As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 1
No gramado elevado, era possível encontrar apenas algumas ervas silvestres, o suficiente para as pesquisas de Arthur Becker naquela tarde. Era notável a empolgação do jovem em pesquisar e explorar cada canto de natureza que passava. Agia assim desde o início do período itinerante do seu seminário em medicina.
Estava sob a tutela de um dos mais respeitados médicos e alquimistas de toda a Alemanha. Paracelso adotou Arthur como aprendiz por ver nele um potencial maior que em todos os outros discípulos daquele período.
Arthur não tardou em aceitar viajar com o professor até as abundantes terras férteis do interior do país. Segundo Paracelso, eles viajavam para talvez concluir a maior das ambições de qualquer alquimista: encontrar a Pedra Filosofal, o ingrediente mais importante para preparar o Elixir da Vida.
— Aqui! — Arthur exclamou, catando uma erva da cor roxa. Guardou apenas uma do ramo que achou em um frasco, para fins de futuros experimentos.
Assim continuou pelo resto da tarde, não só procurando ervas, como caçando alguns insetos para dissecá-los. Chegou até a provar um besouro, sentindo o crocante desconfortável de um sabor salgado, que eram os fluidos viscosos das entranhas do inseto.
Ao anoitecer, já bem sonolento, Arthur se deitou na grama baixa do vale, próximo a uma árvore alta. A luz da lua, coberta pelos galhos e folhas, aos poucos desaparecia, substituída por nuvens cinzas.
Ninguém imaginava a virada que o dia tranquilo de sol se provaria no seu fim, que era cinzento e ameaçava ser chuvoso.
***
Em uma cabana ali perto, o professor de Arthur, Paracelso, um senhor de idade barbudo de pele enrugada, estudava com empolgação aquela fórmula, a fórmula do Elixir da Vida.
A cabana improvisada estava adornada de lamparinas e artigos científicos.
Havia um pequeno homúnculo na mesa, sentado em cima de um dos livros ali dispostos. Ele observava com atenção seu criador estudar. O que ele estudava? O homúnculo não fazia ideia, pois nasceu no dia anterior e ainda não entendia certas coisas.
— Contemple, Pulget — Paracelso disse, empolgado. Um número razoável de fórmulas jaziam espalhadas pela mesa — Aqui temos algumas das fórmulas mais formidáveis já produzidas por mim, modéstia à parte. Evidente que quem afirmou isso foram colegas mais experientes.
O médico destacou algumas das fórmulas. O conteúdo descrito naqueles papéis era incompreensível para o pobre homúnculo, que acompanhou apenas a explicação de Paracelso.
— Essa daqui, por exemplo, foi a fórmula que usei para criá-lo. Talvez isso possa parecer confuso para você, mas saiba que todos os seres desse planeta também são criados… gerados, talvez seja a palavra certa. Bom, diferente de você, eles não são criados com sémen humano posto em uma retorta hermeticamente fechada e aquecida durante quarenta dias em esterco de cavalo. Mas isso é só um detalhe.
Paracelso deixou a fórmula de Pulget de lado, tomando outra, que para o homúnculo fazia tanto sentido quanto a anterior.
— Essa, Pulget — O alquimista não conteve uma risada franca — é dos meus tempos de menino: misture qualquer fonte de potássio com mirtilos e bichos-da-seda e voilà! A pessoa que tomar terá a pior dor de barriga da sua vida, HAHAHAHA… desculpe, lembrei de outrora.
Então puxou mais uma fórmula. Esta era ligeiramente maior, com figuras e símbolos maiores e em maior quantidade. Naquele momento o homúnculo descobriu o que era redundância.
— Bom, esse aqui talvez seja o motivo de não só eu, mas de muitos se tornarem alquimistas… A ambição final!
Paracelso apontou para dois símbolos que se destacavam na fórmula: Uma pedra rubra reluzente e um frasco, cujo conteúdo tinha a mesma coloração da jóia — que também apareciam nas outras fórmulas, mas com um tamanho menor.
— O Elixir da vida! — pronunciou com certo assombro. Um trovão pairou no céu no mesmo momento — é, parece impressionante, tanto quanto parece improvável. Mas sim, eu descobri a fórmula do Elixir da vida. Um feito grandioso, devo admitir, modéstia à parte. Porém, nem tudo são flores. Essa fórmula não tem utilidade nenhuma sem o principal ingrediente… a Pedra Filosofal!
Trovões consecutivos rasgaram o céu. Naquela noite, Pulget sentiu medo pela primeira vez.
TOC TOC.
Paracelso teve um sobressalto com as batidas repentinas em sua porta. Imaginou que Arthur poderia ter dormido na grama mesmo, mas talvez os trovões repentinos tenham cessado tal possibilidade.
Mas quando atendeu a porta, não viu Arthur, mas sim três homens. Um deles tinha o tamanho de Paracelso, os outros eram maiores, praticamente fazendo o papel de guarda costas do menor.
Ele conhecia aquele homem, que tinha quase a mesma idade que a sua, sustentava um longo bigode simétrico grisalho, bem como seu cavanhaque pouco convencional.
— Vagner? Não esperava sua visita, não a essa hora, pelo menos.
— Oh, tampouco eu esperava visitá-lo a essa hora… podemos entrar?
— Ah, claro, claro, que indelicadeza de minha parte. Entrem.
Vagner Von Herbert e seus dois capachos se espremeram na cabana. Seguiu-se alguns segundos de silêncio, onde o crepitar da lareira e os trovões criaram uma atmosfera agridoce. Pulget, ainda sentindo medo, se escondeu atrás de um vaso no canto da sala.
— Bom, primeiramente, Paracelso, permita-me apresentar estes dois confrades. Este um é Saymon, o mudo — indicou o homem alto vestido como camponês — ignore a falta de educação dele, infelizmente só sabe sibilar. Este outro é meu irmão, Fagner — indicou o homem alto garboso, trajando uma batina levemente surrada.
— Muito interessante, de fato — Paracelso comentou, servindo chá com pressa para os três.
— Bom, Paracelso, não vamos tomar muito do seu tempo — Herbert coçou o cavanhaque — estão circulando rumores, rumores um tanto suspeitos, de que você teria descoberto a fórmula do Elixir da vida. Eles circulam já tem um tempo, e minha pergunta é, por que não reportou essa descoberta em uma carta e a enviou para a Sociedade?
Paracelso teve uma crise de risos naquele instante, parecendo tentar processar a pergunta.
— Vejamos… Eu posso ter a fórmula, mas de que adiantaria entregá-la para a sociedade? Eu pretendia descobrir onde estava a Pedra Filosofal primeiro e entregar o trabalho completo com excelência. De fato, seria um trabalho entregue com excelência, modéstia à parte.
Ouviram um som forte de sopro, mas era apenas Saymon, que assoprava na xícara de chá.
— O que ele está fazendo? — Paracelso perguntou, com um sorriso constrangido.
— Ah, não ligue pra ele. Saymon não gosta de bebidas quentes demais — Herbert parecia impaciente — Mas voltando ao assunto, você citou a localização da Pedra Filosofal. Bem, há rumores de que você também possui um mapa com a possível localização dela.
— Mas aí já é demais — o alquimista parecia claramente desconcertado com a visita repentina — Por acaso a Sociedade colocou espiões atrás de mim? Também sabem o que comi no desjejum? De qualquer forma, o mapa não é uma afirmação concreta. Foram anos de estudo para chegar a tal conclusão, de fato, mas não é uma conclusão absoluta.
— Já é melhor que nada — Herbert fez um aceno para seus capachos se pôr de pé — Paracelso, em nome da Sociedade Secreta dos Alquimistas, venho aqui para pedir que nos entregue a sua fórmula do Elixir da vida e seu mapa da localização da Pedra Filosofal.
— Grrr — Paracelso, a contragosto, foi até sua mesa, muito frustrado — Bom, já que eles insistem tanto que eu entregue o trabalho incompleto, eu irei entregar. Mas primeiro, Vagner, me mostre a carta assinada pela alta cúpula que autoriza essa busca, apenas por garantia — Se virou para encarar o colega.
— Eu esperava que fosse cortar essa parte, pensei até em lhe poupar, amigo — Herbert tirou sua túnica, ficando com o peitoral de fora.
Após tirar um frasco de um dos bolsos da túnica, a entregou a Saymon.
— Ei, espere, o que está…
Mas antes que ele pudesse fazer alguma coisa, Herbert bebeu a poção. Paracelso nem mesmo teve tempo de beber a sua. Com uma velocidade e agilidade inumanas para alguém da idade de Herbert, este atravessou o estômago do médico apenas com seu punho esquerdo. A mesa também sofreu impacto, onde vários dos livros, frascos e objetos decorativos caíram no chão com tudo. Alguns dos pergaminhos de Paracelso caíram na lareira, fazendo anos de estudo serem perdidos.
Herbert deixou o corpo do alquimista, já sem vida, no chão.
— Muito bem, vamos achar a fórmula e o mapa e sair daqui.
Pulget, que ficou escondido atrás do vaso observando toda a cena, foi tomado por uma confusão, pois não entendeu bulhufas de toda aquela discussão. Apenas observou Herbert e seus capangas encontrarem o que queriam e irem embora, rindo feito lunáticos de satisfação.
O homúnculo poderia não ter entendido muito bem a situação, mas em meio a devaneios, chegou à conclusão de que não parecia muito educado entrar na cabana de alguém, dar um soco perfurador em seu estômago e ainda sair da cabana com seus pertences. De fato, não parecia nenhum pouco louvável.
Mais um trovão pairou no céu, dessa vez acompanhado de um raio.