A Sétima Guerreira - Capítulo 3
As minhas pálpebras se remexiam. Quando abri os meus olhos, pude contemplar aquele céu azul.
Afinal de contas, não passava de um sonho… sim, foi tudo um sonho. Era o que gostaria de dizer, no entanto, se fosse um sonho, eu não estaria deitada sobre uma grama, ao lado do suposto poço ao qual fui jogada.
“Bem, agora que estou fora, hora de planejar a minha vingança contra àqueles dois.”
Me levantei daquele relvado, respirando aquele ar puro que preenchia os meus pulmões.
“Mas eis a questão, quem terá me tirado do poço? E por que me deixou aqui?”
Avancei ao poço, buscando por respostas. Pelo que eu sabia, nesse bosque não havia nenhum tipo de moradores, era um lugar abandonado e isolado da cidade, por isso a Gabriela e o Heitor escolheram esse local para que os meus gritos não alcançassem ninguém.
“Mas bem, quem se importa com respostas? O importante é que eu estou livre. Gabriela e Heitor que me aguardem.”
Depois de observar o poço, comecei a caminhar, no entanto, não me lembrava de ter visto uma árvore tão grande e velha ontem a noite. Acho que deve ter passado despercebido, já que eu estava cega de amor.
— Ei! — Uma menina muito branca vinha correndo em direção a mim enquanto carregava uma sacola castanha.
“Oh, acho que foi ela quem me salvou.”
— Vejo que acordou!
— Sim! Muito obrigada!
Quando próximas, arregalei os olhos ao olhar de perto aquela menina. Nossa… como ela parecia um elfo. Olha esses olhos azuis cristalinos, essa pele tão branca quanta a neve, o cabelo prateado e as lindas orelhas pontudas…
— Sei que pode parecer meio incoveniente, mas você por acaso vai para alguma festa de fantasia?
— O que é festa de fantasia?
— Como você não sabe? Bem, é um evento onde pessoas vão disfarçadas de seus personagens favoritos. Por exemplo, isso que você está usando.
— Fala dessa roupa? — ela puxou um pouco de suas roupas, que lembravam os tempos medievais.
— Falo de tudo. Nossa… — Cheguei mais perto, analisando aquela fantasia. — Você é muito habilidosa! — Toquei nas suas orelhas e ela se arrepiou um pouco. — É tão realista… você parece uma elfa de verdade.
— Mas eu sou uma Elfa de verdade!
— Sei! Sei! Eu gosto de pessoas como você, que encarnam o personagem, sabe? — Soltei um sorriso, lembrando por um momento dos tempos em que eu usava fantasias. — Em tempos já fiz isso, mas hoje em dia sinto um pouco de vergonha.
— Você está falando coisas estranhas, sétima guerreira.
— Hã?
“Me lembro de ter ouvido algo assim antes de ter perdido a consciência.”
— Você é a sétima guerreira. — Ela apontou para minha mão. E eu a levei aos meus olhos, caindo de susto no chão:
— O que é isso?
Arregalei os meus olhos, observando uma tatuagem, que ilustrava uma coruja e um número sete ao redor.
— Bem vinda a Evelgrand, a nação dos elfos! Meu nome é Handgrich, a responsável por te invocar para esse mundo.
— Evelgrand? Nação dos elfos? Que brincadeira de mau gosto é essa?!
— Não é brincadeira, estamos na nação dos elfos!
Ela sorriu.
— Quero uma prova de que eu não estou sonhando. Se for de fato uma elfa, prove aqui e agora!
Ela colocou a mão no queixo, pensando na desculpa que iria inventar.
“Bem, eu não tenho mais tempo para esse tipo de brincadeira, preciso retornar a minha casa. Creio que ainda deve dar tempo para passar no mercado e comprar um presente para o meu irmão. E, além do mais… Eu tinha que terminar de transcrever 50 páginas daquele livro, aí que droga!”
— Escuta, estou indo, não tenho tempo para brincadeiras. Tenho muitas coisas para fazer.
— Isso serve… — Um tornado de vento surgiu na palma de sua mão direita e eu desmaiei depois de ter visto o sobrenatural acontecer diante dos meus olhos. — Que raça mais estranha. Ela é mesmo a sétima guerreira?
(…)
Algumas horas depois
Os meus olhos se abriram novamente e eu tomei um susto quando vi aquele elfo, digo, aquela menina fantasiada me encarar novamente. Que sonho tão ridículo foi aquele? Nem acredito que ela tentou me enganar fazendo um truque de mágica tão bom quanto aquele, eu acho…
— Não fuja das suas responsabilidades, sétima guerreira!
— Eu não sou essa tal sétima guerreira!— Me levantei e segui caminhando em direção a casa, mas, no meio do caminho, senti meus pés deixarem o chão.
Eu estava levitando?
Comecei a flutuar enquanto o enorme vento que saia das suas mãos balançavam os meus cabelos, causando arrepios na minha pele.
— Eu… estou… Voando?
Arregalei os meus olhos enquanto boiava no vento produzido pelas mãos daquela elfa, mas logo aquela sensação de vôo foi-se embora, ela desceu suas mãos. Pousei no chão levemente enquanto o espanto tomava conta do meu rosto.
Eu, Milena, havia sido transportada para o mundo de fantasia…?
Me deitei no chão.
“Ah, Milena, mas isso deve ser um delírio da sua cabeça, não é? Deve ser apenas um sonho. Mas não tem como isso ser um sonho, tudo, absolutamente tudo aponta que esse mundo aqui é tudo menos a terra!”
Mesmo que eu tentasse negar com todas as minhas forças, eu realmente estava em outro mundo. O meu desejo finalmente havia se realizado.
Agora só resta saber mais sobre esse mundo e aproveitar o quanto eu puder, vai que depois eu acabe acordando e perceba que era apenas um sonho.
— Tudo bem, elfa, eu acredito. — Levantei-me, observando aquela elfa caminhar em minha direção. — Me conte mais sobre esse mundo.
Ela suspirou de alívio e veio sentar ao meu lado.
— Na verdade, foi uma falha você estar aqui.
— Falha?
— Sim, era para ter vindo um elfo. Esse é o normal da guerra pela sobrevivência.
— O que?
“Por favor que não seja fantasia sombria! Eu não fiz nada para merecer esse pesadelo.”
— Sim, e você é a guerreira que carrega a responsabilidade de defender a raça dos elfos.
— Me explicar isso direito… — Comecei a ficar desesperada, meu coração começou a acelerar em perplexidade do que poderia vir a acontecer.
Guerra pela sobrevivência?
Isso não me cheirava nada bem, meu indicador de perigo mental apontava para o vermelho.
— Bem…
Pelo que pude entender pela explicação da elfa, é que uma maldição chamada devastação acometeu doze raças. Essa tal maldição causou vários desastre naturais no mundo das doze raças, deixando tudo em um completo caos. Suas colheitas, casas, entre muitas coisas foram devastadas pela maldição que surgiu de forma espontânea. No entanto, no meio daquele todo caos e desespero, a voz do mundo ressoou sobre o mundo, anunciando a guerra pela sobrevivência.
A cada raça foi lhes concedido o poder de invocação para trazer de volta a vida os guerreiros antigos, os mais fortes guerreiros de cada raça para lutarem por suas nações. Até o momento cinco guerras foram travadas desde a grande catástrofe, resultando na eliminação de cinco raças.
E agora, sete anos após a última guerra, uma nova guerra pela sobrevivência está prestes a iniciar e com isso, cada raça tende realizar as suas invocações. Só que quando Handgrich desenhou as runas no lugar onde supostamente era a morada de um guerreiro elfo antigo, e eu acabei aparecendo no lugar desse elfo.
Coloquei a mão no queixo, fazendo uma análise de todas essas informações.
“Parece que eu vim parar a um mundo de fantasia sombrio, onde raças lutam pela sobrevivência e os personagens centrais da narrativa são os guerreiros invocados que carregam a marca da raça em seus corpos. E ao que parece, eu, a invocada por falhanço dessa elfa, acabei assumindo o papel da sétima guerreira. Definitivamente, isso não é para mim.”
— Ei, tem alguma forma de eu regressar ao meu mundo?
— Hum, não sei direito… — A elfa balançou a sua cabeça. — Mas quando os guerreiros daqui voltam para as suas tumba depois que morrem, então acredito que se você morrer poderá retornar ao seu mundo.
Não custa tentar.
— Tem uma corda ou uma faca aí?
— É sério que você vai mesmo tentar se matar?!
— Perdão, mas eu recuso me tornar a sétima guerreira da sua raça, Handgrich.
— Quê? Por que?
— Em condições normais eu estaria feliz por ter sido invocada a um mundo de fantasia cheio raças e universos para desvendar, no entanto, isso não se aplica ao seu mundo… Sem chance que eu vou participar de uma guerra sangrenta pela sobrevivência! — Olhei para aquela elfa seriamente enquanto me levantava daquele relvado. — Invoquem outra pessoa.
— Acontece que só nos é dado o poder de invocar uma única pessoa a cada sete anos.
— Então se eu morrer, vocês podem invocar outro guerreiro!
Pelo menos era isso que eu li naquele livro de fantasia sombria idiota. Eles matavam o herói inútil e invocavam um outro.
— Não tem como saber se isso vai dar certo. — Ela levantou-se do relvado com o rosto apreensivo.
Comecei a andar.
Eu tinha a certeza de que esse mundo era réplica daquele livro de fantasia sombria idiota.
— Eu acredito piamente que eu retornarei ao meu mundo após ser morta. Vai ser doloroso, mas pelo menos não enfrentarei monstros como goblins.
— Globins foi uma das primeiras raças a serem eliminadas.
— Tá vendo? — Parei, olhando para ela.
-—Todavia, nenhum guerreiro invocado havia recusado cumprimir o seu papel.
— É claro que não recusariam, afinal é a raça deles.
— Não sabemos o que pode acontecer com a sua morte, sétima guerreira. Por favor, repense a ideia, tudo agora é incerto.
— Para o começo de conversa, eu não tenho magia.
_ Agora que falou nisso… — Ela franziu os olhos para mim. — Não consigo sentir a sua mana.
— Exatamente, eu seria apenas um fardo.
— Não pode ser… — Ela ficou cabisbaixa. — Como a raça humana não tem magia? Todas as raças tem.
Não me lembrava de ter mencionado que era da raça humana, como ela sabia disso?
— Tem outros humanos aqui?
— Não, você é a primeira humana nesse mundo.
— Então como sabe que sou humana?
— Porque eu li a sua mente. É uma das minhas habilidades élficas.
— Ah, entendi. Então eu sou uma raça solitária nesse mundo tenebroso.
Pelo visto nem tudo era como aquele livro de fantasia sombria, quer dizer, em todos os livros que já li sempre tem humanos, mas aqui nesse mundo era totalmente diferente. Eu era única e como se não bastasse, não tinha magia… O quão terrível ficou a minha vida?
— A raça humana não tem nenhuma habilidade mesmo?
— Para falar a verdade, temos uma habilidade chamada ciência.
— Então você pode lutar usando ciência!
— A ciência não é tão fácil usar, ela envolve muita lógica e depende muito de recursos minerais. E sem contar que, não é como se ciência fosse combater magia.
— Se é o que a raça humana tem de habilidade, vamos usar!
Ela cerrou os dois punhos com um sorriso.
— Você ouviu o que eu acabei de dizer?
— Eu ouvi, mas se você foi invocada como guerreira significa que você tem potencial!
— Foi uma falha, não foi? E, geralmente, falhas não tem nenhum potencial para mostrar, apenas fracasso. Ainda que tente me persuadir, eu me recuso a participar dessa guerra.
— A raça élfica tem perdido guerras após guerras, só sobrevivemos porque não ficamos em último, mas ainda assim… — Ela mordeu os lábios. — Ainda assim sofremos os efeitos da derrota. Colheitas são devastadas, pragas são lançadas e ainda temos que lidar com a raça vencedora que tem direito de escolher qualquer coisa que lhe seja útil das raças perdedoras. E como deve saber, a raça élfica está entre as mais belas do mundo, sendo assim, o que Evelgrand tem oferecido são os elfos.
Dessa última parte eu não sabia não, mas enfim, continuei observando aquela elfa se lamentando.
— Eu já perdi quase toda a minha família por causa dessa guerra…
Lágrimas vertiam dos seus olhos. Ver aquilo realmente me tocou. Caminhei em direção àquela elfa e a dei um abraço enquanto afagava os seus cabelos prateados.
— Calma, sim?
— Por favor… – Sua voz baixinha e melancólica ressou sobre os meus ouvidos. — Pense ao menos nas crianças…
— Eu sinto muito, mas eu seria apenas um peso morto…
— Eu te darei todo e qualquer suporte mágico que precisar. Ainda que não tenha poderes mágicos, tenho a certeza de que os elfos vão te apoiar! E quanto a essa habilidade humana, eu te ajudo a usá-la, mas por favor, peço que não desista.
Com ela falando desse jeito, torna-se impossível recusar. Céus Milena, esse seu coração de gelatina ainda será a sua ruína.
— Tudo bem, Handgrich. — Continuei afagando seus cabelos enquanto observava as nuvens do céu. — Eu, Milena, aceito me tornar a sétima guerreira e juro lutar pela nação dos elfos, mesmo que custe a minha vida.
“Eu vou me arrepender de ter dito isso!
Eu vou me arrepender!
Mesmo a frase tendo soado legal, eu vou me arrepender!”
— Obrigada… Obrigada… Obrigada!
Uma chuva de agradecementos ressoou pelos os meus ouvidos por um bom tempo.
Parece que é isso mesmo, eu, Milena Naroelle, oficialmente assumi o papel de sétima guerreira.
“Eu realmente vou me arrepender disso.”