As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 18
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- Capítulo 18 - O que importa é a jornada, não o seu fim
Vales totalmente esverdeados, sobrepostos por florestas densas surgiam de forma procedural quando a carruagem os cruzava.
Paracelso tomava um drink, enquanto seu aprendiz observava a beleza do interior da Alemanha. Nunca havia viajado para tão longe de casa e estava fascinado com aquela visão.
— Está contente em desbravar essas magníficas terras em prol da química, Arthur? — o professor perguntou.
— Sem dúvida, professor! — O aprendiz parecia empolgado — a fauna e flora por aqui deve ser absurda… pelo menos maior que a do meu quintal.
Ambos gargalharam. O professor achava incrível a dedicação e determinação do jovem. Não poderia ter escolhido melhor. Conseguia até imaginar sua reação ao descobrir sobre a Sociedade Secreta.
— Devia estar empolgado mesmo. Falta pouco para se formar e atuar diretamente na academia.
Por um tempo a viagem seguiu silenciosa, até Paracelso notar um quê de dúvida no rosto do rapaz.
— O que aflige seus pensamentos, Arthur? — perguntou, recebendo um olhar surpreso do jovem — já tive muitos alunos tão jovens quanto você, sei identificar uma dúvida.
— Bom… eu fiquei pensando há um tempo, qual a finalidade da alquimia? — ele se inclinou para ficar cara a cara com seu mestre — tipo, eu dizia para mim mesmo que era para ajudar as pessoas, mas no fundo, era porque não queria ter uma vida monótona como meu pai. Caçar aqueles insetos e coletar aquelas ervas para fazer alguma coisa parecia um caminho mais interessante, além de ter mais utilidade para o bem do que criar armas e vender a mercenários.
— Então seu pai é um ferreiro, se entendi bem? — o aprendiz confirmou com um aceno — bom, sobre seu questionamento: não há exatamente uma resposta. Há vários motivos que podem levar pessoas a seguir o que seguem. Seja amor, ouro, prazer, necessidade, ajudar os outros. Os motivos variam de pessoa para pessoa.
— Oh! — Tudo parecia esclarecido na mente do jovem.
— Então você julga que seu pai seguiu um caminho de necessidade (o que para alguns seria o pior), mas e se o que você vê na alquimia, ele vê enquanto forja as armas e demais utensílios? Uma coisa é fato, Arthur, todos escolhemos um caminho, junto com ele vêm as consequências. Elas podem ser imprevisíveis, claro, mas quando colocamos nossas intenções em prática, há uma grande probabilidade das consequências se moldarem de acordo com elas. É como um experimento, onde um ingrediente colocado de forma errada pode criar um monstro.
***
Tudo parecia perdido. Após tanto esforço, eles não conseguiram impedir que Herbert executasse seu plano. Ninguém no recinto conseguia dizer uma palavra, apenas aguardando em uma expectativa pessimista o Elixir Supremo fazer efeito.
— HAHAHAHAHAHAHA — Herbert bradava — EU SOU O SER SUPREMOS DESTE MUNDO, TEMAM… UGHA… IGAHUGH.
Repentinamente, o vilão começou a se contorcer, de forma assustadora.
— O que está havendo? — Arthur perguntou.
— O Elixir deve estar fazendo efeito — Aaron deduziu — seu corpo provavelmente precisa de um tempo para se adaptar à fórmula suprema.
— Fonte de potássio, mirtilo, bicho de seda… — Pulget divagava, logo em seguida olhando para Arthur e Julia — creio que essas informações já entraram em meus orifícios auditivos antes, creio eu no segundo dia de minha existência.
— Como assim? — ambos perguntaram.
Logo em seguida, algo inesperado!
Vagner Von Hebert desabou no chão, ainda se contorcendo ferozmente. De sua boca espirrava sangue e seus olhos estavam tão esbugalhados que a qualquer momento aparentava que iriam saltar para fora.
Ele não parecia ameaçador, nem mais poderoso. Toda aquela atmosfera sombria desapareceu. Nada indicava que uma catástrofe iria acontecer. Ninguém sabia como reagir.
— Pulget, você disse que já ouviu essa fórmula? Explique isso — Aaron pediu.
O homúnculo precisou se concentrar para localizar aquela memória distante. Então se lembrou, um pouco antes da deselegância de Herbert em matar Paracelso, como o professor mostrava para o homúnculo várias fórmulas e como em todas elas havia uma gravura do que seria a Pedra Filosofal.
Pulget contou isso e o fato da tal mistura que Herbert acabara de fazer se referir a uma pegadinha do alquimista que ele realizava nos tempos de menino.
Todos ficaram em choque, em especial Aaron, que parecia saber de que mistura se tratava.
— Não pode ser verdade! — manifestou com incredulidade no rosto, aos poucos essa incredulidade foi se transformando em um sorriso de um homem que ganha a maior das apostas.
Ele começou a caminhar em direção ao pedestal, que graças a confusão estava completamente destruído.
— Espere, Sr. Schmidt — Julia disse, se levantando — o que tá acontecendo? Não é arriscado se aproximar?
— Exatamente, o que Pulget quis dizer? — Arthur perguntou.
Mas quando chegaram próximo de Herbert, nada parecia menos ameaçador. O homem demonstrava estar sofrendo a maior dor de barriga do mundo.
— Paracelso uma vez foi suspenso na adolescência por dar a um colega um elixir que o fez ter dor de barriga por dias — Arthur e Julia, assim como os demais já haviam captado o que ocorreu — A Pedra Filosofal elevou a potência do efeito.
Então era isso: o feitiço voltou contra o feiticeiro.
No dia em que Herbert e seus capangas mataram Paracelso, queimaram sua cabana. Era provável que durante o caos eles pegaram a primeira fórmula que viram com a gravura da pedra preciosa. Ou seja, a verdadeira fórmula foi consumida pelas chamas, e agora a Pedra Filosofal havia sido descartada para aquela mistura que deu errado.
— Bem que o Senhor Petry explicou que haviam misturas que poderiam causar a morte — Arthur disse.
— Ele mereceu — Julia comentou, olhando com desprezo o homem se contorcer.
Quando enfim conseguiu abrir os olhos, Herbert contemplou as testemunhas do seu leito de morte. Conseguiu sorrir, mesmo sentindo a maior dor de sua vida, e por fim dizer:
— Eu… teria vencido — E então fechou os olhos.
Aquele baque atingiu a todos. De fato, se não fosse pelo destino, providência divina ou por Skript, tudo estaria perdido.
Pulget novamente contemplou a morte, mas dessa vez refletindo mais sobre a circunstância e frase de Herbert. No fim as coisas pareciam ter se desenrolado para a vitória da trupe, independente deles causarem diretamente ou não aquilo.
O inevitável e fatal desfecho. O homúnculo ensaiou em sua mente,
***
Algumas horas depois, Aaron os acompanhava para fora da sede, em meio às ruas frias de Berlim. Na fachada da igreja de Santa Maria, ele observou por um tempo o trio, pensativo.
Neve começou a cair do céu, pousando por toda parte. Pulget coletou um floco de neve, lhe estudando por um tempo até concluir por si próprio:
— Neve.
— Muito bem, Pulget — Aaron parabenizou, enfim sorrindo para os três — então é isso. Parece que conseguimos, amigos.
— Onde está Luther? — Arthur perguntou.
— Ele está bem, não lembra de nada e já foi enviado para Wittenberg, ele fará um novo pergaminho com as noventa e cinco teses e a história seguirá normalmente.
— E a Pedra Filosofal? Só existia uma? — Julia quis saber.
— Creio que sim, Srta. Aurora. Na realidade, é até um alívio saber que não haverá mais gananciosos atrás de um poder tão imenso.
— Decerto que o comitê atual da Sociedade Secreta Não-Oculta precisará de novos confrades — Pulget lembrou.
— Tem razão. Talvez uma mudança no Sistema também ajude com isso. A Sociedade Secreta nos últimos tempos esteve “a Deus dará”. Provavelmente ouviram sobre um rato de laboratório fujão nas tubulações.
— El Ratón não será mais um problema — Todos olharam curiosos para o homúnculo — uma história longínqua.
— Certo — Aaron continuou — agora acho que é um adeus… claro que nos veremos novamente Arthur, Pulget talvez. Obviamente a senhorita Aurora sempre será bem-vinda.
— Como assim nos veremos novamente?! — Arthur perguntou, com incerteza e expectativa.
— Acredito que terá um futuro brilhante na Academia. Além de ser o mais brilhante aluno de Paracelso, o Broche que Adam Wolfgang Petry lhe entregou significa que ele passou o seu manto de Mestre de Misturas a você.
Arthur parecia prestes a explodir, tamanha a excitação que lhe transbordava naquele momento. Ele olhou para Julia e ela abriu um largo sorriso, o abraçando em seguida. Pulget ficou entre os ombros dos dois e se juntou ao abraço.
— Olha só você, Arthur Becker — Julia disse após se soltarem — o Senhor Petry ficaria orgulhoso.
— Ele ficaria.
Aaron se sentiu comovido pela união dos três. Aquela era a hora do adeus, pelo menos por ora.
— Deixarei vocês a sós agora, pois há muito trabalho a ser feito… Adeus, Pulget, Arthur, Srta. Aurora.
Ele voltou para dentro da igreja, recebendo os acenos do trio. Pulget se sentia extremamente emocionado, após lembrar de tudo que passaram juntos. Não pôde evitar um sorriso. Por mais que tivessem perdido amigos, o aprendizado que ele ganhou naquela jornada era incontestável.
Há males que vem para o bem da consciência.
— Eu nem acredito em tudo isso!
— Nisso o quê, Arthur?
Eles começaram a caminhar pela cidade.
— Tudo… tudo o que a gente passou.
— É uma ótima história, sabe? Para contar aos netos, meu pai diria. Imagine só: o dia em que eu conheci Arthur Becker e Pulget, eles estavam invadindo a minha casa e eu os assustei.
Eles riram.
— Você não vai esquecer de falar como a minha inteligência salvou eu e Pulget, né?
— Está claro que minha persona teve grande contribuição para esse feito.
— Eu acredito no Pulget.
— Nossa, você poderia ter pegado um pouco mais leve comigo, não é? Me bateu um monte.
— Eu faria de novo, se quer saber.
— Ah, é mesmo? Então porque não falamos sobre a tal massagem que você fez no filho do latifundiário?
— Art sem dúvida ficou obcecado com tal ocorrido.
— Sempre me apoiando, não é, Pulget?
Julia pigarreou, claramente querendo mudar de assunto.
— Por que não nos conta sobre o rato nas tubulações, Pulget?
— Essa eu quero ouvir.
— Bem… lá iremos nós…
EPÍLOGO
Arthur, após chegar em casa com Pulget e contar tudo para os seus pais, foi recebido com orgulho, até mesmo pelo pai.
Ele revelou o homúnculo como um experimento bem sucedido para academia, ganhando honrarias e condecorações.
Após isso, se tornou Mestre de Misturas sênior e criou murais dentro da Sociedade Secreta para homenagear Paracelso e Petry, com suas estátuas decorando o local para sempre.
O nome Becker se tornou famoso, com Arthur se casando e tendo filhos, continuando o legado de sua família, já que todo Becker nascia com um dom intelectual forte.
Pulget trilhou o próprio caminho, acompanhando Aaron em viagens periódicas. Nessas viagens, ele começou a expôr seus devaneios filosóficos em público. Ficou conhecido em vários lugares como o sábio Pulget, o pequeno.
Já Julia, não almejava uma vida tão nobre quanto a de seus amigos, preferindo ficar no seu vilarejo, se tornando uma verdadeira líder e usando suas habilidades para proteger seus habitantes.
Em um certo dia, Julia salvou um bardo que estava sendo saqueado, este lhe fez uma canção e cantou por todo canto que passava sobre “Julia, a Protetora que nos assombra e nos acuda”. Julia se tornou uma figura histórica de força feminina, já que seu nome passou por gerações e influenciou vários movimentos.
Assim se encerrou aquelas Desventuras Surreais.
Fim da Parte 1