As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 16
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- Capítulo 16 - A Sociedade Secreta e Oculta dos Alquimistas
Processar aquela revelação levou vários segundos. As vestimentas de Aaron e suas sentinelas eram o primeiro dos problemas que suas mentes tinham que lidar.
O único que não parecia abalado, era Luther. Apesar de não entender o motivo de um homem tão deslocado em termos de vestimenta estar ali. Havia um segredo ainda maior que lhes fora oculto durante toda a jornada.
— Você é inimigo?! — foi a primeira coisa que Arthur pensou em dizer — trabalha para Herbert também?!
— Eu entendo seu receio, jovem Becker — Aaron disse com sua voz calma de veludo — mas não, não sou seu inimigo. Na realidade, os últimos capangas de Herbert que restavam estão diante de vocês — indicou os caídos na câmara.
— Certo, então o que quer conosco? — O tom de Julia não foi amigável.
— Como eu disse, senhorita Aurora, sou líder da Cúpula Angular da Sociedade Secreta e Oculta. Veja bem, sempre houve corrupção na sociedade, muitas delas envoltas em nepotismo e clubismo de pesquisas e ideais. Era sabido que Adler nutria um afeto por Vagner Von Herbert. É exatamente por isso que a Cúpula Angular existe, pois ela é incorruptível, já que quem a gerência na realidade é o Sistema.
— Sistema?! — Arthur parecia confuso — do que diabos você está falando?!
— Creio que ele esteja se referindo ao substantivo que prediz o conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados — Pulget explicou.
— Correto, Pulget — Aaron sorriu para o homúnculo — mas acho melhor verem de perto. O que acham?
— E porque iríamos confiar em você, um estranho? Isso nunca deu certo durante nossa jornada — Julia se posicionou.
— Tem razão. Mas tenha em mente uma coisa, minhas sentinelas poderiam facilmente acabar com vocês. Arthur não teria tempo de tomar um elixir, as bolas de Pulget seriam inúteis contra o traje delas, e, receio que os poderes da senhorita Aurora sejam ativados apenas na ausência de luz.
Todos ficaram espantados com o quanto Aaron sabia. Parecia até que ele os espionou durante algum tempo.
— Devemos ir — Luther se manifestou — eu sinto que ele é confiável.
— Skript de certo lhe iluminou — Pulget comentou.
Luther nada disse, pois fora um pressentimento seu, não de Skript. Mas preferiu deixar essa informação em aberto a fim de incentivar os amigos a irem.
— E então, podemos ir? — Aaron perguntou.
Houve um minuto de hesitação, onde a trupe se entreolhou, até que por fim acenaram positivamente um para o outro. Não possuíam muitas opções e precisavam logo deter Herbert. Além disso, se apoiavam na certeza de Luther para prosseguirem daquela forma.
Todos então deixaram a câmara circular e os caídos membros da Sociedade Secreta. Desceram pela escada em formato de caracol que surgiu.
Sentiram a mesma sensação de quando chegaram na sede não-oculta. O caminho era pouco iluminado pelas mesmas lamparinas foscas, mas dessa vez elas eram totalmente brancas, de uma forma que eles não conseguiam compreender.
A própria escada era diferente, sendo feita de um estranho acabamento liso metálico, com alguns relevos retos bem finos sobre os degraus. Os corrimões proporcionaram uma descida mais suave.
Por fim, chegaram até uma porta totalmente diferente de todas as que eles viram até então: apesar de ser verde musgo, parecia feita de aço. Um pequeno vidro que dava uma vista do interior que lhes aguardava se encontrava na parte superior, enquanto uma grande válvula parecia servir de maçaneta no centro.
— Acreditem, isso é a coisa menos impressionante que verão hoje — Aaron disse, notando as expressões boquiabertas da trupe.
Então fez um sinal com a cabeça para uma das sentinelas, que avançou até a porta e começou a girar a válvula. Aquilo não era tão fácil quanto parecia, com a sentinela precisando fazer um bom esforço para enfim girar a peculiar maçaneta. Mas logo se viram diante de um novo corredor.
— U… au — Arthur conseguiu dizer.
O homem de sobretudo adentrou o novo local, sendo seguido pelas sentinelas e em seguida pela trupe.
O novo corredor era um completo contraste em relação ao da Sociedade Secreta Não-Oculta. Ao invés do sepia alaranjado, a composição predominante ali era totalmente branca; desde as luzes fluorescentes, até as paredes, teto e piso. Todos eles pareciam ser feitos de materiais não convencionais.
O chão era duro, o que indicava ser feito de pedra, no entanto era liso e um pouco gelado, Julia atestou. Já as paredes pareciam ser feitas de um material suave e fosco, possuindo relevos e bordas em algumas partes, o que para eles não fez muito sentido. O teto parecia ser feito do mesmo material que as paredes.
— Ah… por que esse lugar parece tão diferente? — Julia perguntou.
— Seria muito confuso explicar tudo assim de uma vez, então apenas observem. Assim que chegarmos em nosso destino, tudo será esclarecido, prometo.
A trupe permaneceu calada durante a caminhada. Apesar de desconfiados, era fácil se manter alheio com a visão daqueles corredores peculiares em todos os aspectos. Ainda mais se considerassem as pessoas que os cruzavam, cujas vestimentas eram tão peculiares quanto as de Aaron Schmidt — jalecos brancos de um tecido inexplicável e acessórios pelo corpo igualmente indescritíveis.
Havia também espécies de “mecanismos” posicionados em certas partes. Eles pareciam ser feitos de metal ou alumínio, o mais bizarro era que pareciam estar vivos.
— Aí, Pulget. Você confia nesse cara? Sei lá, ele me parece meio sus…
— Não há motivos para receio, Arthur — Luther conseguiu ouvir o cochicho do aprendiz de alquimista — acredite, isso aqui será muito comum para os humanos no futuro.
— Futuro?! — Arthur engoliu em seco.
— Assim como o niilismo, creio eu — Pulget comentou.
— Apenas não compreendo como tudo isso coexiste com esse período histórico…
Continuaram caminhando em silêncio, afinal, não poderiam levantar suspeitas caso Aaron fosse inimigo.
Os sons de pessoas conversando e passos apressados podiam ser ouvidos por toda parte, o que era um alívio se comparado aos corredores silenciosos, sinistros e liminares da outra sede. Aquele lugar parecia vivo, a trupe atestou isso ao ver duas pessoas conversando em frente a um mecanismo fantástico — uma cafeteira.
Alguns minutos de silêncio, até Julia se achegar perto de Arthur, o deixando sem jeito, como sempre. Ela literalmente colou nele, no objetivo óbvio de cochichar ao homúnculo.
— Se esse homem e essas sentinelas tentarem alguma coisa, quero que use suas bolas nessas luzes, tudo bem?
— Tenha como garantido que serei certeiro.
— Por isso é o meu favorito.
Novamente o homúnculo sentiu o constrangimento do elogio, e ouvir ele de uma fêmea humana aparentemente parecia ainda mais satisfatório no aspecto sensorial.
Arthur cerrou os dentes quando a garota se afastou.
Passaram por algumas portas fechadas aos lados do corredor. Algumas continham o que pareciam ser sobrenomes: Willians, Badger, Nakamura, Eistein… Becker!
Arthur se perguntou se sua família eram os únicos com aquele sobrenome pelo mundo. Preferia pensar que não, pois era um jeito de impedir a curiosidade fervendo dentro de si naquele momento.
Enfim, após toda aquela caminhada que serviu como um tour indireto pela sede da Sociedade Secreta e Oculta, eles pararam defronte a uma porta comum. Nela estava escrito apenas “Lab”.
— Lab de laboratório, deduzo — Pulget disse — pois é uma abreviação totalmente viável entre todas as alternativas que não encontrei no meu razoável dialeto.
— Não poderia estar mais correto, Pulget — Aaron disse, puxando a maçaneta e revelando o que aparentemente tanto aguardavam.
A trupe simplesmente não conseguiu fechar a boca. Apesar de já terem visto de tudo que poderia ser surpreendente, aquele laboratório foi a mais indecifrável e difícil de compreender.
Computadores, cabos que davam energia elétrica aos dispositivos e lâmpadas, painéis cheios de botões automatizadores, sistemas operacionais e por fim, um destacado prisma no meio do laboratório.
Todos aqueles termos eram desconhecidos para Arthur, Pulget e Julia. Seus olhos varriam o ambiente freneticamente para coletar toda aquela informação visual indecifrável.
— Conheçam a Tecnologia — Aaron lhes disse com satisfação no rosto — aquilo que guiará o futuro da humanidade daqui há alguns séculos.
— Nossa… então quer dizer que estamos no futuro ou algo assim? — Arthur perguntou.
— Não exatamente, Jovem Becker — Aaron então se aproximou do grande prisma transparente, que era grande o suficiente para caber uma pessoa adulta — está vendo essa cápsula? Alguns chamariam de Máquina do Tempo se a vissem, graças a sua função. Mas na realidade é apenas um ponto de retorno. A arte de viajar no tempo está onde todas as coisas não convencionais de se realizar humanamente estão: na verdadeira alquimia, mas especificamente, na Arte das Misturas.
A forma misteriosa e calma que Aaron contava aquilo fez não só a trupe, como todos os estudiosos de jaleco branco se voltar para ele.
— Vou contar uma história…
“Em 1278, um homem chamado Yord Gallahad descobriu a Arte das Misturas. Ele era um monge oriental que um dia encontrou um misterioso deserto de areias mágicas. Areias que possuíam das mais diversas propriedades, desde cura até materialização de objetos. Após cento e cinquenta dias naquele deserto, Yord conseguiu deixá-lo, mas não sem levar dois sacos daquela areia mágica. Foi dela que então criou recipientes de vidro e começou a misturar elementos entre eles. Anos mais tarde, aquele conhecimento foi passado, até surgirem os balões de fundo redondo feitos dessa areia, que usando a própria arte das misturas foi-se capaz de criar e replicar as propriedades da areia”.
“Agora, vários anos depois, um homem cujo nome se perdeu nas areias do tempo, criou uma mistura suprema. Aquela que foi capaz de não só erguer a Sociedade Secreta dos Alquimistas, como preservar o conhecimento da verdadeira alquimia ao longo da história. Ele resolveu criar uma ampulheta de vidro feito daquela areia mágica, cuja areia dentro era a mesma. Isso causou o efeito de viagem no tempo, com este morrendo no futuro de alguma forma e um outro retornar com a ampulheta do futuro, onde um alquimista conseguiu a recuperar, infelizmente este indivíduo enlouqueceu por estar no passado e morreu também”.
Aaron fez uma pausa no seu discurso, acenou para uns dos alquimistas de jaleco, que lhe foi até os fundos, logo retornando com o objeto citado pelo líder da Cúpula Angular. A ampulheta era razoavelmente grande, mas fora isso era indistinguível de qualquer outra ampulheta.
— Contemplem a verdadeira Máquina do Tempo. Se essa ampulheta for virada, as pessoas que a estiverem segurando são transportadas para o tempo em que mentalizam, por isso é extremamente importante que elas estejam pensando no mesmo, caso contrário, algo desagradável aconteceria. A cápsula, como eu disse, é um ponto de retorno. Então se viajarmos nela, assim que quisermos retornar, retornaremos de volta a ela, e não em um lugar completamente aleatório.
— Espere um pouco, então está dizendo que Herbert viajou no tempo e teremos de fazer isso para derrotá-lo?! — Arthur perguntou, empolgado e assombrado ao mesmo tempo.
— Certamente que não. Viajar no tempo pode ter consequências graves. Então usamos nosso Sistema super avançado, com ele podemos receber o sinal caso haja algo de errado para ser resolvido a nosso respeito, só assim efetuamos uma viagem no tempo para resolver o problema.
— Certo, mas então onde está a Pedra Filosofal? — Julia perguntou, ansiosa — até onde sabemos, Herbert já teve tempo mais que suficiente para localizá-la.
— Não se preocupe, Senhorita Aurora. A Pedra Filosofal se encontra aqui, escondida em uma câmara bem secreta e bem guardada por sentinelas — Aaron tirou seu chapéu, revelando sua careca lisa e reluzente — por que não exploram o laboratório? Não sei se perceberam, mas acabou. Arthur, você era aprendiz de Paracelso, que conhecia a existência da Cúpula Angular, portanto, você e seus amigos serão premiados e condecorados por todo o esforço nessa jornada. Haverão honras para Adam Wolfgang Petry… não percebem? Herbert jamais conseguiria chegar aqui, a Pedra está salva, é praticamente impossível ele sequer encontrar este…
“ALERTA DE INTRUSO, ALERTA DE INTRUSO!”, Um alarme alto e irritante soou por toda parte, obrigando a trupe a tapar os ouvidos após o susto de mais uma novidade tecnológica.
Por um momento a confusão se instaurou entre todos os alquimistas de jaleco. O próprio Aaron não sabia como reagir, tirando um pequeno dispositivo portátil do bolso, tentando ligar para alguém, mas não conseguindo.
— Mas que merda! — exclamou — eu preciso aprender a fechar minha maldita boca.
— O que porventura está ocorrendo? — Luther perguntou, indo até o homem de sobretudo, ameaçando lhe agarrar pela gola.
— Um intruso… alguém em séculos finalmente conseguiu invadir este lugar.
— O que quer dizer?! — Arthur perguntou, com desespero e temor — acabou de falar que ninguém jamais seria capaz de invadir esse lugar.
— Eu sou testemunha das palavras de Art — Pulget confirmou.
Mas antes que Aaron pudesse se justificar, o alarme cessou, logo em seguida ouviram a maçaneta se mexer. Todos no recinto ficaram paralisados e prendendo a respiração, em uma mórbida expectativa.
Enfim, a porta se abriu. Um soldado trajado adentrou o laboratório, cambaleante, a mão esquerda envolvendo o abdômen cheio de sangue.
— Senhor… — se dirigiu a Aaron, cuspindo o líquido vermelho antes de continuar — ele está aqui… está indo atrás da pedra — e então caiu abatido no chão.
Todos os presentes ficaram horrorizados. Julia cerrou os dentes, a adrenalina correndo por todo o seu corpo. Finalmente se veria cara a cara com seu pior inimigo.
Arthur nem perdeu tempo, sacou o frasco contendo o elixir, se preparando para a batalha final. Pulget iria materializar uma bola, mas achou que seria melhor esperar estarem face a face com o inimigo.
Luther pensou nas teses, sentindo que aquele pergaminho estava mais próximo que nunca.
— Precisamos seguir com a missão — ele disse, fazendo uma prece para Skript em seguida.
— Precisamos — Julia concordou, apesar de não conseguir materializar suas mãos negras naquele local todo iluminado, mas sabia como contornar aquilo se precisasse.
— Vamos pegar Herbert no pulo do gato — Arthur parecia empolgado após beber o elixir. Pulget se segurou para não perguntar o que exatamente aquela expressão significava.
A trupe, determinada, se encaminhou para fora do laboratório. Mas antes que pudessem, Aaron e suas sentinelas se colocaram defronte a eles.
— Não posso deixar que saiam — disse, um tanto cansado — essa invasão na realidade foi planejada — surpresa e indignação estampou os rostos de Arthur, Pulget, Julia e Luther — preparamos todos os nossos soldados para abater Herbert assim que ele chegasse. Vocês não precisam se arriscar, pois como eu disse, acabou.
— E porquê não contou isso desde o começo? — Julia parecia prestes a dar um soco no alquimista de sobretudo.
— Não achei que seria necessário. Pensei que teria sido muito mais rápido… mas como eu disse, não precisam se preocupar, Vagner Von Herbert não pode acabar com todos os meus soldados…
AHHHHH!
Gritos e mais gritos ecoavam, vindo de fora do laboratório. Ao que tudo indicava, o plano de Aaron e da Cúpula Angular havia falhado. Herbert fora mais sagaz que eles.
— Sir Aaron Schimidt, iremos atrás de Hebert, isso já está decidido — Luther falou olhando bem nos olhos do sujeito, incisivo.
Houve um momento de silêncio e tensão, onde as sentinelas pareciam prontas para agir, aos poucos retirando do coldre suas armas.
— O senhor não quer machucar a gente — Julia quebrou o silêncio — Aceite, Sr. Schmidt. Precisamos fazer isso.
As sentinelas continuavam o movimento sútil, quando Aaron fez um gesto para que parassem. Olhou bem nos olhos de cada um, vendo a determinação e confiança transbordarem. Então simplesmente saiu do caminho deles.
A trupe não perdeu tempo, se dirigindo para fora do laboratório, cuidando para não pisar no corpo do sentinela caído.
— Rapazes — Aaron os chamou antes que sumissem de vista, eles se voltaram para ele — acabem com a raça desse desgraçado!