As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 4
Ao abrir os olhos, Arthur ficou simplesmente boquiaberto com a cena. Saymon estava morto no chão e Pulget, inerte, com apenas alguns espasmos leves indicando que ainda estava vivo. O estranho da cartola começou a caminhar até eles.
Não sabia o que pensar, esperava apenas que não fosse inimigo. Mas quando o homem se aproximou, Arthur sentiu sua cabeça ser levantada e viu o homem derramando um líquido de um frasco em sua boca. A contragosto, Arthur engoliu e começou a viajar um pouco, tendo seus sentidos um tanto abalados.
Mas logo despertou, se sentindo mais vivo do que nunca.
— Wow, me sinto muito melhor… minha perna! — ele mexeu a perna outrora quebrada, parecia até um milagre.
Pulget ao seu lado, também parecia totalmente recuperado e com o olho e os dedos de volta no lugar. Descreveu um arco em volta do seu corpo com as mãozinhas, um gesto inexplicável para o jovem.
Após verificarem que estavam totalmente curados, os parceiros notaram que o estranho da cartola os observava com certo triunfo.
— Excelente! — ele comemorou — a poção de cura funciona! Vejamos, um jovem com vestes de alquimista. Só pode ser Arthur Becker, o aprendiz de Paracelso.
— Como pode saber?! — Arthur perguntou com surpresa.
— Ora, eu estava a sua procura. Após verificar na Poção Biomolar que Paracelso estava morto e o aprendiz que o acompanhava nas pesquisas não.
— Defina, morto — Pulget interveio.
— Oh, o homúnculo é pensante. Paracelso sempre consegue me surpreender. É uma pena o que tenha acontecido.
— Um devaneio me veio à consciência após suas palavras: sinto um grande peso ao lembrar que a inexistência é um fardo que todos devemos carregar um dia — O homúnculo pela primeira vez assumiu um tom melancólico.
— Espere um pouco. Isso tá muito confuso — Arthur protestou, ansioso — Quem é você e qual sua ligação com o professor? Por acaso é aliado de Vagner Von Herbert?
— Ora, você raciocina direito, jovem? — O estranho pareceu um tanto ofendido — Meu nome é Adam Wolfgang Petry, da Sociedade Secreta dos Alquimistas, Quarta Patente, Mestre de Misturas. Paracelso era membro respeitadíssimo na Sociedade Secreta dos Alquimistas, que como o nome sugere, é uma Sociedade Secreta, no entanto, seus membros são alquimistas. Para um jovem tolo como você talvez devesse desenhar também, não?
Arthur ignorou as alfinetadas. Sua mente fervilhava em questionamentos sobre a tal Sociedade Secreta. Seu professor jamais deixará escapar um ‘’A’’ sobre esse assunto. Será que pretendia contar ao aprendiz em algum momento? Afinal, o que havia de diferente nessa Sociedade Secreta em relação a ordem tradicional dos alquimistas? Essa foi sua próxima pergunta.
— O que há de diferente? Bem — Petry tirou os dois balões de fundo redondo presos a cintura e começou a girá-los desnecessariamente, como um malabarista — podemos dizer que os conceitos tradicionais da alquimia são leigos, se comparados aos ocultos. Poderia ficar o resto do alvorecer explicando vários, mas, temos uma missão, então vamos ao que interessa. Esses balões de fundo redondo, está vendo?
Arthur e Pulget acenaram afirmativamente. Arthur impediu Pulget de perguntar ‘’Defina, balões de fundo redondo’’ bem a tempo.
— Então — Petry continuou — vou lhes explicar a Arte das misturas. Ela é uma técnica mui antiga dos alquimistas para se pôr em vantagem sobre duelos: Introduza duas coisas que encaixem na boca desses balões de fundo redondo, os misture, passando de um balão para outro, até formar um elixir gasoso. Os dois ingredientes podem ser vistos como presságio da habilidade que você irá adquirir após tomar o elixir. Se você pensar bem, pode até adivinhar, mas só vai descobrir quando o elixir fizer efeito.
‘’Algumas vezes as misturas podem ser inefetivas, outras causar doenças, maldições e até a morte daquele que o ingerir. É extremamente perigoso você tomar um elixir diferente daquele que deu certo com você, já que o primeiro elixir que você tomou deixa rastros no corpo, que pode estranhar um diferente. Há um tempo limite do efeito do elixir sobre o corpo, sendo que uma hora após ingerido, você perde sua habilidade e tem de preparar outro’’.
Os dois ouviram toda a explicação com admiração e assombro pela magia que havia nas tais misturas. Arthur boquiaberto e Pulget reflexivo a respeito de alguns substantivos usados.
— Para terminar, vale uma informação, talvez não muito útil, mas está no protocolo — Petry ainda comentou — ‘’Misturas metas’’ não funcionam, caso algum engraçadinho tente. O que seriam misturas metas? — (defina, metas) — Seriam basicamente misturas de balões de fundo redondo fragmentados em outros balões de fundo redondo, para assim serem misturados, para fins científicos talvez? Quem sabe. O importante é saber que elas não funcionam. De jeito nenhum se deve tentar isso, pois é uma blasfêmia aos verdadeiros alquimistas e seu efeito certamente não é agradável.
— Mas quem seria tão burro de tentar algo assim?! — Arthur perguntou atordoado por aquela desnecessária informação — que ideia mais piegas.
— Nunca duvide das ideias que podem vir à mente das pessoas, Arthur — Petry disse de forma assombrosa — mas vamos ao que realmente importa, freunde. Tenho uma coisa para você, Arthur Becker.
Tirou então de uma bolsa no coldre um pedaço de carne. O cheiro não era dos melhores.
— Guarde isso em sua bolsa — disse entregando a carne a Arthur, que fez o que foi pedido com certo receio — pele de guepardo, o felino mais rápido deste mundo. Esse é um dos ingredientes da sua poção, o outro… bem, é água, água fervente. Com meu espelho, será fácil conseguir durante o dia sem necessidade de fogo. Por hora, fique com uma poção já pronta, para caso nos encontremos em apuros inesperadamente.
Entregou um frasco cheio para Arthur, que guardou na bolsa. Estava surpreso com a generosidade de Petry, mas um detalhe o incomodava.
— E obviamente, seus balões — disse, lhe entregando aqueles materiais aparentemente convencionais, mas que possuía a possibilidade de gerar poder, como se fosse mágica!
— Como vou saber se esse elixir não vai me matar ou coisa do tipo?
— Bem simples. Paracelso, há algum tempo, me passou informações sobre sua anatomia, dieta, alergias e sangue, que foram suficientes para, após um pequeno estudo, concluirmos qual mistura não lhe faria mal.
Arthur se animou com a resposta. Pelo visto seu professor realmente pensava em lhe revelar tudo em algum momento.
— Obrigado, Senhor Petry, prometo não decepcionar meu professor — agradeceu.
— Assim espero — Petry parecia impaciente — bom, nossa missão é clara: encontrar Herbert e impedir que ele encontre a Pedra Filosofal, caso contrário, podemos nos considerar perdidos de vez.
— Então essa é nossa missão? — Arthur perguntou, irônico — achei que era comer um delicioso chucrute na cidade mais próxima.
— Aha! — Petry exclamou — deu para gracejos agora, moleque? Aposto que ouviu isso de Paracelso — Arthur confirmou abrindo um largo sorriso — pois bem, companheiros, nosso destino atual é Wittenberg, a cidade do castelo. É bem provável que achemos rastros de Herbert por lá.
Eles então começaram uma jornada árdua.
Caminhando pelo vale no fim da tarde, julgaram que teriam de acampar uma noite e achar um vilarejo próximo, pois Wittenberg ainda era um pouco longe dali.
— Espere um pouco, camaradas — Pulget interveio, no ombro de Arthur, apático e com semblante apreensivo — após divagar por alguns cortes de ciclos diurnos e noturnos, conclui que não me foi concedido as mesmas especiarias fantásticas que meu parceiro Art recebeu.
— Hum, boa colocação — Petry disse — você, Pulget, é um homúnculo. As misturas foram feitas, aparentemente, para aguentar apenas corpos humanos. Se você ingerisse qualquer elixir, era provável que seu intestino derretesse, ou seja, morreria com uma dor excruciante.
— Se ingerisse o fluido gasoso interpretado por uma fusão, eu perderia a capacidade de coexistir com esse plano único?
— Precisamente — e após dizer isso, Petry se virou e continuou sua caminhada, deixando Pulget agregar mais devaneios pessimistas.
— Ainda bem que tem suas bolas, não é? — Arthur lembrou o homúnculo.