As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 3
— Mas o que?! — Arthur se perguntou, observando o homem descer a encosta sem pressa.
— Precisamos deixar este perímetro se quisermos preservar nossa existência — O homúnculo alertou, com um tom de pânico na voz, foi isso que fez Arthur realmente temer aquele a quem enfrentavam.
Mas não podia desistir, precisavam continuar tentando.
— Pulget, use aquele seu poder, talvez agora dê certo!
— É ilógico, porém irei aderir por motivos de uma covarde determinação que me surgiu, por mais que esses dois adjetivos estejam longe de serem sinônimos.
Ele novamente mentalizou seu poder, fazendo uma bolinha cromada prateada surgir entre suas mãos. O inimigo estava bem próximo, portanto, era impossível errar a pontaria, mesmo que não tivesse tanta certeza quanto a efetividade do disparo.
— Aguente essa! — pronunciou com alta entonação, disparando contra Saymon.
A investida foi quase bem sucedida, se não fosse aquela pequena virada de pescoço do oponente. Para Arthur aquilo só significava uma coisa: naquele dia certamente perderiam a menor das apostas.
Saymon lançou um sorriso maligno, transformando-se no ovo-explosivo em seguida, cuja ação demorou bem menos tempo que na última vez.
Arthur pegou Pulget e correu o mais rápido possível para longe do inimigo. Três segundos depois, ele explodiu, por pouco não os atingindo. Mas o pequeno triunfo não se mostrou uma chance de escapar, pois havia outra encosta no fim do relevo.
— O dito cujo está a caminho, a largos passos, quase se pondo em maratona — Pulget alertou.
Não tinham outra escolha senão descer a encosta rolando. Caso contrário, o ovo poderia explodir ainda mais rápido.
— Segura firme, Pulget!
O homúnculo obedeceu. Cerrando os dentes, Arthur avançou, conseguindo correr um pouco até perder completamente o equilíbrio naquela longa descida. Mas para sua infelicidade, Saymon também já descia a encosta, na forma de ovo gigante.
Só pode ser brincadeira! Arthur pensou, sentindo a bílis arder em sua garganta. Se aquele ovo chegasse perto, nem precisaria explodir, apenas transformá-los em purê lhes atropelando.
Ele engoliu em seco e tentou se jogar mais para frente, como forma de acelerar. Para o seu azar, a física não funcionava daquela forma, então tudo que restou foi pedir perdão a Deus por todos os seus pecados e que ele tivesse um lugar no céu:
— Nem precisa ser uma casa de ouro, pode ser de bronze, Deus, apenas me aceite no paraíso!
— Porquê externas tais abobrinhas? Olhe mais adiante, ainda temos uma possibilidade de preservar a vida litúrgica neste mundo.
O homúnculo apontava para uma rocha posicionada milagrosamente no meio da descida. Tudo que ele precisava fazer era colidir contra ela. Doeria, não tinha dúvidas, mas o que era a dor comparada à morte?
Assim o fez, colidindo contra a rocha e sentindo os joelhos arderem. Pulget segurou firme, sentindo pela primeira vez o gosto da bílis, engolindo em seco. O ovo, em alta velocidade, se perdeu em outra direção, rolando encosta abaixo. Saymon se explodiu, assim voltando a sua forma original, encarando os dois com ferocidade.
— Ele não vai desistir até nos matar, estamos perdidos, Pulget!
— Não tema, aprendiz de alquimista — Pulget disse com determinação — Tive um novo estímulo do subconsciente, como uma lamparina se pondo a iluminar o breu noturno. É uma ideia que se diz, não é?
— Desembucha!
— Isso não soou tão educado, mas as circunstâncias clamam por pressa. Enfim, já imaginou o que poderia ocorrer caso eu disparasse uma bola enquanto o homem de alta estatura entra em metamorfose reversa e cria seu casulo?
Arthur demorou alguns segundos para processar a pergunta elaborada de uma forma desnecessariamente longa. Quando entendeu, não quis protestar. Que outras opções eles tinham, afinal?
— Não custa nada tentar, manda bola, Pulget!
O homúnculo observou Saymon se aproximando, seus dentes e punhos cerrados. O temor que ele sentiu quase o desconcentrou, mas conseguiu materializar a bola.
Seis metros… cinco metros… quatro… Saymon estava cada vez mais perto, seu tamanho crescia consideravelmente… três… dois… ovo!
Após o inimigo completar a transformação, Pulget observou bem de perto. A casca realmente não parecia muito resistente. Se não conseguissem matá-lo, ao menos seriam capazes de fugir da explosão.
O som agudo que indicava o tempo da explosão começou a soar. Pulget então soltou a bola, que colidiu com uma velocidade considerável contra o ovo e… BUM!
O efeito foi totalmente o contrário do que imaginavam. Acertar o ovo fez apenas a explosão ser adiantada, fazendo Arthur e Pulget serem atingidos em cheio. O impacto foi tão grande que eles foram arremessados pela onda de choque até o alto na estrada acima da encosta.
Estavam agora gravemente feridos. Além de quebrar uma perna, Arthur sofreu várias queimaduras pelo corpo. Pulget perdeu todos os oito dedos e um olho. De fato, estavam na pindaíba.
Observaram o homem ovo-bomba se aproximando aos poucos, com um sorriso triunfante no rosto. Suas mãos estavam em movimentos rápidos, deixando claro seu desejo de trucidar alguém com elas.
Arthur até levantou uma de suas mãos, como que pedindo misericórdia pela vida. Uma exclamação queria sair de sua boca. Era jovem demais para morrer!
— Então é isso que sentimos quando a existência está prestes a se tornar uma esperança inalcançável? — O homúnculo perguntou de forma poética.
Saymon estava tão próximo deles que o sol fora coberto, para Arthur aquilo significava muita coisa, e uma delas é que nunca mais veria o pôr-do-sol. O inimigo começou a rir, uma risada muda que só um vilão maquiavélico mudo seria capaz de soltar.
É o fim! Arthur pensou.
— En garde, herr — Ouviram uma voz grossa e ousada. Ela vinha ao leste da estrada — lute comigo, seu verme. Deixe que a morte tome conta dos feridos. Como é sabido, apenas um covarde mata os já condenados.
Saymon então se virou para o estranho. Aquele homem se vestia de forma curiosa. Todo o seu corpo estava coberto por vestes de alquimista, com um casaco de lã por cima e um broche de esmeralda prendendo o casaco ao corpo. Seu rosto coberto por algumas rugas estampavam um bigode simétrico. Mas o detalhe mais chamativo era uma cartola na cabeça, de fato um enfeite inesperado para o visual fino.
— Vamos terminar com isso do jeito rápido ou do jeito tortuoso, meu formidável oponente? — ele continuou tagarelando para o mudo, que apenas sibilou em resposta — um homem tolo. Então quer o modo tortuoso, não?
De forma dramática, ele tirou dois balões de fundo redondo — recipientes de vidro de aspecto esférico e boca cilíndrica — do coldre embaixo do casaco. Em um balão havia um pouco de areia, no outro um pouco de vinho.
O estranho começou a misturar o conteúdo de um balão no outro e vice-versa. Assim o fez até um processo químico se iniciar, transformando aquela mistura em uma — ao que tudo indicava — deliciosa bebida gasosa.
O estranho a bebeu, sem tirar os olhos de Saymon, enquanto girava o balão vazio na mão esquerda sem qualquer necessidade.
Quando finalmente ingeriu todo o conteúdo, mais um evento estranho ocorreu. Um espelho tridimensional surgiu diante do estranho. Arthur, que observava toda a cena em silêncio, ficou hipnotizado ao tentar compreender aquele espelho, que era uma grande ilusão de ótica, daquelas que não se explica.
Saymon soltou novamente sua gargalhada muda ao ver o que seu oponente possuía para derrotá-lo.
— Pode estar rindo agora, begleiter, mas como diz o ditado: quem ri por último, ri melhor.
Sem se importar nem um pouco com o gracejo, Saymon chegou próximo ao espelho com um sorriso de genuína satisfação, como um homem que descobre ser membro da realeza.
O estranho observou aos poucos o seu inimigo se transformar por completo em um ovo gigante. Quando o som agudo começou a soar, o estranho estalou os dedos e… aguardou.
Arthur fechou os olhos, prevendo o resultado daquela idiotice de longe. Seja quem fosse aquele bêbado com poderes, foi muita burrice de sua parte puxar briga com um mudo naquela manhã.
BUM!
O estranho observou a cena com uma calma tediosa, mas no fim, lá estava seu inimigo caído no chão, totalmente deformado.
— É como lhe disse, herr, quem ri por último ri melhor! — concluiu — esse é o poder do meu espelho tridimensional, com alguns comandos básicos, posso fazer o feitiço sair pela culatra, HAHAHAHA.