Antes que Heitor pudesse responder a minha questão, a voz do meu pai ressoou por os nossos ouvidos:
— Milena, quem está na porta?
— É um colega da escola, pai! — Sai para fora e fechei a porta.
— Eu quero te mostrar algo importante! Você precisa vir comigo agora! — Ele segurou as minhas mãos.
“Q-Q-Que?!”
O meu coração começou a acelerar, as minhas bochechas foram ficando avermelhadas.
— E-Essa noite, H-Heitor?
— É uma surpresa!
— S-Surpresa?
O meu coração não parava de pulsar. Retirei imediatamente as minhas mãos das deles e suspirei levemente.
— Tem a ver com o espaço.
O meu ponto fraco. Pensando bem, acho que sei o que o Heitor quer me mostrar… Lembrei agora que haviam anunciado na TV que hoje teria chuva de estrelas cadentes.
“Aí que fofo da parte dele vir me convidar para ver chuva de estrelas, mas não vou contar para ele que já sei da surpresa dele.”
— Tudo bem… Eu só não posso demorar, porque o meu pai acabou de chegar do trabalho e eu tenho que preparar algo para ele comer, além do mais… eu ainda não troquei de—
— Milena… — Ele tocou nas minhas bochechas e eu respondi sem jeito.
— Hãm?
— Vamos, antes que comece, digo, vamos! — Ele pegou na minha mão e me puxou. Eu arregalei os olhos enquanto era arrastada por aquelas mãos gentis. Meus coração não parava de bater contra minha vontade.
Corríamos por aquela rua toda iluminada, ao som do vento que sibilava sobre os meus cabelos negros. Pude contemplar a correria dos carros, enquanto andávamos pelas bermas das ruas, nos distanciando cada vez mais da minha casa.
Chegamos perto a um bosque escuro e eu imediatamente parei ali mesmo, sentindo medo daquela escuridão.
— Heitor, não tem outro lugar para vermos a chuva de estrel— — Tampei a minha boca, havia revelado sua surpresa.
— Tem uma praça ao céu aberto no bosque onde podemos ver melhor as estrelas, só nós dois.
— S-Só nós dois?!
— Sim, vamos!
Me deixei arrastar por aquelas mãos em direção ao bosque que ficava a algumas quadras da minha casa.
“Não acredito que o meu intelecto está sendo afetado por um homem. É sério isso?”
Ele parou e eu suspirei cansada de tanta correria, mas não estávamos perto da praça, estávamos perto de um poço sujo, vazio e cheio de videiras.
— Por que paramos?
— Sinto muito, Milena… — Seus traços começaram a se contorcer em uma expressão de tristeza. Aquele sorriso gentil havia desaparecido.
— Como assim “sente muito”?
— Eu sinto muito.
De novo isso.
— Ok, Heitor. Você está me assustando. Me diga o que está acontecendo aqui… — Enquanto eu exigia uma explicação, um pano envolveu a minha boca. Tentei resistir enquanto me debatia em desespero para fugir daquelas mãos que me sufocavam cada vez mais.
Os meus olhos turvos, fechavam lentamente, enquanto eu contemplava a lua cheia.
“Por que, Heitor?”
A pessoa me deixou cair no chão e se aproximou do Heitor, ela estava encapuzada.
“Eu confiei cegamente em você, Heitor…”
Mas aquela traição do Heitor não foi o que mais me deixou boquiaberta, foi, na verdade, com quem ele me traiu… Aquela voz irritante ressoava pelos meus ouvidos.
— Pronto, Gabriela. Está satisfeita?
— Sim, você fez um bom trabalho em atrair essa víbora para esse bosque.
Gabriela soltou uma risada, e continuou:
— Agora tire o celular do bolso dela e atire-a ao poço.
— Isso é cruel demais. Ela pode acabar se ferindo!
— Pouco me importa. Jogue-a logo.
— Não. Eu vou pelo menos enrolar uma corda nela e descê-la. Eu não quero ser responsável se ela se ferir gravemente.
—Tudo bem. Faça como quiser.
Apaguei.
(…)
Horas depois, acabei acordando naquele poço vazio, bem no fundo.
Ainda não me vinha a realidade do que havia acontecido. Heitor se aproveitou dos meus sentimentos para acabar comigo junto daquela ogra. Despejei lágrimas sobre aquele chão todo empoeirado, contemplando teias de aranha.
Uma luz chamou a minha atenção, era o celular que estava no meu bolso. Estava todo quebrado, mas ainda funcionava. A primeira coisa que vi foi um áudio de aproximadamente 40 segundos. Coloquei o play na gravação.
Transcrição de áudio:
“Milena, como você está? Ops, desculpa! Você provavelmente não está bem. Hahaha…! Enfim, isso é por você ter mexido comigo. Não se preocupe, você só vai passar um dia nesse poço. Você vai refletir sobre tudo que têm feito comigo. Espero que quando você sair daí, aprenda a se colocar no seu devido lugar. Tenha uma boa noite, ou seria péssima noite? Hahaha…!
tchauzinho!
“Não exagere, tenho a certeza que essa tal de Gabriela só quer sua amiga.”
— Pai… você estava errado… — Cerrei os punhos enquanto franzia o cenho.— Gabriela é inimiga! E o Heitor também!
Direcionei os meus olhos para aquela lua cheia, enquanto despejava lágrimas de dor.
— Não vou esquecer isso! — Bati o punho naquele chão empoeirado. — Não vou mesmo!
Anunciando: <<Condições cumpridas para a invocação>>
— O que?
Anunciando: <<Você foi escolhida como a sétima guerreira de Evelgrand>>
“Uma voz robótica?
O que está acontecendo comigo?
Sétima guerreira…?”
Os meus olhos se fecharam, contemplando por último aquela lua brilhante.