Amor e Dinastia - Capítulo 1
Boteco Red Human’s
Depois do estopim
“Você ouviu os boatos?”
“Parece que ela foi vista na cidade.”
“Aqui? Não brinca!”
“Sério, cara, é por isso que as ruas estão desertas.”
“As pessoas acreditam em tudo hoje em dia, é só uma lenda.”
“Traz mais uma bebida aí!”
Eu escutava os sussurros e observava a chuva através da janela do bar.
— “Uma lenda” parece que temos mais um título pra lista, além de: espírito vingador, anjo de cabelo azul, espectro…
— Bons títulos — James tomou um gole de whisky — mas prefiro o bom e velho “serial killer”.
— Você estava certo; o povo daqui fala demais — respondi.
Bebi a limonada que mais parecia uma água com gás.
— Espero que não tenhamos vindo para cá perder tempo.
— O que quer dizer? — Perguntei, sabendo o que ele queria dizer.
James tomou o último gole de whisky, bateu o copo na mesa e me encarou de forma ríspida.
— Me responda: quando chegar a hora, você vai estar preparado para enfiar essa bala no crânio dela? — Disse apontando para a arma na minha cintura.
Voltei meus olhos para a chuva, que agora parecia mais violenta, bem como a iluminação vermelha do local, mais intensa.
— Eu sempre estive preparado.
Pela lateral, podia ver os olhos de James me confrontarem como se quisessem me dizer “ela está além da redenção com as coisas horríveis que fez.”
Na verdade, foi o que ele disse quando chegamos na cidade.
Aos poucos, o barulho do ambiente parecia esvanecer.
O silêncio era o réquiem das memórias que se contorciam na minha mente.
Foi então que, de repente, o estrondo de um relâmpago queimou as luzes do boteco.
Os olhos de todos se voltaram para a porta de entrada, que estava aberta, com uma silhueta compondo o quadro.
O clarão do relâmpago revelava os cabelos azuis. A luz não incomodava tanto quanto o que eu acabara de ver.
Só então, naquele momento, percebi que:
Não. Eu não estava preparado.
★★★
Cidade das estrelas
Antes do estopim
Encontrava-me em meio a lamentações de um trabalho até então frustrado.
Acreditei estar perdendo tempo nos “e ses” dessa possibilidade, e por isso me arrisquei nessa jornada pelo desconhecido.
Sempre que estive a um passo de desistir, lembrava-me do incidente, e isso me motivava a continuar.
A noite em que fomos pegos pela nevasca sempre esteve presente nos meus pesadelos.
Lembro da avalanche arrastando meu corpo e o do meu pai ladeira a baixo, bem como o esforço que ele fez para me abraçar e me proteger do impacto que viria em seguida pela queda no desfiladeiro.
Lembro dos gritos de desespero da minha alma ao ver o corpo de meu pai por debaixo do meu, morto. E de não conseguir chorar, pois a dor física da queda era insuportável.
Tão pouco esqueci da forma humanoide aparecendo com uma espécie de pedra vermelha ou sei lá o quê, ressuscitando meu pai.
Não sei descrever com exatidão seus aspectos físicos, mas vestia um manto acinzentado, e não era possível ver o seu rosto, pois o capuz o cobria.
Eu tenho uma teoria: Ele não é desse mundo, talvez um alienígena ou não sei. Mas com certeza deve vir de um mundo onde não há morte, pois se fosse o caso, não traria uma pedra que gera a vida.
” Quem? o quê? E por quê?” Como um ioiô, essas questões iam e voltavam em minha mente. Mas o que passou, passou.
Minha ambição era desvendar os poderes da pedra que a forma humanoide deixou para trás, como a mesma fez diante dos meus olhos.
Esperava que — seja lá o que fosse aquilo — aparecesse novamente e me explicasse, Tintin por Tintin, como usá-la.
Pois esperei sentado. Levando em consideração que já fazem uns 10 anos desde o ocorrido, tive de arregaçar as mangas e tentar por conta própria.
Apesar de não ter conseguido despertar poder algum, não é de todo ruim. Os experimentos com a pedra trouxeram descobertas, que não só geraram mais lucro a nossa família, mas também contribuiu com o avanço de fórmulas medicinais.
A família Foster está revolucionando a cidade das estrelas. Vida longa aos Foster!
Ass. Joshua.
Abri os olhos, já era manhã. Nem me recordo da hora que comecei a me enfiar nessa loucura novamente.
“Lembre-se de quem você é” olhei para uma anotação que fiz durante a madrugada — caso eu perdesse a sanidade — minutos antes de cair em sono profundo.
Recolhi mais algumas anotações que estavam espalhadas pelo chão e arrumei em cima da mesa.
“Platão: o mito da caverna” será que ele também teve a mesma visão que eu?
Olhei para o relógio que marcava 6horas e 37 minutos. Devo ter dormido 2 horas essa noite — pensei.
Droga! Também lembrei que prometi a mamãe de leva-la ao aeroporto, mas a essa altura do campeonato ela já está no avião. Merda, merda, merda.
Soquei repetidamente minha cabeça em auto reprovação.
Tinha um misto de sensações enquanto observava o quadro rabiscado com cálculos; parecia estar tão perto de descobrir, mas ao mesmo tempo tão longe.
Abafei meus pensamentos longínquos enquanto arrumava minhas coisas para ir à escola.
Meu semblante cansado diante do espelho não me soava ruim. Talvez a beleza, que puxei de minha mãe, disfarçasse as noites perdidas — tentava enganar a mim mesmo.
— Josh!
Ouvi batidos na porta, era meu pai.
— O café está pronto, não demore.
— Estou indo!
Quando cheguei na cozinha, fui surpreendido com um banquete — algo que não era muito comum quando só eu e ele estávamos em casa.
Fiquei analisando a variedade de alimentos postos na mesa, ao mesmo tempo que tentava entender o porquê do prestígio.
— Ah! Michelle fez seu bolo favorito, pediu para lembra-lo de guardar na geladeira e usar guardanapos caso queira levar para faculdade.
— Sempre tão cuidadosa… me sinto mal por ter prometido acompanha-la até o aeroporto e…
— Não faça promessas que não pretende cumprir. Ela já vai completar meia hora de viagem.
Balancei a cabeça em negação e sentei na cadeira: — Quando ela volta?
— Não sei, mas tenho sorte de ter aprendido a cozinhar com ela. Nada melhor do que um homem independente — ele falou, enchendo a boca com pães de queijo e apontando para mim.
— Eu gosto quando você deixa os ovos passarem um pouco do ponto — assenti, degustando a omelete — o gosto torrado é como a cereja do bolo.
— Concordo. Mas não diga isso a sua mãe — ele falou rindo, arqueando as sobrancelhas em tom de brincadeira.
Jogamos conversa fora como de costume. O ambiente leve que meu pai proporcionava durante o café da manhã era algo mágico.
Ele sabia preparar o terreno antes de entrar em assuntos sérios.
— Além de sua mãe viajar para fechar o contrato da compra do cassino de La Fuego, hoje serei oficialmente nomeado como parte dos 7 do conselho da cidade.
Deixei escapar um sorriso que vinha da alma.
— Pai, isso é incrível! Estamos definitivamente em ascensão!
Por mais feliz que eu estivesse, não era uma surpresa.
O investimento injetado em pesquisas para o desenvolvimento de remédios a partir da pedra de jaspe foi um ponto crucial para que isso acontecesse.
— Não se deixe levar! — Ele chamou minha atenção — para cair, basta estar no topo.
E continuou:
— O conselho confiou a mim a responsabilidade de gerir pesquisas no campo da medicina. Até me deram carta banca para abrir meu próprio instituto.
— Uau!
— Quero que você esteja nessa comigo, Josh. Diferente de tudo que estamos envolvidos, esse é um negócio totalmente lícito! E me sinto muito bem em investir nisso.
— Pai, você só me enche de orgulho. É claro que estou nessa com você, estamos juntos, sempre!
— É assim que se fala. Agora aproveite a comida, não quero ver nada sobrando por aqui.
Apesar dos avanços nas pesquisas, ainda estávamos longe de extrair o potencial… o potencial que vi com meus próprios olhos.
— Pai… como andam as coisas com o Hiran?
— Estamos fazendo o possível. Mas há coisas que não podemos evitar, e que estão fora do nosso alcance.
— O que quer dizer?
— Eu tive uma conversa com Aphelios, abri o jogo sem falsas esperanças. A situação do pai dele é grave, até mesmo para a pedra de jaspe. Ainda não temos uma droga forte o suficiente para neutralizar a bactéria.
— A última vez que o encontrei, ele estava irreconhecível — falei, afastando o prato com algumas sobras.
— Não é para pouco, se trata de uma doença hereditária, ou seja…
— Meu Deus! — Exclamei.
— Pois é… Agora preciso ir — ele se levantou da cadeira em direção a porta.
— Espera! — O interrompi — se você foi ressuscitado pela pedra, então isso significa que ela pode muito mais do que imaginamos.
— Josh, essa histór-
— Então, e se não for desse mundo? — Levantei da cadeira acompanhando seus passos. — Quero dizer… talvez a gente precise usar outros métodos para alcançar o potencial.
— Do que você tá falando? — Ele questionou ajeitando o terno, quase me ignorando.
— No outro lado cidade… o ponto baixo.
— O ponto baixo?!
A minha sugestão fez com que ele parasse de arrumar a gravata, ficando desajeitado.
— O ponto baixo — reafirmei — eles têm cartomantes, feiticeiros, essas coisas espirituais…
— Josh, meu filho. Você consegue ouvir o que está dizendo?
— Pai, não é nenhum absurdo, pense um pouc-
— Joshua. Não visitamos, não jogamos xadrez, não fazemos negócios com o ponto baixo — seu tom de voz aumentou.
— Pai, eu sei, mas-
— Não existe nada de bom naquele lugar — ele chegou mais perto: — vai por mim, não vai querer se meter com aquela gente.
— Entendi.
— Ótimo, já deu meu horário. Vai querer carona?
— Claro, pai.
Durante o trajeto até a universidade, pensei em como teria surgido o ponto baixo, e porque eles também não se desenvolveram tanto quanto nós.
E o porquê alguém poderoso como o meu pai — e as outras famílias — temem a esse lugar.
Desde criança escutava os boatos: Um lugar sombrio, onde habitara gente de má índole, feiticeiros e pessoas imundas.
Esses eram os boatos, mas nunca pude confirmar de fato. Se há uma regra exigente entre as 5 famílias é “não fazer negócios com o ponto baixo.”
— Cuidado com o que você vai comentar com Aphelios — ele chamou atenção — as famílias não sabem que eu sou o investidor por trás dos interesses do governo. Já é difícil manter a bola relação com eles desde que fui aliciado para o conselho.
— Eu entendo, não direi nada.
— Que bom que essa pedra chegou a nós, mas não sabemos como eles reagiriam em relação a isso. Seria mais um motivo para disputas e guerras.
— E quando você propôs o acordo de paz, foi justamente para evitar isso…
— Exato!
Tentei não pensar em nada durante o caminho, gostava de olhar a paisagem.
Peguei no sono e acordei com meu pai buzinando.
Ele estava com um sorriso escancarado de um crianção
— Pai, mais uma vez, parabéns pela nomeação, você é o melhor.
— Não mais que você — ele falou, suspendendo o punho em forma de cumprimento.
Devolvi o cumprimento e saí do carro.
Sempre estive envolvido nos negócios da família, eu sabia de cada detalhe. Até os segredos que ele não confiava a minha mãe: eu sabia.
Quando enfim cheguei na universidade, mal entrei na sala da monitoria e já fui recebido com uma pergunta infortuna, da garota mais infortuna do colégio.
— E então, qual a aposta de hoje? — Madalena perguntou.
— Que tal você apagar aquela minha foto ridícula do seu celular?
— A do meu plano de fundo? Sem chance, isso é inegociável — respondeu enquanto prendia o cabelo.
— Seu querido avô deve se remoer no caixão com você tendo a foto de um Foster como papel de parede.
— Os mortos não se mexem, bobinho — ela ironizou.
— Você acha que esse tempo todo nós fomos uma espécie de Romeu e Julieta? — Brinquei.
— Não, eca! Eles ficam juntos no final.
— Na verdade, eles morrem juntos no final.
— Talvez, mas eu não pretendo morrer primeiro que você.
— Se for pelas minhas mãos, você nem vai ver de onde veio a bala, bobinha.
— Então você vai ser do tipo covarde, que atira pelas costas?
— Eu vou ser do tipo “sem misericórdia.”
— Até parece… você mal notifica seus amigos vândalos.
— Como se você ligasse… nós dois sabemos que você só é monitora pelo ego da competição.
— Ai, essa doeu — ela caçoou, colocando a mão sobre o peito. — A universidade já vai abrir, não demore.
— Madie…
Ela estava saindo pela porta quando parou e virou metade do rosto, sem olhar para mim.
Eu continuei:
— Até quando vamos adiar, ignorar, ou fazer piada com essa situação?
— As mexas azuis já estão saindo…droga — disse ela, olhando para a câmera do celular.
Ainda sem me direcionar o olhar, respondeu:
— Ainda temos um ano, não apresse as coisas.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Ou você tá querendo morrer agora? — Madie fez um gesto de arma com a mão e apontou para mim.
— Tenho a sensação de estar perto de conseguir algo — menti.
Não precisei dizer muito para ela entender do que se tratava.
— Ainda trabalhando naquela ideia maluca?
—Sim… estou tentando com física quântica e a teoria dos cálculos — falei, me aproximando dela.
— Não precisamos carregar as maldições hereditárias das nossas famílias.
— Joshua, você sabe que…
— Me dê uma chance! Ou melhor, me ajude! Estamos avançando com pesquisas medicinais, mas sei que há de conseguirmos mais que isso.
— Josh, a paz é uma utopia. Admiro sua ambição, mas não existe paz entre a gente, nunca vai existir. Somos como água e óleo.
Pela primeira vez, desde que entrei na sala, ela me encarou nos olhos:
— Estou saindo, Josh…
Segurei a maçaneta da porta impedindo que ela fechasse.
— Tente enxergar ao menos um motivo para tentar. E se for só um, ainda assim valeria apena.
Mesmo que suave, o barulho da porta fechando era ensurdecedor.
Ela cresceu…. nós crescemos… parece que foi ontem que eu a encontrei pela primeira vez, e que fui expulso da casa de seus pais quando descobriram quem era minha família.
O acordo de paz proposto pela minha família permitiu com que a gente se aproximasse de novo, mas com sérias restrições. Os Foster e os Chevalier.
Apesar de tudo, ela ainda quis ser minha amiga. Mesmo que escondido dos pais.
Por muito tempo acreditei que poderíamos acabar com isso, que poderíamos fazer um acordo quando fôssemos maduros.
Mas eu fui ingênuo, não era tão simples assim. Ela parecia estar decidida a continuar com o legado da família.
“Nunca vai existir paz entre a gente” reverberava como agulhas furando meu peito.
Visão Madalena
Não acredito que Josh me deixou sozinha nessa. Ele sabe que os primeiros dias de aula são os piores: novatos… registro de turmas… novatos…
Se ele pensa que vou encobri-lo como no ano passado está muito enganado. Oh se está!
E esse ano parece que tem mais novatos ainda. Argh!
Tentei me concentrar na lista de relação de alunos sem deixar que a fúria por Josh me consumisse, mas era difícil.
No entanto: era óbvio. Não era a lista de alunos que estava me incomodando, mas me fazia pensar que sim.
O que aconteceu no verão passado foi um grande erro.
Quase uma hora em pé e ouvindo cochichos sobre o quão a monitora de mechas azuis é gostosa.
Enfim todos estavam em suas devidas salas e, como de costume, eu estava atrasada para a aula de biologia molecular.
E nem sinal daquele idiota…
— Você me parece tensa, Madie.
Escutei uma voz familiar falando atrás de mim.
— O-oi, Aphelios! — Respondi meio sem jeito.
— Você tem um minuto? Prometo não demorar.
Não tenho não.
— Claro!
Geralmente as pessoas ficavam desconfortáveis perto de mim, porém, com Phel, as coisas se invertiam.
— Josh não deveria estar aqui também? — Ele questionou.
— Se conheço bem o Josh, está dormindo na sala da monitoria.
— É bem provável — ele riu.
— É né…
— Mas você deu conta, é uma mulher forte. Conseguiu criar sua irmã praticamente sozinha, sem abaixar a cabeça para as circunstâncias. E isso é admirável.
— Por que está me dizendo isso? Que repentino…
— Eu sei reconhecer uma característica nobre em alguém, lamento não ter dito para você antes.
— Hum. O seu pai que mand…
— O meu pai está morrendo, Madie.
Aphelios tinha comentado sobre a situação de seu pai, mas não sabia que as coisas haviam piorado.
— Eu sinto muito, Phel.
— Eu e minha mãe estamos na frente dos negócios, mas boa parte fica por minha conta, ela não está sabendo lidar. Ele não tem muito tempo, Madie.
Para mim, era difícil lidar com a fragilidade de alguém que, na maioria das vezes, se mostrava forte.
Phel se aproximou e continuou:
— Você sabe que os nossos laços sempre tiveram um prazo de validade, uns mais cedo, outros mais tarde. Por outro lado, o histórico de parcerias entre a minha e a sua família é um fato.
Fui surpreendida com uma fotografia de alguns jovens reunidos em uma boat antiga da cidade; demorei um pouco para perceber que se tratava de nossos pais.
— Nossa! A mamãe sempre foi linda. Eles pareciam muito felizes! — Comentei, refletindo sobre a nostalgia da foto.
Não pude deixar de notar seu esforço em segurar as lágrimas, Phel parecia estar bancando o coração de pedra, que aparentemente estava rachando.
— Surrando, ele disse: Se as outras famílias descobrirem a situação de meu pai, virão com tudo para cima de nós. Você e Josh estão cientes porque confio em vocês, por serem meus possíveis parceiros.
Um tanto inocente de sua parte. Quando ouvi “meu pai está morrendo, Madie” o primeiro ato foi me sensibilizar, mas com o decorrer da conversa comecei a imaginar o tanto de possibilidades que essa informação me traria.
Droga, Madie… em que você está pensando? O pai dele está morrendo.
Eu ainda tinha um ano para avaliar quem seriam os meus aliados, e quem eliminaria do meu caminho. A família de Aphelios tem muitos hotéis e cassinos pela cidade.
Pare, pare, pare!
Ele sussurrou ainda mais: — Então, o que eu proponho é isto: uma parceria entre a gente. Tenho peças que podem ser interessantes a vocês. E em troca: peço proteção por um tempo.
— Phel. Isso é muito repentino. Não estou ignorando a situação de seu pai, mas preciso pensar, tudo bem?
Percebi que a resposta que dei não era a que ele esperava. Seu corpo respondeu se afastando de mim.
— Eu entendo. Só peço que não demore, e que também não comente com ninguém sobre o que eu te falei.
Afirmei com a cabeça.
Me despedi e saí depressa para a aula de biologia molecular. Eram coisas demais para processar, e tudo isso em uma manhã. Liguei várias vezes para o imbecil do Josh, e só dava caixa.
Que se dane! Não sou nenhuma babá — pensei alto enquanto abria a porta e me deparava com Josh, em pé, com um caderno de anotações.
— Atrasada, mocinha.
— Josh…
Tá pensando que só porque é monitora pode abusar dos seus poderes?
— Josh…
— Vai ficar depois da aula! — Ele falou, me dando um papel de notificação.
Peguei o papel, rasguei em pedacinhos e joguei os fiapos em sua cara sínica.
Ficar depois da aula? Tá achando que é colegial?
— Mada, por favor, sente-se — George disse para mim, com o seu desagradável tom impositivo.
Odeio que me chamem de Mada, tsc.
Josh projetou seu ombro para retardar minha passada e falou baixo:
— Tive uma ideia indecente, e pretendo executá-la em breve. Mas não consigo sozinho. Espero você lá fora depois da aula.
— Como assim? uma ideia inde-
— Estou indo, até mais.
Visão Joshua
Usei o laboratório particular da Stars University para continuar meus experimentos. Utilizá-lo sem autorização é proibido, mas ser monitor me deu certos privilégios: chaves de todas as salas.
Mas, como sempre, uma empreitada sem sucesso. As aulas da manhã já haviam acabado. Portanto, saí em direção ao pátio principal para esperar por Madie.
“Nunca vai existir paz entre a gente”
Essa frase fez questão de ser minha companhia durante a manhã inteira, diante do breu do laboratório.
Parei no pátio, olhei para o céu e respirei o ar fresco da cidade. O equilíbrio entra a flora e a construção de lotes é um ponto forte deste lugar.
Cidade das estrelas, o que você está reservando para nós este ano?
Mal posso esperar pelo que esse ano — tão importante e decisivo — está reservando para mim.
— Hey, Josh! Pode vir aqui?
— Oh Deus, Marvin!
Apressei os passos em direção a porta de entrada da universidade, porque M-a-r-v-i-n estava aqui. Certamente um dos caras mais divertidos que conheço.
Ao lado de Madie, se eu quisesse formar parcerias, Marvin com certeza estaria no meu time, bem como seus pais estão no time de meu pai.
— Cara, quanto tempo, em? Você não mudou nada… continua com a mesma cara de cansado, porém um cansado gato.
— O segredo está aí: na cara cansada — brinquei. — E você? — As garotas tinham uma queda por esse cabelinho loiro cacheado.
— Que garotas? Não sobrou nenhuma depois que você fez dezoito anos. Da boca delas só sai “Josh, Josh, Josh,” — ele repetiu várias vezes fazendo voz fina.
Algumas poucas pessoas que passavam pelo local repararam a gargalhada que dei com a imitação bizarra.
Me fez lembrar dos velhos tempos de resenha no Mini Bar Stars — o primeiro grande negócio que Marvin fez sem a ajuda dos pais, com menos de dezoito.
Íamos para lá jogar conversa fora com pessoas de outras famílias — as mais próximas, claro.
Marvin, de certa forma, era uma inspiração.
— Deixa disso! — Respondi, lhe dando um abraço apertado.
— Não, não. É sério, bro — ele insistiu — não te vejo mais por aí, soube que vocês estão com peixe grande agora.
— Meu pai arrumou alguns bons contratos, nada demais — despistei.
— É… a tão sonhada ascensão — disse com uma voz pousada — parece que vocês chegaram lá, irmão. Parabéns!
— Que nada… — você também faz parte disso — comentei meio constrangido.
— Cala a boca, Josh.
Estranhei seu tom de voz, logo em seguida acompanhado de uma mudança de feição.
— Marvin?
— Não quero que continue falando — sua expressão de raiva só aumentava, Marvin estava irreconhecível.
— Isso que você está sentindo na sua cintura é o cano de uma arma — ouvi o barulho da arma destravando.
Por um instante pude sentir meu coração pulsar, o barulho do bombardear penetrava em meus ouvidos como batidas em um tambor.
Todo o barulho ao redor havia sumido, o momento parecia uma eternidade.
Meu corpo paralisou, eu não sabia o que fazer.
— Entre no carro — disse ele.
Olhei para o lado e vi um carro preto que até então não tinha percebido.
Mas meu corpo não reagia.
— Com o que você está preocupado? Se eu quisesse matá-lo, você já estaria morto. Entre! Temos uma surpresa pra você.
Entrei no carro tentando manter a calma, lembrando dos ensinamentos de meu pai: “não deixe que seus inimigos discernem seus sentimentos.”
Estava falhando miseravelmente.
— Josh, não se preocupe. Não é você quem corre perigo.
A voz do passageiro da frente era de Malec, pai de Marvin.
— Não se preocupe — ele repetiu. — Entre em desespero. O avião que sua mãe pegou com o destino a Sweet Mistery está acompanhado com um dos nossos “homens bomba” — mostrou a foto com minha mãe e o homem.
Foi então que a mesma sensação do incidente com o meu pai veio à tona: Minha alma gritou, ofegou, desfaleceu.