As Desventuras Surreais dos Becker - Capítulo 6
— Eu dar meus cavalos a vocês, alquimistas malditos? — o latifundiário indagou, gargalhando com gosto logo em seguida — mas só no dia que eu pirar. O que vão fazer com os cavalos? Cortar a cabeça deles pra fazer algum experimento maluco?
— É uma emergência, Sr. Kléber — Petry tentou explicar, sem rodeios — estamos atrás de um homem perigoso. Se não conseguirmos impedi-lo o mais rápido possível, diga adeus a ordem e justiça ao seu redor.
— Mas que papo furado é esse, metido a mágico? — O Sr. Kléber acendeu um charuto na maior tranquilidade — vocês por acaso são patrulheiros reais disfarçados?
— Eu acho pertinente notar que o dono de todo este lote de pasto é incapaz de encaixar as peças — Pulget comentou, sem pretensão alguma de ofender.
— O que disse, aberração da natureza? — o homem então se afastou e subiu em cima de um castrado. Pelo visto, cansado de ouvir tanta abobrinha — vocês só podem estar gozando da minha cara. Vão embora da minha fazenda. Eu tenho coisas a resolver na capital e não vou ficar aqui perdendo tempo com lorotas, tschüss, idioten.
Assim o latifundiário galopou para longe dali, deixando a trupe desolada. Petry parecia prestes a usar seu espelho para derrubar o Sr. Kléber do cavalo, tamanha era sua frustração.
— Que sujeitinho sovina — comentou, acariciando o bigode e cerrando os dentes — eu tinha certeza que ele ia ceder os cavalos, mas é aquela história, mão fechada só abre cortando ao meio.
— Temos que chegar em Wittenberg logo! — Arthur exclamou, para a surpresa de nenhum dos presentes — se a gente continuar se atrasando, Herbert vai encontrar a Pedra Filosofal!
— Muito bom, Arthur. Mas ajudaria mais se em vez de falar o óbvio, nos desse uma solução — o mestre de misturas refletiu por um momento, tirando a cartola e coçando a cabeça.
— A solução para este quebra-cabeça não está óbvia demais para qualquer consciência pensante não-transcendental? — o homúnculo começou — o único jeito seria cometer delito, afanando os quadrúpedes galopantes.
— Roubar?! Ficou maluco, Pulget? Pirou na batatinha de vez? Caiu no conto da carochinha?
— Acalme-se — Julia o interrompeu, diferente dos outros, ela estava radiante — não vamos precisar roubar nada, Pulget. Eu tenho um plano, senhores…
— Jura? — Petry perguntou desconfiado — vai fazer o que? Uma massagem no latifundiário com sua habilidade?
— O Senhor quase acertou — a moça apontou para o casarão do Sr. Kléber — ele tem um filho… digamos que ele sempre olhou pra mim pela janela enquanto eu trabalhava…
Arthur e Pulget se entreolharam e olharam para Julia, repetiram o processo duas vezes.
— Você realmente está pensando em…
— Em fazer uma massagem nele, Arthur. Que bom que você é tão sagaz — ela se virou, caminhando em direção a casa — ele vai ceder os cavalos, mesmo sem a autorização do pai. De qualquer forma, não vai ser furto, concordam?
— Claro, claro — todos responderam em coro.
Ela então caminhou em direção ao casarão e o adentrou. Todas as cortinas foram fechadas e um rebuliço se iniciou lá dentro. Arthur ficou apenas imaginando como ela usaria as mãos realmente, só sabia que preferia estar no lugar do filho do fazendeiro naquele momento.
Cinco minutos depois, Julia deixou o casarão, caminhando até os companheiros com um sorriso estampado no rosto.
— Temos os cavalos, senhores — ela anunciou, se encaminhando para o estábulo — eu disse que seria fácil.
Eles a seguiram. Cada um soltando um cavalo diferente e montando a sela e rédea. Pretendiam deixar o vilarejo o mais rápido possível. Por mais que o filho tivesse permitido, Arthur duvidava que o Sr. Kléber aprovaria aquilo. Provavelmente daria uma bela bronca no garoto quando voltasse da capital. Mas até lá, eles já estariam bem longe dali.
No final das contas, massagear o filho do fazendeiro e roubar os cavalos teria dado no mesmo, mas Arthur não negava a sagacidade de Julia em fugir daquela culpa moral.
Quando enfim todos já estavam montados em seus cavalos — Pulget obviamente no ombro de Arthur — o garoto resolveu se achegar a Julia. Sua curiosidade naquele momento era maior que a vergonha que poderia sentir a respeito do que estava prestes a perguntar.
— Se eu fizer uma pergunta, me responda sinceramente?
— Claro… — a garota respondeu, mesmo transparecendo suas suspeitas a respeito do que viria a seguir.
— Que tipo de massagem fez nele?
— Que isso, garoto? — ela corou, obviamente achando a pergunta muito estranha — foi uma massagem nos ombros… que tipo de pergunta é essa?
— Ah… bem. Foi o Pulget que me pediu pra perguntar — o garoto mentiu de forma ligeira — ele ainda tá aprendendo sobre a nossa realidade, perguntou ‘’defina, massagem’’ e eu achei melhor perguntar a você… entende?
— De fato, eu estava curioso com a sua secreta técnica de convencimento chamada ‘’massagem’’, fêmea humana.
Ela estreitou os olhos para Arthur, desconfiava muito daquela justificativa. Avançou o galope para ficar longe deles e evitar mais perguntas constrangedoras.
— Segundo o que enxerguei em sua expressão, a garota Aurora não parece transparecer uma emoção positiva com sua indagação, Art.
— E o céu é azul também, Pulget, sabia?
Arthur ignorou o ‘’defina, azul’’ e assim seguiram a viagem, em silêncio por um bom tempo.
Galopavam por altas planícies. Chegaram a cruzar uma montanha, em um caminho estreito; foram pegos por uma chuva inesperada, que os obrigou a acampar em uma caverna. Lá, eles se acomodaram no chão frio, acendendo uma fogueira e assando alguns marshmallows e salsichas.
Petry passou um tempo explicando para Pulget os elementos químicos. Julia explicava para Arthur sua vida no vilarejo, enquanto ele fingia estar super interessado, para compensar o constrangimento que causou mais cedo.
As horas se passaram e Arthur e Pulget acabaram caindo no sono. Julia não tinha um pingo de sono e Petry parecia imerso lendo um diário de anotações importantes. A garota aproveitou para lhe fazer algumas perguntas a respeito do seu pai:
— O senhor sabe exatamente o que o meu pai fazia nessa tal sociedade?
A pergunta pegou o mestre de misturas de surpresa, o fazendo fechar o diário, no intuito de dar atenção a garota.
— Bom, como eu disse, eu e ele não éramos muito íntimos — o alquimista se levantou. Ficar sentado muito tempo naquele chão duro fez suas nádegas se formigarem — mas se ele tinha contato com Herbert, provavelmente era da terceira patente: ou seja, cuidava da parte das pesquisas de descoberta de novas misturas. Se eles eram tão chegados como a senhorita diz, provavelmente foram parceiros de pesquisa.
— Acha então que ele foi naquela noite a nossa casa para chamar meu pai para fazer parte do seu plano vil?
— Tenho certeza, Herbert gosta de aliados para qualquer coisa que ele faça. Mas Donovan, respeitando seu código de alquimista, recusou seu pedido e Vagner, covarde do jeito que é, o matou sem dar chance para um combate limpo.
— Eu juro para o senhor, eu não respondo por mim quando encontrarmos esse… verme nojento — a garota se colocou de pé, cerrando os punhos e fazendo suas mãos negras surgirem pelas paredes escurecidas — e eu espero que o senhor não me impeça quando chegar a hora.
— De forma alguma — o alquimista voltou a se sentar, comendo o último marshmallow restante — quando o código de alquimista é violado da forma que Herbert violou, se for preciso matar o infrator, a alta cúpula não irá barrar.
— É bom ouvir isso.
— Mas não se engane, Julia — Petry alertou, levantando um dedo — se quer derrotá-lo, saiba que ele é um dos mais experientes em combate da Sociedade. Se for investir contra ele cega por vingança, ele vai usar o seu ponto fraco para jogar sujo no combate. Entendeu?
Ela acenou positivamente, fazendo as mãos negras desaparecerem, na tentativa de tentar se acalmar um pouco.
— Certo. Bom, já está tarde, precisamos partir o mais cedo possível. É melhor estarmos bem descansados para um dia imprevisível. Quem sabe que obstáculos nos aguardam ao amanhecer.
E após dizer isso, o alquimista logo adormeceu. Mas naquela noite, Julia não conseguiu dormir direito: seus pensamentos viajavam em Herbert e como iria executar sua vingança. E não era só por ela que ele merecia pagar, mas sim por outros que ele passou por cima para alcançar seus objetivos maléficos. Talvez o que ela sentia não fosse justiça, mas naquele momento, disfarçou toda a ira que sentia naquele sentimento, como que para justificar a si mesma.
Quando o sol se pôs, Petry se levantou com prontidão e acordou a todos. Arthur foi o que mais precisou insistir para acordar. Mas logo a trupe seguiu estrada abaixo da caverna, rumo a Wittenberg, que não estava mais longe que uma milha.
Ninguém falou muito durante a jornada, pois todos estavam sonolentos e famintos — todo o estoque de marshmallows e salsichas acabaram na última noite — portanto, chegar à cidade era a prioridade.
Galopando incessantemente, com os cavalos já cansados, enfim avistaram a silhueta da cidade do castelo próxima. Aliviados, seguiram pela estrada até finalmente adentrarem a cidade.
Quando todos amarram as rédeas em árvores próximas à entrada, se dirigiram à praça principal do local, no intuito de discutir os próximos passos.
Ao chegarem, Petry começou:
— Seguinte, senhores e senhorita. Eu vou procurar mais ao interior da cidade. Julia, você pode entrar nos estabelecimentos e ir perguntando sobre Herbert… discretamente — ela acenou positivamente, empolgada — Arthur, Pulget, procurem por aqui ou na igreja. Se Herbert não estiver mais aqui, o que é bem provável, nosso objetivo é ao menos conseguir informações de seu próximo destino. Bom, vamos agir.
O grupo então se separou. Arthur e Pulget permaneceram ali na praça, calculando o que fariam em seguida:
— Realmente, esse grande centro de aglomeração, vulgo cidade, é surpreendente a olhos leigos — Pulget comentou, admirando as casas grandes e coloridas, junto dos bancos nas praças e o chão de pedras. De fato, era tudo bem arquitetado.
— Não estamos em um passeio, Pulget — Arthur o interrompeu — precisamos focar no nosso objetivo acima de tudo!
— Será que é válido ressaltar que todos esses humanos que caminham por esse trecho retangular podem ter informações de Herbert?
— Sim, mas não vamos perguntar pra cada um deles, seria uma perda de tempo muito grande.
— Eu enxergo como uma oportunidade, mas isso talvez só se aplique no ramo das ideias…
— Ah não! Maldito seja! — Ouviram uma voz não muito distante — Maldito seja o ladrão que roubou as teses. Isso só pode ser obra de espiões… deles.
Havia um homem baixinho, trajado como monge próximo a Igreja do castelo. Ele chamava atenção de todos com os seus berros indignados. Achando a situação um tanto curiosa, Arthur resolveu ir ao seu encontro.
— O que aconteceu, senhor? — perguntou a ele, que ainda estava muito agitado.
— Um maldito. Um maldito roubou o pergaminho com as noventa e cinco teses que eu preguei aqui na porta da Igreja hoje cedo — explicou — sou Martin Luther, monge agostiniano e tinha planos para com as teses… que Deus tenha piedade da alma que roubou isso, pois eu estou tentado a não ter.
— Será que Herbert tem alguma coisa a ver com essa gatunagem? — o homúnculo perguntou, ainda tentando entender o que significava: tese, pergaminho, monge e agostiniano.
— Não vejo motivo para ele roubar do nada um pergaminho, mas também não duvido…
— AHHHH! — Luther começou a gritar.
Mas o que aconteceu em seguida deixou todos ainda mais confusos. O monge começou a ter uma espécie de dor de barriga, berrando e se contorcendo no chão. Disse coisas sem nexo e seu rosto começou a alterar de expressão muito rápido.
— Sugiro que faça alguma coisa, Art, por acaso não era a medicina do professor Paracelso que aprendia?
— Sim, Pulget, mas não faço ideia de como ajudá-lo.
Mas não foi necessário, pois logo em seguida Luther caiu duro no chão.
‘’Ih, morreu’’, várias pessoas ao redor começaram a tagarelar, observando o corpo. Arthur e Pulget até se afastaram um pouco, confusos. De fato, aquilo foi inesperado.
Mas mais inesperado foi o que aconteceu em seguida. Sem aviso nenhum, Luther se mexeu. Se colocou de pé com uma agilidade impossível para um homem da sua idade.
BAM!
Todos ficaram paralisados com a cena e não se precaveram quando o monge golpeou o chão com força. Um impacto levou várias pessoas para trás, inclusive a dupla, que colidiram contra uma árvore. Logo toda a praça se esvaziou, pois todos ficaram com medo. Restaram apenas Arthur, Pulget e Luther no local.
— Ora, ora — o monge disse, a voz levemente alterada comparada a anterior — esse ar fresco, fazia muito tempo que não o sentia. Pelo visto estamos com problemas sérios nesse planeta novamente, não?
Ninguém respondeu, aparentemente ele estava falando sozinho.
— Hum, então quer dizer que se trata de um paradoxo temporal? — continuou a divagar, com uma postura completamente diferente, era como se não fosse a mesma pessoa — bom, um alquimista roubou algo. Se esse algo não for recuperado, tudo pode estar perdido… ah sim, foi o irmão dele. Bem preciso achar um alquimista — ele então se virou na direção de Arthur e Pulget — ei, você. É um alquimista não? Bom, apenas por precaução, irei lhe privar da existência. Mas antes, deixe eu me apresentar, sou @#$? e deixei minha forma cósmica com um único objetivo, impedir um paradoxo temporal causado por um inconsequente.
Arthur rapidamente se colocou de pé. Seja lá o que possuía o monge, precisava se preparar para um combate. Pulget logo materializou uma bola.