As Sombras de um Novo Começo - Capítulo 1
POV Sete
O sol já brilhava intensamente e o seu calor envolvia a cidade em um abraço abafado. A luz dourada pintava as ruas e prédios, criando um contraste vívido entre as sombras e os reflexos brilhantes. Enquanto eu me aproximava do prédio, o barulho da cidade se dissipava, sendo substituído pelo canto suave dos pássaros e o aroma fresco da manhã.
A discordância causada pelo ruído dos passos e sussurros das pessoas ao meu redor parecia distante, perdida em meus pensamentos.
Ao parar em frente ao prédio, um repentino arrepio percorreu minha espinha, como se eu ainda duvidasse da realidade da situação. Diante de mim estava a imensa estrutura cinza que seria meu novo lar a partir daquele momento. A sacada dos apartamentos subia além dos oito andares, parecendo tocar o céu; um lindo e simples gramado verde enfeitava a entrada, e um caminho de pedras escuras levava às portas do edifício.
O desconforto em meu corpo era quase palpável, acompanhando minha respiração que se tornava mais forte e acelerada à medida que meus pensamentos rolavam em confusão, causando uma inconsistência interna e impedindo-me de concentrar meu raciocínio no momento presente. O ar parecia mais pesado, como se estivesse pressionando meus ombros intensamente e intensificando a sensação de sufocamento.
Um suspiro forte e involuntário escapou dos meus lábios, levando com ele a tensão crescente em minha pele e trazendo um alívio momentâneo. O suor pegajoso em minhas mãos foi esmagado quando apertei a alça da bolsa que carregava, sentindo-a ceder ligeiramente sob a pressão, e permitindo aos meus pés moverem-se lenta e inconscientemente pelas pedras quentes do caminho. Cada passo enviava uma onda ardente através das solas dos meus sapatos, enquanto eu abandonava qualquer pensamento trivial pelo trajeto.
Mesmo hesitante, toquei a maçaneta reluzente de uma das portas e abri passagem para o interior gélido do prédio, adentrando gradualmente na sala fria enquanto qualquer barulho externo era esquecido aos poucos, e o distanciamento entre mim e tudo aumentava, fazendo-me mergulhar naquele ambiente tranquilo.
O interior da estrutura era verdadeiramente belo. A luz fria das lâmpadas inundava meus olhos, trazendo-me uma visão incrível de todo o lugar. Imponentes paredes brancas erguiam-se aos lados e, sobre o piso de mármore cinza, uma sequência de poltronas beges que aparentavam ser muito aconchegantes.
Na medida em que meus olhos percorriam o salão, tornei-me inconsciente do meu próprio ser, apreciando a configuração do cômodo ao mesmo tempo que seguia em frente. Ao fim da sala, o cessar repentino dos meus movimentos me trouxe de volta, para que pudesse, finalmente, considerar toda a situação.
À minha frente, sentada a um enorme balcão preto, uma mulher jovem, talvez um pouco mais velha do que eu, olhava-me curiosamente. Seus olhos irradiavam uma inquietação investigativa, causando-me um leve desconforto por sustentar aquele olhar. Seu cabelo levemente acinzentado, amarrado em um coque atrás, combinava com o seu uniforme preto e branco, proporcionando-lhe um ar de profissionalismo.
Deixando sua expressão inicial de lado, ela substituiu sua curiosidade mal disfarçada por um sorriso tênue e gentil, tornando a atmosfera cada vez mais leve e trazendo o tempo de voltar ao seu curso natural.
— Bom dia — cumprimentei-a, na tentativa de quebrar o transe inicial.
— Bom dia — respondeu ela — como posso ajudar?
— Bem… — pensei por um breve momento — Eu ganhei um apartamento aqui.
Suas sobrancelhas se curvaram em evidente confusão enquanto ela considerava minhas palavras. Considerei a hipótese de uma explicação melhor, mas, por fim, continuei encarando-a à espera de uma resposta.
— Você…? Ah! Entendi. — exclamou, parecendo mais animada que o normal — Imagino que você seja um dos estudantes que conseguiu uma bolsa de estudos para cursar em outra escola, não é?
Concordei com a cabeça.
— Certo. Seu nome é…?
— Sete Wynn.
— Hurum, Sete Wynn… — murmurou, procurando em uma lista sobre a mesa — Ah sim! Aqui está! Seu apartamento fica no sexto andar, oitavo número. — suas mãos moveram-se rapidamente para o lado e ela puxou uma gaveta, retirando duas chaves e estendendo-as para mim.
No momento em que peguei as chaves de sua mão, percebi que a sensação de incerteza ainda pairava sobre a superfície da minha mente, refletindo-se na luz que brilhava brevemente no metal.
— Hum… Tudo bem? — a mulher interrompeu meus devaneios com um sorriso educado, seus olhos transmitindo a mesma atenção de antes.
— Ah, sim. É só que… — cessei minhas palavras gradativamente, preparando-me para perguntar o que deveria saber primeiro — Qual é o seu nome? — indaguei em seguida, notando a expressão intrigada da moça.
Em resposta, ela simplesmente piscou e continuou me olhando fixamente. Embora seu rosto sutilmente inclinado não demonstrasse, ela parecia estar um tanto surpresa com a pergunta inesperada.
— Meu nome…? Ah sim! — sua voz ecoou pelo lugar — Eu me chamo Elisa.
— Elisa — repeti, tentando ser cortês — fico feliz em conhecê-la.
Seu sorriso tornou-se mais profundo e ela acenou com a cabeça.
— O prazer é meu.
Refleti sobre minhas próprias palavras por um breve momento, organizando meus próximos passos e ponderando sobre frase estranha que acabara de dizer.
— É — comecei, tentando esquecer isso e querendo mais informações — onde eu posso encontrar os lugares por aqui?
— Ah! Desculpe, eu deveria ter explicado isso antes, mas farei agora. — com um leve suspiro, ela prosseguiu: — Este corredor à minha direita leva à área de trabalho, onde os funcionários do prédio geralmente ficam. Se você precisar de algo e não encontrar ninguém por aí, pode ir até lá.
— Hum, entendi.
— Seguindo por aqui — ela apontou, fazendo-me olhar para um largo corredor à minha direita — Você encontrará um elevador e, andando um pouco mais, virará à esquerda para chegar ao restaurante do hotel.
O corredor vazio estendia-se por alguns metros até dobrar à esquerda. Suas paredes estavam ornamentadas com vários quadros e lâmpadas que emitiam a mesma luz branca. Mesmo longe, era possível ouvir o som das conversas e dos talheres sacudindo o ar, mas sendo sufocado pelas grossas estruturas do térreo. Ainda sim, pude imaginar aquele cenário agitado se desenrolando, o que me causou um incômodo profundo.
Soltei um ar pujante que mal notei estar contendo e olhei para Elisa, que sorria orgulhosamente enquanto me observava com expectativa. Seus olhos cobravam uma resposta semelhante, mas, inconscientemente, mantive-me inexpressivo diante dela, o que pareceu desapontá-la pois seu sorriso foi esmorecendo.
— O que foi? Você não entendeu? — perguntou, parecendo um pouco desanimada.
— Não, não é isso. — expliquei imediatamente — Entendi perfeitamente e agradeço por sua ajuda.
Ela considerou minhas palavras por um momento, depois acenou alegremente e seu sorriso retornou ao rosto.
— Certo. Você precisa de mais alguma coisa?
— Bom, acho que não.
— Então está bem, qualquer coisa é só me procurar.
Por algum motivo, olhar para ela provocava-me um cansaço sutil e uma leveza difíceis de assimilar, mas não era uma sensação ruim.
— Obrigado — agradeci — Nos vemos depois, Elisa.
— Claro! Tenha um ótimo dia, Sete.
Acenei brevemente com a mão enquanto caminhava pelo corredor. Ao meu lado, as lisas paredes brancas refletiam a luz, deixando o lugar mais brilhante e bonito. A calmaria local proporcionava um certo conforto aos meus ouvidos ao mesmo tempo em que me aproximava do elevador.
As portas de metal reluzente revelaram um borrão da minha imagem e, ao lado, observei o pequeno painel de vidro e os botões dispostos abaixo dele.
Buscando por minhas memórias, percebi que não estava acostumado a usar elevadores com frequência, e, por esse motivo, as chances de algo dar errado na primeira tentativa eram grandes demais. Entretanto, mesmo considerando os possíveis erros, comecei a apertar qualquer tecla que fizesse algum sentido lógico e pedi para que a máquina funcionasse como o esperado.
Pouco tempo depois, as portas se abriram com um curto e singelo som, revelando um interior tranquilo e álgido aos meus olhos. Senti meus músculos relaxarem, pois, para a minha sorte, o elevador estava completamente vazio. Após tocar novamente as teclas internas, senti a leve movimentação sob meus pés quando comecei subir pelos andares, chegando rapidamente ao sexto andar para encontrar um espaçoso corredor que se estendia por alguns metros até se dividir em dois. Algumas portas jaziam ao lado de cada parede, mas nenhuma exibia o que eu procurava.
Escolhi uma sentido e virei à esquerda, continuando a procura no mesmo ritmo; um número sendo entoado na minha mente a cada passo.
Próximo ao fim do corredor, encontrei o apartamento desejado e vasculhei os bolsos da minha calça pelas chaves. O tilintar em minhas mãos caminhou pelo quieto lugar, permitido que eu abrisse a porta não só do apartamento, mas também da minha crescente expectativa.
O lugar estava impregnado pelo agradável cheiro cítrico dos produtos de limpeza, gerando uma brisa fresca que acariciava minha pele. Os raios de sol sutis passavam vagamente pelas cortinas, criando padrões dourados no chão de madeira polida. Olhei ao redor do apartamento e, estranhamente, senti-me em casa.
A sala, assim como toda a residência, estava bem organizada e era um lugar aconchegante, bem diferente do térreo. Na parede oposta, uma janela estava coberta pela comprida cortina bege. Próximo a ela, no canto da parede, um pequeno armário sustentava uma televisão. Ao meu lado, uma pequena mesa circular complementava a decoração, e, no centro da sala, dois sofás convidativos rodeavam uma mesinha retangular.
Observando o redor, não pude evitar o sorriso suave que surgiu em meu rosto. Caminhei até a entrada de um corredor à esquerda para ver a extensão do local. Ao fim do cômodo, pude notar que o espaço se abria para a cozinha, revelando um ambiente brevemente iluminado.
O corredor ainda exibia três portas, que provavelmente seriam o banheiro e os dois quartos padrões desse tipo de apartamento.
Ponderando cuidadosamente minha escolha, fui em direção à última porta à direita. Sinceramente, eu parecia uma criança descobrindo algo novo, mas, mesmo que tentasse negar, isso era algo realmente prazeroso.
Entrei tão rapidamente, que mal me dei tempo para observar adequadamente o quarto, tropeçando, propositalmente, em meus próprios pés para que meu corpo afundasse bruscamente no colchão, enviando um som surdo aos meus ouvidos enquanto as duas bolsas que carregava voavam sobre a cama.
Minha respiração quente sendo espremida por essa ação de liberdade ameaçava me sufocar, virando-me de costas para observar, detalhadamente, o meu entorno. Além da cama em que estava deitado, um pequeno armário repousava na parede, uma escrivaninha e uma cadeira ao canto e, por último, um espelho grande pendurado em um espaço vago.
Um sentimento agradável tocou minha mente mais profundamente. Senti aquilo e fechei os olhos, dando-me tempo para apreciar tudo suavemente. Meus dedos se moveram pelo ar, entrelaçando-se aos meus cachos negros que caíam brevemente sobre o meus olhos.
O sono assombrava tomar meu corpo em suas mãos, mas, naquele momento, fui despertado pelo som de batidas na porta do apartamento, dispensando a doce sensação de sonho e me obrigando a levantar preguiçosamente para atender o chamado.
Abri a porta e, do outro lado, estava uma menina menor do que eu. Sua pele clara parecia brilhar à luz do corredor, contrastando com os cabelos brancos que chegavam ligeiramente nos ombros. Seus olhos, de um cinza azulado, refletiam uma animosidade em relação à situação, combinando perfeitamente com a tonalidade de seu cabelo. Ela vestia uma calça azul escuro e uma camisa branca, que pareciam feitas sob medida para seu corpo.
Depois de aparentemente ponderar suas primeiras palavras, ela sorriu timidamente antes de dizer: — Olá, eu sou a Maya. Você deve ser o Sete, certo? — Seus olhos brilharam em interesse ao tempo em que esperavam pela resposta.
Ainda concentrando-me naquele olhar, assenti levemente com a cabeça.
Ela me avaliou por um breve momento antes de continuar com seu tom amigável: — Sou aluna da escola que você começará a frequentar a partir de amanhã. Vim aqui para entregar o uniforme do colégio e explicar algumas informações que podem ser importantes para você.
Me afastei da porta, consciente da minha falta de cortesia.
— Por favor, entre.
Ela pareceu hesitar por um instante, mas logo deu um passo à frente e entrou, parando rigidamente logo em seguida.
Tão suave quanto possível, fechei a porta e disse: — Sente-se.
— Ah, claro… — sua voz, assim como seus movimentos, revelavam um nervosismo mal camuflado.
Nos sentamos no sofá, e a conversa, que mal havia começado, pareceu estagnar. Por alguns segundos, nenhum de nós dois disse uma única palavra.
— Então,— ela iniciou — aqui está seu uniforme.— Em um breve instante, ela me lançou um olhar antes de acrescentar: — Recebi informações sobre você. Disseram-me que seu corpo era mediano, então escolhi o tamanho do uniforme adequadamente para evitar problemas. Mas, caso não sirva, você poderá trocá-lo depois.
— Certo, obrigado. — tentei transparecer minha gratidão, principalmente por ela ter me poupado do trabalho.
Maya colocou o uniforme sobre a mesa e, mais uma vez, voltou a me encarar. Deixei que manifestasse seu interesse e aguardei sua próxima pergunta.
— Peço perdão pela curiosidade, mas… qual é a sua idade?
— Tudo bem. — respondi, recostando-me no sofá — Tenho 17 anos.
Sua atenção pareceu se intensificar com a minha resposta e seus olhos se moviam rapidamente conforme ela pensava, carregando a atmosfera de expectativa.
— Então isso significa que você provavelmente está no último ano do ensino médio. — ela me olhou, procurando confirmação, e eu acenei afirmativamente. — Certo, mas não entendo por que você mudaria de escola agora. Quer dizer, a escola onde você estudava também era de nível médio, então não vejo como mudar de colégio agora faria diferença ou seria uma boa opção.
Continuei a encará-la, buscando organizar meus próprios pensamentos. Era compreensível sua curiosidade, afinal, não era uma situação comum, especialmente considerando as circunstâncias. No entanto, eu tinha meus motivos. Ainda assim, isso não era o mais importante no momento. O que realmente me preocupava era o quanto essa garota sabia sobre mim.
Ignorando essa questão, pensei por um momento, refletindo sobre a melhor maneira de responder sem revelar muitos detalhes.
Maya agitava as mãos nervosamente enquanto esperava por uma resposta, seus movimentos impacientes intensificando-se com o passar do tempo. Observando-a assim, não era difícil me ver em situações semelhantes que, felizmente, tornaram-se menos frequentes.
— Bom — comecei —, fiz isso por desavenças familiares.
— Ah, entendi, lamento muito por isso — sua voz soou mais baixa — .Peço perdão se for algo que te incomode.
— Na verdade, não importa mais. Então, não se preocupe. — tentei amenizar a situação.
— Sério? Nesse caso… Você poderia me contar um pouco mais? — um sorriso repentino iluminou seu rosto, fazendo-a parecer uma criança ansiosa por uma história.
Contar mais? Isso nunca foi a minha intenção, e mesmo assim ela queria ouvir mais? Tudo bem, posso responder de forma simples.
— Eu simplesmente não tinha uma relação muito amigável com meu pai e minha irmã mais velha.
— Ahh… Entendo. Sinto muito.
— Não há necessidade. — um ar cansado escapou dos meus lábios — Seria um exagero da minha parte considerar isso um problema.
— Você realmente acha isso? — Ela me olhou de forma estranha.
— Acho. Até porque, comparado a outras pessoas, isso não é nada.
Por alguns minutos, uma quietude desconfortável pairou entre nós, fazendo com que as cortinas balançando ao vento fossem o único som e movimento na sala. A situação estava se tornando cada vez mais estranha, e eu precisava melhorar o clima de alguma forma.
— Você… aceita um café? — perguntei, vendo isso como a melhor opção.
— Ah, s-sim, se não for um incômodo — suas palavras ecoando intermitentes em resposta à minha oferta.
— De maneira alguma.— assegurei-a antes de me dirigir à cozinha, acrescentando: — Por favor, fique à vontade.
Ela assentiu com um sorriso discreto.
Caminhando para a cozinha, mal percebia minhas próprias. Nem ao menos conseguia considerar plenamente os meus pensamentos. Tudo que vinha à mente era sobre a minha família e o quão desafiador era falar sobre ela com outras pessoas.
Entre os móveis da cozinha, que não havia notado antes por não ter entrado aqui, deparei-me com uma abertura na parede ao lado. Era uma área de serviço modesta, mas bem organizada, com vários produtos de limpeza e recipientes grandes para roupas.
Fiquei ali parado por um breve momento, analisando o espaço e conscientizando-me das minhas novas responsabilidades. No entanto, ao considerar o armário atrás de mim, minha preocupação mudou rapidamente.
Bom… eu só espero que tenha café aqui.
Um tempo depois, voltei com uma bandeja contendo duas xícaras de café e um prato de bolachas que encontrei vasculhando a cozinha. O cheiro rico e reconfortante do café recém-passado exalava pelo ambiente, envolvendo a sala em uma fragrância acolhedora. Acomodei-me novamente no sofá macio, colocando a bandeja na mesa de centro e incentivando Maya a se servir, oferecendo-lhe educadamente uma xícara.
— Obrigada — agradeceu, dando um gole no café e fechando os olhos momentaneamente, parecendo apreciar o sabor.
— Por nada. — respondi, sentindo-me satisfeito, porque lembrei ligeiramente de outra pessoa que também reagia da mesma forma ao beber meu café.
— Então, — Maya começou após um momento de silêncio, pegando um biscoito e levando-o à boca — amanhã é o primeiro dia de aula, como você sabe. No entanto, você é um aluno novo e ainda não conhece a nossa escola, por esse motivo, estou certa de que informações são valiosas.
— Sim, você está correta. — concordei enquanto tomava um gole da bebida.
— Bem, você foi muito gentil comigo, portanto irei retribuir o favor. — um sorriso emoldurou seu rosto antes de ela continuar — Assim que você chegar ao colégio, vá até o pátio que fica no meio da escola e procure por um mural. Lá haverá informações sobre as turmas e o horário das aulas, mas, caso não consiga encontrá-lo, pode me procurar também.
— Tá bom. Agradeço pela gentileza.
— Disponha. — disse, dispensando meus agradecimentos com um breve gesto — Sobre o horário de início, acredito que você já saiba… ou não?
— Quanto a isso, não há com o que se preocupar. — respondi — As aulas começam às 7:30 e terminam às 16:00.
— Correto. — ela pausou, olhando para o horizonte além da janela — Mudando de assunto, você está ansioso? É o último ano.
— Não tenho certeza, mas acredito que sim.
Não era exatamente uma mentira. Eu realmente aguardava pelo fim desse ciclo. O problema é que eu não tinha ideia do que fazer em seguida. Sei que, se não morrer, precisarei construir meu futuro, mas isso não me anima nem um pouco. Além disso, não sinto interesse por nada em particular, e, no final, tudo parece muito cansativo.
— Bom, pelo que ouvi, este ano será diferente para nós. Há quatro testes à nossa espera, e estou bastante curiosa para saber mais sobre eles.
Senti um nó se formar em minha mente com que Maya disse. Mesmo olhando atentamente para ela, não conseguia imaginar que Maya estava na mesma série que eu, já que ela parecia um pouco… nova.
Ou talvez seja só você se achando velho demais e vendo os outros como mais jovens do que realmente são.
— Aliás, Sete. — seus olhos brilharam em atenção.
— Sim?
— Você é bom com magia? — perguntou, esperando uma resposta com certa curiosidade.
— Acho que não sou tão ruim, e você?
Maya riu baixo, um sorriso brincando em seus lábios, e respondeu: — Certo. Eu me considero na média, já que consigo conjurar dois feitiços… Você sabe algum?
— Somente um.
— Entendo… — Ela sorriu, parecendo pensar em algo — Mas você tem afinidade com quantos elementos?
— Dois.
— Parece que estamos em pé de igualdade, então. — Maya recostou-se no sofá, parecendo derrotada.
Meus olhos vagaram dela para a xícara em minhas mãos, considerando a leve borra de café ao fundo e buscando respostas para algo que mal conseguia articular ultimamente.
— Sete? — ela chamou minha atenção novamente, fazendo-me erguer o olhar na sua direção. — Está tudo bem? Ou você é sempre assim?
— Assim… como? — perguntei, curioso.
— Sua expressão, seu jeito calmo. Me desculpe, mas parece até um pouco… preguiçoso, se me permite dizer. Você sempre foi assim?
Ponderei o que ela disse por instante, mas logo balancei a cabeça negativamente.
— Não sei como te responder isso. Mas acredito que provavelmente não, talvez… só preguiçoso. — admiti.
— Entendi. — seu olhar se perdeu enquanto refletia sobre as minhas palavras.
Não era a primeira vez que eu ouvia algo assim, mas, sinceramente, nunca achei que passasse esse “ar” às pessoas. Perdido em meus pensamentos conflitantes, mal percebi quando Maya colocou a xícara sobre a mesa e se levantou.
— Bem, tenho que ir. — disse por fim.
— Certo. Obrigado pela atenção, Maya.
— Por nada, Sete.
Acompanhei-a até a saída e abri a porta, sentindo o vento frio do corredor aproveitar e brecha e entrar.
— Nos vemos amanhã, então. Até. — Maya se despediu, ainda com um olhar carregado de perguntas.
— Até, Maya. — respondi, observando-a se afastar até que ela desaparecesse de vista.
Após nossa breve despedida, arrastei-me até o sofá e liguei a televisão, buscando algum entretenimento para o meu tempo livre.
A jornalista, que apareceu na tela do aparelho, falava sobre um assunto que esteve em alta nos últimos dias, embora parecesse tratar de uma nova informação. Atrás dela, várias pessoas usando ternos andavam de um lado para o outro em um confuso caos, sem saberem exatamente o que fazer.
— As informações que temos sobre a situação são misteriosas. Até o momento, sabemos que Oberon, o representante do segundo distrito, iniciou hoje uma política de isolamento total. Ainda não se sabe o motivo de suas ações estranhas, mas o Concelho, formado pelos representantes do primeiro, terceiro e quarto distrito, está atualmente tentando entrar em contato com ele, no entanto, não há sucesso aparente.
Sua voz carregava sua preocupação crescente, e mesmo seu profissionalismo não foi capaz de ocultá-la de forma eficiente. Entretanto, era compreensível. Um evento dessa magnitude nunca havia ocorrido em toda a história, e Oberon já vinha demonstrando um comportamento suspeito recentemente.
Desliguei o dispositivo e me levantei, dirigindo-me ao quarto. O som da minha respiração cansada marcava minha preguiça em até mesmo pensar sobre esse assunto. No entanto, após uma rápida reflexão, concluí que não havia muito o que ponderar; o desfecho me parecia lógico. Provavelmente não haveria grandes represálias por essa ação e, no final, tudo deveria se resolver de maneira pacífica.
Ao entrar no cômodo, dei mais uma olhada ao redor, deixando de lado aquele raciocínio para focar em outro pensamento: considerando minha situação atual, agora eu poderia “melhorar” meu corpo. Embora já tivesse considerado isso antes, sempre adiei, mas sentia que precisava fazer isso, ou pelo menos era o que achava.
Deixando as dúvidas para trás, sentei-me no chão frio do apartamento, sentindo o gelado penetrar minhas roupas. Tudo que eu precisava fazer era me dedicar diariamente a um treinamento simples, pelo menos em teoria, que consistia em uma série variada de flexões, agachamentos e abdominais.
Ao verificar o relógio na parede do quarto, notei que já eram 21:40 da noite. A essa hora, a luz projetada pela cidade iluminava a atmosfera escura do lugar, e o som das folhas sendo chacoalhadas pelo vento deixava o cenário mais acolhedor.
Terminando de tomar o café, coloquei a xícara sobre a escrivaninha e me inclinei para pegar o uniforme ao lado.
Era um terno preto com detalhes em azul. A fina costura evidenciava sua qualidade, e os sapatos casuais complementavam o conjunto de forma perfeita. Sem dúvida, era uniforme mais bem-composto que já vi. Ainda precisava experimentá-lo, mas concluí que serviria mesmo assim.
Deitado na cama, já exausto pelo dia, procurei meu celular sob o lençol macio, lembrando-me da última tarefa do dia: ligar para uma pessoa.
O som da chamada sendo efetuada me deixou ansioso, pois não sabia se ela atenderia. Esperei até que finalmente ouvi uma resposta.
— Sete? — a voz doce e gentil do outro lado trouxe uma paz momentânea, apesar dos sons de ambulância e da turbulência ao fundo.
— Oi, mãe.
— Ahhh, já estou com saudades. Por que não ligou antes?
— Desculpe, mãe. Estive um pouco ocupado. — sabia que ela também não poderia atender a qualquer hora, já que estava frequentemente sobrecarregada.
— Hum… Tudo bem. Mas como você está? Deu tudo certo?
— Sim… está tudo bem. Você… não deveria estar em casa?
— Sim, filho, mas você sabe que o meu trabalho é importante, não sabe?
— Sei, você já me explicou isso várias vezes. — pensei em acrescentar: mas, mesmo assim, sua voz demonstra seu cansaço.
— Isso é bom, porque, como eu já disse, você será o meu sucessor.
— Mãe, pra início de conversa, não me lembro de ter concordado com isso, então a resposta é não.
Compreendia seu desejo. Entre seus três filhos, eu era o que mais parecia com ela. Pelo menos fisicamente, era uma semelhança incrível, tanto no cabelo, quanto na cor negra dos olhos e chocolate rico da pele. Talvez esses traços justificassem a expectativa dela em relação a mim.
— De jeito nenhum, mocinho, já conversamos sobre isso, e as aulas que você teve comigo não foram em vão.
— Nem foram tantas aulas assim, e você sabe disso. Além do mais, não me vejo seguindo essa carreira.
— Tsk Tsk. Tudo bem, eu já esperava por isso, mas ainda há tempo para você mudar de ideia, então vou esperar.
— Sim. — concordei, um sorriso fraco formando-se em meus lábios enquanto negava com a cabeça — Aylla e os outros estão bem?
— Estão. Aylla está muito animada com as aulas de amanhã.
— Entendo… isso é bom.
— Sim… pelo menos quanto a isso, não preciso me preocupar com vocês. — disse com uma pitada de ironia minando de sua voz brincalhona — Aliás, Sete.
— O quê? — perguntei, antecipando o que viria a seguir.
— Você precisa aprender mais feitiços. Eles serão muito importantes para você este ano. Não se esqueça disso e deixe de ser preguiçoso!
— Não é exatamente preguiça…
— É sim! Sou sua mãe e te conheço muito bem.
— Conhece mesmo? — provoquei.
— Claro! Mas — sua voz soou mais desanimada — pensar que já é o seu último ano… Passou rápido, não é?
— É, um pouco.
— Hillary! — um grito desesperado ao fundo interrompeu nossa conversa — Precisamos de você aqui!
— Tá bom, Já estou indo! Desculpe, Sete, preciso ir agora.
— Tudo bem, eu entendo. Se cuida, mãe.
— Você também, filho.
Deixei o celular deslizar pelos meus dedos enquanto imaginava a situação agitada em que minha mãe se encontrava agora. Mesmo nessas circunstâncias, falar com ela era realmente reconfortante. Afinal, ela era uma mulher forte, gentil, carinhosa e divertida que sempre esteve ao meu lado e, eventualmente, tornou-se mais do que minha mãe; tornou-se minha melhor amiga.
Lembranças dos momentos que passei com ela e minha irmã mais nova inundaram minha mente, fazendo meu sorriso crescer ainda mais. No entanto, um sentimento estranho se misturou a essa doce nostalgia.
Talvez eu tenha partido um pouco cedo demais. São tempos que não voltarão, mesmo que eu decida retornar…
Meus pensamentos flutuantes foram se dispersando em um sono profundo. Inconscientemente, notei que a turbulência abafada de sons já não alcançava plenamente os meus ouvidos. Piscando os olhos pesadamente, senti os músculos do meu corpo relaxaram, entregando-me ao cansaço que dominava minha consciência.