As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 13
A fauna e flora no quintal do humilde casal Becker era um prato cheio para o filho. Arthur se divertia descobrindo novos tipos de plantas e flores, assim como questionando suas utilidades para as pessoas, seja na medicina ou para demais fins caseiros.
Além disso, também adorava capturar insetos. Achava deveras interessante estudar seu comportamento, apesar de sempre se perguntar o que havia dentro deles, mas achava maldade demais matá-los — mal sabia que anos depois conheceria o gosto não só de besouros como de outros insetos — Enfim juntou mais duas formigas vermelhas gigantes dentro de um pote.
— Arthur — Ouviu sua mãe lhe chamar — venha comer!
— Tô indo, mamãe!
Imaginando os deliciosos biscoitos colossais que ela teria preparado, deixou o quintal sem arrependimentos. Poderia voltar mais tarde.
A casa a qual morava era modesta, porém suficiente. Quatro cômodos a compunham: dispensa, cozinha, quarto e uma sala de visitantes. Na realidade, era uma casa melhor que a de muitos naquele vilarejo, já que seu pai era um ferreiro renomado daquela região.
Ainda assim, não poderiam ser chamados de ricos. Não vinham de uma família nobre ou coisa do tipo, os Becker eram apenas uma família feliz, que conseguiam se sustentar.
Mas o jovem Arthur, diferente do seu pai, tinha ambições maiores. Não queria passar sua vida inteira como ajudante dele na forja. Não, odiava aquela perspectiva, na realidade ele queria ser um…
— Alquimista — disse pela enésima vez à sua mãe, enquanto devorava aqueles biscoitos — eu quero ser um, mãe, o maior de todos!
— Eu gosto de como você pensa grande, meu filho — A sra. Becker era uma mulher baixa, rechonchuda, com cabelos crespos amarrados e um sorriso de dentes faltando, mas era o sorriso mais bonito daquele mundo para Arthur — Eu sinto muito orgulho de você… mas seu pai, você sabe que ele não gosta nenhum pouco dessa ideia.
— Por que não? — O garoto já estava cansado de ter que lidar com aquilo — Por que ele quer tanto que eu passe a minha vida inteira trabalhando com ele? Qual é a graça de trabalhar como ferreiro se nem mesmo uma espada para chamar de minha irei ter?
— Ele se preocupa com você… tem medo que fique longe de nós. Você sabe, ele acha essa gente da alta cúpula intelectual, como ele gosta de chamar, um bando de esnobes.
— Eu não sou assim…
— Ele tem medo que você se torne.
Pela primeira vez, Arthur, apenas um garoto de treze anos, parou para refletir. As palavras da mãe faziam sentido. Era claro que seu pai não o prenderia como seu assistente apenas por maldade, por mais duro que fosse.
Ainda assim, ele queria seguir seu sonho, não poderia se privar apenas para agradar seus pais. Assim como um dia eles cresceram e se tornaram independentes, ele também devia. Devia seguir seu próprio caminho.
— Eu nunca vou ser assim, mãe, eu prometo — ela nunca deixava de sorrir para ele. Sentia como se jamais duvidasse de suas palavras — vou me tornar o maior alquimista de todos e dar a senhora e o papai uma vida melhor.
***
Agora lá estava o jovem aprendiz de alquimista, diante de um dos maiores, senão o maior dominador da verdadeira arte das misturas, contemplando seus últimos suspiros de vida. Arthur chorava, sentindo como se tivesse falhado completamente como um alquimista.
O resto da trupe se encontrava em torno de Petry, todos com o semblante extremamente depressivo: Pulget não conseguia dizer nada, preso em devaneios dos mais negativos.
Júlia estava com as mãos envolvidas na do alquimista, derramando lágrimas de pura tristeza. Depois de detonarem Fagner, todo o seu ódio contra Herbert cessou, dando lugar apenas ao lamento. Novamente se encontrava em uma situação de luto.
Luther não sabia ao certo o que sentia, mas pela primeira vez durante toda aquela jornada, as noventa e cinco teses não perpetuavam em sua mente. Sentia um desconforto, o qual não sabia explicar.
— Arthur… — Petry conseguiu dizer, a voz meio embolada pelo sangue em sua boca — Julia, Pulget, Luther… vocês precisam me ouvir… antes de eu partir.
Todos o olharam com horror na voz, obviamente Arthur quis protestar:
— Tem que haver um jeito, senhor Petry!
— Não… Arthur. As poções acabaram e… De qualquer forma, elas não seriam capazes de curar ferimentos dessa magnitude — Ele tossiu, colocando muito sangue para fora. Demorou quase um minuto para continuar — por favor, não me interrompa. Herbert não descobriu a localização da Pedra Filosofal… eu preciso revelar uma coisa a vocês — os quatro amigos prenderam a respiração — por muitos anos se acreditou que a Pedra estava na caverna. Agora que descobrimos que ela não estava aqui… ela só pode estar em um lugar… Na própria sede da Sociedade Secreta!
Todos ficaram incrédulos com aquela virada. Mas não precisaram perguntar ao Mestre de misturas para entenderem a jogada. Os alquimistas criaram toda essa narrativa para justamente despistar os traidores. Enquanto isso, a Pedra Filosofal estava guardada em algum lugar da própria sede.
Herbert naturalmente não sabia disso, então atraiu a trupe para uma armadilha, visando ganhar tempo, enquanto procurava a verdadeira localização seguindo os enigmas de Paracelso no suposto mapa que Herbert furtou.
— Provavelmente já deve ter matado a charada — Petry concluiu suas deduções — vocês precisam ir para a sede da Sociedade Secreta impedir… que Herbert descubra onde a Pedra está.
— Onde fica a sede? — Julia perguntou, apertando um pouco mais a mão de Petry.
— Na Igreja de Santa Maria, em Berlim…
— Na Capital?! — Arthur ficou estupefato — mas, senhor Petry… — pela primeira vez em sua vida, o jovem se acalmou diante de um questionamento que considerava importante. Lembrando que Petry não tinha muito tempo e pediu para não ser interrompido.
— Muito bem — ele sorriu para Arthur. Com a mão esquerda, mexeu devagar no bolso de suas vestes, de onde tirou um broche esmeralda, erguendo para mostrar aos companheiros — Quando chegarem na igreja, irão encontrar um padre. Entregue isso a ele e terão autorização para entrar.
Então entregou o broche a Arthur, que o guardou.
Agora que tudo fora devidamente exposto, para que pudessem seguir com a jornada, houve um silêncio significativo. Petry observou seus amigos, sabendo que seria a última vez, que aquele era o momento de despedida.
Mas de alguma forma, ele não estava completamente triste com isso. Queria deixar o pai orgulhoso, viveu anos em busca disso. No fim descobriu que a vida nem sempre era composta pelo triunfo de uma realização pessoal. Olhando para Arthur, viu nele a esperança de que seu legado seguisse. O garoto poderia não ser um Petry, mas era de fato um prodígio, por mais impulsivo que fosse.
O adeus não veio com as últimas palavras, em um segundo estava com os sentidos ativos, no outro, os viu sendo aguçados. Viu os outros se agitarem em volta de si, com a visão já embaçada, escurecendo rapidamente.
No fim, sabia que logo encontraria seu pai.
***
A noite caminhou lentamente. O céu já não era mais ameaçador, se encontrando lotado de estrelas das mais variadas, que iluminavam o vale.
Próximo a uma árvore isolada há alguns metros da caverna, a trupe se encontrava. Cobriam todo o corpo do falecido amigo debaixo da terra, a fim de fazê-lo descansar em paz naquela cova improvisada.
Pulget apenas observava do ombro de Arthur, se questionando se poderia fazer alguma coisa a respeito. A existência não-transcendental era realmente cruel. Em um minuto você podia estar sorrindo com uma pessoa querida, no outro, ela deixava de existir da pior forma.
Ao terminarem, permaneceram calados a maior parte do tempo, em seguida deitaram sobre a grama. Eles ainda possuíam os cavalos, mas duvidavam que seriam capazes de aguentar uma longa viagem para a capital.
Não tinham nenhum plano, então simplesmente dormiram. Todos estavam muito exaustos de um dia pesado, exceto Luther, que ficou de guarda. O monge admitiu que não poderia sentir outra coisa exceto tristeza diante daquele melancólico cenário.
— Creio que tudo pareça perdido, como um peixe caindo na rede — ao se virar, viu o homúnculo se aproximar dele, cabisbaixo, se sentando na grama ao seu lado — eu observei como os pegadores de peixes realizam suas façanhas durante a peregrinação.
— Não seja tão niilista, Pulget. Skript está do nosso lado — o monge o tranquilizou.
— Defina, niilista.
— Ah, desculpa, é força do hábito. Vai descobrir o que é niilismo daqui a alguns anos, talvez séculos.
— Mestre Petry foi um homem de alta estatura em comprimento alegórico — o homúnculo estava claramente bem triste, por mais que seu tom de voz bizarramente não se alterasse — por acaso existe existência após o perecer desse frágil casulo não-transcendental?
— Quer dizer um pós-vida? — Luther de repente achou muito interessante observar um Cruzeiro do sul presente no firmamento — uma boa pergunta. Até mesmo para nós entidades cósmicas essa informação não é garantida. Skript talvez saiba, mas nunca lhe indaguei sobre.
Não houve mais conversa. Ambos observavam o horizonte simpático do vale. Enfim, Pulget adormeceu e a noite foi se tornando dia.
***
Arthur teve um sonho, não dos mais agradáveis. Se encontrava em um ambiente totalmente fora da realidade. Bobinas, canos, luzes coloridas e piso cromado compunham o local.
Em cima de um pedestal coberto por refinamento fosco, havia uma pequena pedra preciosa; sua cor era um escarlate sangue que reluzia graças à abundante iluminação.
A Pedra Filosofal. Foi a primeira coisa que veio à sua mente. Preciso pegá-la!
Começou então a se aproximar, ainda assustado com a peculiar arquitetura a qual presenciava. Mas quando estava prestes a pôr as mãos naquilo que passaram todo aquele tempo procurando…
Zoom.
Um vento cortante atravessou sua mão esquerda. No momento seguinte, ela caiu, fora decepada.
É o que?!
— Você não vai conseguir a pedra, Arthur Becker — ouviu a distante, porém familiar voz de Vagner Von Herbert — você teve sua chance de abandonar essa missão suicida quando derrotou Saymon. Agora vai morrer.
Sem conseguir responder, o aprendiz de alquimista contemplou horrorizado o toco de sua mão sujar o piso lustrado de sangue, da mesma cor da pedra preciosa.
— Meus anjos!
O grito o fez despertar de forma abrupta, dissolvendo o pesadelo. Graças a Deus!
A trupe inteira já havia levantado e pareciam totalmente sonolentos — exceto Luther, claro — eles arrumavam as coisas, com as rédeas dos cavalos já soltas. Arthur não entendeu o motivo de não o terem acordado, mas antes que pudesse perguntar, viu a figura familiar de Charles Fritz se aproximando.
O homem ao qual eles salvaram de uma árvore assassina e de cometer suicídio. Seu semblante era completamente diferente, sendo muito mais alegre, nem parecia que tinha pedido a esposa recentemente. Na estrada, viram uma enorme carruagem, com o acabamento mais luxuoso que poderia ter. Ela provavelmente pertencia ao chefe de Fritz.
— Sr. Fritz — Julia se dirigiu a ele, com um sorriso meio torto, ainda abalada com a recente perda, assim como todo o grupo — não esperávamos ver o senhor tão recentemente.
— Eu também. Ora, vocês parecem tristes… onde está aquele simpático alquimista mágico?
— Ah… — ela teve dificuldade de fingir que nada tinha acontecido, segurando as lágrimas com maestria — ele se foi… do país.
— Oh, que pena, espero que esteja bem — olhou então para os cavalos e ficou surpreso. — Uau, esses cavalos parecem meio raros por aqui… mas me digam, estão viajando?
Como Julia demorou a responder, Arthur tomou a iniciativa:
— Estamos — Se levantou — para a Capital.
— Oh — Aquilo pareceu uma excelente notícia para Fritz — isso é uma excelente notícia! Meu chefe também está indo para a capital. Vocês sabem, ele é primo da realeza e…
— Charles, o que está fazendo — ouviram uma voz torta e grosseira se aproximar, de um homem que parecia estar bêbado — conversando com caipiras? Só me faltava essa.
Quando o homem se aproximou, viram que se tratava de um balofo bem vestido, não havia descrição melhor. A barba do homem era outro destaque além da avantajada pança; ela se estendia por quase dez centímetros nas laterais. De fato, a aparência do chefe de Fritz chamava atenção, fosse isso bom ou ruim.
E claro, ele estava realmente embriagado.
— Senhor, esses são os anjos que salvaram a minha vida quando a árvore demoníaca…
— Eu sei, Charles — ele o interrompeu, entrelaçando os dedos, sinal de indignação — não preciso ouvir essa história uma quinquagésima vez.
— Ah, prazer, Sr…
— Chucrute, camponesa — Arthur, Pulget, Luther e Júlia tiveram que segurar a risada. Não era possível que aquele fosse mesmo o nome dele — é só isso? Essa ralé são seus anjos da guarda? Que asco. Vamos embora.
— Espere, Senhor. Eu estava prestes a lhe perguntar — um brilho acendeu nos olhos de Fritz — se poderíamos lhes dar uma carona até a capital, como agradecimento por tudo que fizeram por mim.
Tanto Chucrute quanto a trupe ficaram confusos com a proposta. O chefe demorou algum tempo para processar a questão, graças ao álcool na mente, até que enfim disse:
— Haha, você é muito engraçado, Charles. Eu jamais deixaria caipiras entrarem na minha carruagem — Seus olhos se voltaram para os três cavalos da trupe. O olhar de Chucrute foi malicioso — a menos que me dêem seus cavalos, hehe. Quanto mais para conduzir minha carruagem, melhor.
Arthur e Júlia se entreolharam.
Bom, os cavalos não pertenciam a eles, mas sim a Kléber, um latifundiário do vilarejo de Júlia, ao qual eles furtaram — troca justa por uma massagem, a garota preferia dizer — sendo assim, não parecia uma má barganha. Eles precisavam chegar a Berlim rápido e os cavalos não seriam úteis de qualquer forma se morressem antes de chegar ao seu destino.
Então acenaram positivamente.
Chucrute voltou para carruagem fazendo gestos maléficos, como se tivesse acabado de enganar trouxas e feito o maior negócio de sua vida.
***
Meia hora depois a carruagem já havia partido. A trupe se encontrava levemente apertada no banco interno, defronte para o do chefe, que possuía dois guardas ao seu lado. Eles pareciam jovens e um tanto nervosos por Júlia estar ali. Pelo visto seus juramentos não os permitiam se aproximar de mulheres.
Arthur cobria discretamente o nariz enquanto Chucrute falava suas abobrinhas acompanhadas de um fedorento bafo:
— Que grupo mais ridículo — disse sem rodeios aos convidados — o que estão fazendo viajando por aí? Por acaso estão procurando algo como a Pedra Filosofal? Haha — seu olhar se deteve em Pulget — e o que é isso? Um inseto bípede?
— Homún-culo — o aprendiz de alquimista conseguiu pronunciar, quase tossindo no processo.
— Este um é de fato troglodita — Pulget disse em seu ouvido — e dos mais roliços, veja bem.
A viagem seguiu sem muitos percalços. Arthur calculava que antes do anoitecer do próximo dia chegariam à capital, só esperava não ser tarde demais.
Julia se pegava constantemente lembrando de Petry, se martirizando por sua morte. Queria alimentar mais o ódio contra Herbert em seu coração pelo recente luto, mas o conselho do alquimista a respeito da vingança a fazia hesitar. No fim, tudo que podia sentir para não se culpar, era tristeza.
Em meio às reflexões, percebeu o quanto o inimigo da trupe tirou de todos eles. Decidiu então se consolar no argumento da justiça, deveria ter isso em mente quando estivesse cara a cara com Herbert.
Luther, que se manteve em silêncio desde que entraram na carruagem, se perguntava onde estaria as noventa e cinco teses naquele momento. Como o Paradoxo Temporal ainda não ocorrera, imaginou que ou o pergaminho estivesse perdido em algum lugar, ou na posse de Herbert. Não sabia dizer qual opção era pior.
Arthur mal conseguia conter sua ansiedade. Volta e meia se remexia no apertado espaço, ouvindo protestos indignados de Julia após acidentalmente pisar em seu pé duas vezes. O aprendiz de alquimista queria apenas acabar com aquilo. Não deveria deixar que a morte de Petry — que considerou seu mentor na arte das misturas — fosse em vão.
Não era capaz de deduzir se Herbert havia ou não chegado à Capital. Se a resposta fosse sim, era provável que haveria resistência dos alquimistas da Sociedade Secreta para impedi-lo que roubasse a Pedra. Mas se tivessem sorte, chegariam lá antes.
A noite caiu sobre os vales e montanhas que surgiam e desapareciam na estrada. Julia conseguiu adormecer, encostando a cabeça no ombro de Arthur, que ficou escarlate, mas não protestou. O homúnculo teve que mudar de ombro para não ser esmagado por Julia.
Logo os três adormeceram, exceto Luther, que contemplava o céu, saudando o cosmos.
O Sr. Chucrute roncava feito um porco, enquanto seus guardas permaneciam acordados, como sentinelas — ainda sem tirar os olhos de Julia.
***
A claridade fez todos na carruagem despertarem. O dia estava bonito, com flocos de neve salpicando em lagos, na grama baixa e recheando montanhas.
— QUANTO FALTA PARA CHEGARMOS, CHARLES? — Chucrute gritou para o condutor da carruagem, despertando com sobressalto os que se encontravam sonolentos.
— Em aproximadamente cinco horas, senhor — Fritz anunciou alegremente.
Arthur suspirou.
— Por que está tão nervoso? — Julia perguntou, o pegando de surpresa, como sempre.
— Eu… acho que tô com um mal pressentimento — se lembrou do sonho que teve duas noites atrás — não sei se temos chances de chegar lá primeiro.
— Fica tranquilo — ela tentou o confortar, sorrindo e o deixando mais corado do que já estava graças ao frio — já enfrentamos tanta coisa. Acha mesmo que Herbert é tão poderoso assim contra todos nós sem os seus capangas?
— Mas e se… ele conseguir a Pedra?
— Engano seu se acha que os alquimistas vão deixar ele entrar e sair de lá com o artefato mais valioso deles.
Ela estava certa. Mesmo assim, havia um grande furo naquela história toda que apenas naquele momento ele percebeu. Se a Pedra estava guardada secretamente pela alta cúpula da Sociedade Secreta, por que raios eles mantinham a mística a respeito do item precioso tão popular? A ideia de esconder não seria justamente para que se ignorasse sua existência?
Não tinha certeza se descobriria a resposta, mas fato era que havia um detalhe secreto naquilo tudo. A narrativa da caverna onde a Pedra estava guardada fazia mais sentido.
As horas se passaram lentamente, graças à ansiedade da trupe. Chucrute compartilhou com eles um modesto banquete. O desjejum foi composto de um grande porco assado, junto de diversas frutas, alguns legumes e claro, vinho.
Ao fim, todos estavam muito satisfeitos — exceto Luther, que não possuía apetite — Arthur concluiu que nunca comerá nada tão delicioso.
— Óbvio que não. Como um caipira como você poderia comer uma coisa tão deliciosa? — Chucrute comentou, seu rosto rubro, novamente embriagado.
Enfim, duas horas após o desjejum chegaram à capital. A neve agora cobria toda a região, o inverno havia chegado de verdade por lá.
Só tiveram uma vista exata de Berlim quando desceram da carruagem, onde Arthur e Pulget não puderam deixar de exclamar — Julia já havia visitado quando bem pequena e para Luther nada naquele mundo de mortais era tão interessante — As ruas eram abundantes em comércios, becos, casas dos mais diversos tamanhos e claro, os magníficos castelos e igrejas.
O número de transeuntes era gigantesco naquela tarde, coisa que só se via em uma grande capital como Berlim.
— Ora, então é isso, não? — Retornaram à realidade graças ao ricaço que os levou até ali — nosso acordo está cumprido, agora façam o favor de nunca me dirigirem a palavra novamente, odeio pobres.
Fritz e o chefe então adentraram a cidade primeiro. O proletariado acenou alegremente para seus heróis antes de sumir de vista em meio a multidão.
— Sovina de uma figa — Luther comentou — espero que Skript lhe proporcione um terrível destino.
— Certo, pessoal. Precisamos encontrar a Igreja de Santa Maria! — Arthur os lembrou.
— Fica no centro da cidade — Julia disse — mas eu não lembro exatamente onde. Esse lugar tá cheio de gente e é enorme. Se passarmos o dia inteiro procurando pode ser tarde demais
— Eu sugiro a interceptação de unidade — Pulget sugeriu — assim a probabilidade e porcentagem de encontrarmos o templo santo sobem consideravelmente.
— Excelente ideia. Mas como a gente vai avisar aos outros se encontrarmos? — Arthur perguntou.
— Essa é de fato uma pergunta capciosa — Pulget refletiu — poderia lançar uma bola no alto como sinalizador.
— Certo, mesmo que alguém consiga ver sua bolinha lá do alto, o que acontece se por exemplo Julia ou Luther acharem a igreja primeiro?
— Eu posso pegar algum fogo de artifício e usá-lo como sinalizador — Julia se posicionou.
— Eu posso criar um portal e trazê-los se encontrar — Luther revelou, como se aquilo fosse a coisa mais casual do mundo. Vendo a incredulidade estampada no rosto dos companheiros, disse: — Skript me concedeu essa habilidade por ora.
— Bom, então só podemos torcer para que você encontre primeiro — Julia se virou para Arthur — então, como vamos nos separar?
O aprendiz de alquimista corou, nervoso por ter sido confiado a tarefa de arquitetar o plano. Durante toda aquela jornada não foi exatamente um líder, muito pelo contrário. Mas naquele momento, ele precisava tomar essa rédea:
— Bem, temos três caminhos, o que é perfeito. Então, Julia, você vai para o leste. Luther, para o norte. Eu e Pulget iremos no caminho oeste.
E com um último aceno, eles se separaram. A missão agora parecia correr contra o tempo. A igreja de Santa Maria era o real fim da linha daquela jornada.
***
Um pouco distante dali, em um beco escuro, havia dois homens, que observavam a trupe de longe, até eles se separarem.
Um deles era forte e grossas vestimentas o cobriam, seu rosto escondido pela escuridão de um capuz, uma adaga embainhada na cintura. Já o outro, era baixo, um pouco mais velho, como um corcunda, cujas rugas e cicatrizes no rosto o davam um aspecto grotesco.
— Chegou a hora, Anselm — o homem encapuzado disse ao velho — eu fico com o garoto.
Ele então tirou um frasco do bolso, onde um líquido escarlate borbulhava, contemplando o triunfo em suas mãos.