Ataraxian: Shoujo - A Garota da Profecia - Capítulo 1
Tóquio amanheceu sob um céu nublado e cinzento, típico do inverno japonês. Recém—acordada de um sono profundo, Ayasaka sentou—se na cama, esticando cada músculo do corpo ao se espreguiçar. Ela checou o horário em seu celular para se certificar que realmente havia acordado no horário certo, já que seu corpo estava tão cansado.
Uma estranha sensação de fadiga a envolveu, como se a energia a tivesse abandonado. Mesmo tendo ido para a cama cedo, a sensação de cansaço persistia. Ayasaka concluiu que isso devia ser uma consequência do acontecimento do dia anterior. Sem estranhar, aceitou a situação de maneira realista e continuou sua rotina, sem dar muita importância ao ocorrido.
Após sair da cama, começou a se preparar para mais um dia de aula. Ayasaka sempre acordava duas horas e meia adiantada, graças ao despertador de seu smartphone, que mantinha carregando ao lado da cama, um de seus hábitos rotineiros
— Bom dia — disse Ayasaka, parando à entrada da cozinha. Dirigia—se a uma mulher alta, de cabelos longos presos com um kanzashi, vestindo um kimono com estampas de cerejeira que rodavam ao longo da bainha do traje. A mãe de Ayasaka, com um sorriso no rosto, virou—se calmamente, segurando uma jarra de chá.
— Bom dia, querida — ela observou o traje de Ayasaka de cima a baixo, notando que a filha já estava pronta para sair de casa, apesar de serem apenas cinco da manhã. — Já está indo para a escola?
— Sim, mãe — Ayasaka percebeu imediatamente que estava sendo analisada pelo olhar crítico de sua mãe. Encolheu—se ligeiramente devido à timidez, mas continuou sua frase. — Com sua licença.
Fez uma leve reverência, pegou delicadamente seu obentô, que estava enrolado em um pano e colocado sobre a mesa, e saiu da cozinha com a cabeça levemente baixa, demonstrando respeito e submissão hierárquica à sua mãe.
Com o obentô em mãos e a mochila nas costas, vestindo o uniforme escolar que consistia em uma saia azul escuro com uma listra branca na bainha, meias pretas até o joelho e uma camisa azul escura com um longo colarinho envolto por listras brancas, acompanhada de uma gravata borboleta de linhas finas, Ayasaka seguiu o seu caminho rotineiro em direção à escola. Sempre cuidadosa com suas vestimentas para evitar julgamentos alheios.
Sentou—se ao fundo do ônibus em direção à estação de Hatsudai, seguindo à risca sua rotina diária no segundo dia letivo. Com sua música favorita tocando no smartphone via streaming de áudio, Ayasaka mais uma vez, olhou para a foto de fundo com o menino, por quem parecia guardar um carinho especial.
— Uma “princesa” ter que fazer as coisas sozinha sem a ajuda do seu cavaleiro…, é vacilo. Sabia? Seu vacilão — ela disse com um sorriso fraco no rosto.
Ayasaka admirava um ponto fixo na janela enquanto refletia sobre o evento do dia anterior. Ainda um pouco assustada, aos poucos seus olhos começaram a pesar, e sua cabeça começou a cambalear de sono.
“Será que aquilo realmente aconteceu? Foi tão estranho. Talvez tenha sido um sonho. Eu deveria pedir a opinião das meninas do clube sobre isso”, pensou Ayasaka, tentando entender o que tinha vivido. “Mas não posso fazer isso no ônibus. As pessoas vão achar que sou maluca.”
No entanto, um calafrio repentino percorreu seu corpo, fazendo—a abrir os olhos bruscamente, e o que viu ao seu redor a deixou pálida. Ayasaka encontrou—se novamente na mesma planície que havia visto no dia anterior ao tocar o violão. Sentada na grama azul—escura, ela tocou o chão e imediatamente sentiu a sensação de terra molhada pelo orvalho de uma manhã gelada. O cenário era estranho, ensolarado com uma luz turquesa alaranjada que tornava impossível determinar a hora do dia.
“Agora tenho certeza de que não é um sonho. Mas o que diabos está acontecendo?” pensou, perplexa.
Determinada, ela começou a correr em direção a uma lagoa próxima. Conforme percorria o caminho, notou que não estava vestindo o uniforme escolar.
“Que roupas são essas?…”
Ayasaka parou perto de uma árvore de tronco largo e folhas brancas, encantada com a visão, algo que ela jamais tinha visto em sua vida em Tóquio. Ela examinou o tecido de seu manto vermelho escuro, com listras pretas desuniformes e bordados intrincados, que pareciam ter demandado meses para serem feitos.
No entanto, seu encanto logo foi interrompido quando uma sombra estranha avançou rapidamente em sua direção, obscurecendo completamente a paisagem deslumbrante e criando um eclipse angustiante que engoliu tudo o que estava à sua frente. As construções pontiagudas e intrigantes da cidade desapareceram, e tudo o que Ayasaka podia ver era um círculo de grama, com ela no centro.
Ela encolheu—se, segurando o manto com força devido à ventania criada pela sombra. Instintivamente, colocou as mãos na cabeça, como se estivesse se protegendo de algo terrível. Enquanto sentia uma presença estranha, Ayasaka olhou à sua frente e viu uma silhueta indistinguível. A única coisa clara eram dois círculos roxos que se assemelhavam a olhos, feitos de uma fumaça semelhante ao fogo, flutuando em cavidades na silhueta. Essa figura a encarava implacavelmente.
Ayasaka tremia, à beira de uma crise de pânico. No entanto, uma voz solene e calma, que parecia vir do fundo de sua mente, abafada como se ela estivesse debaixo d’água, a fez mudar sua respiração e reduzir seus batimentos cardíacos. Gradualmente, o seu desespero se acalmou.
“Feche os olhos e respire fundo, ainda não chegou a hora de você estar aqui”, disse a voz com sabedoria.
Imediatamente, Ayasaka fez o que a voz ordenou, sem ter muitas outras opções. Ela sentiu que o som e a sensação do vendaval ao seu redor se afastavam gradualmente até que o único som que conseguia ouvir era o de sua música favorita tocando em seus fones de ouvido sem fio, conectados ao seu smartphone. Ayasaka, sentindo—se um pouco atordoada, olhou ao redor, tentando se orientar, e percebeu que estava sentada no ônibus em direção à estação de Hatsudai, que aliás, era a próxima parada.
Já na sala de aula, sentada em sua carteira e prestes a tocar o sino, Ayasaka não conseguia reunir pensamentos coerentes desde o incidente no ônibus. Ela estava com medo até de fechar os olhos. Nesse momento, a presidente de classe se aproximou, fazendo com que ela se assustasse e desse um pequeno pulo.
— Mio—san, a aula será no campo de educação física, não na sala, você esqueceu? — Mitsui notou o comportamento estranho de Ayasaka, que estava completamente fora de si. — Vamos, eu vou te ajudar a arrumar suas coisas na mochila e a se trocar para o uniforme esportivo. — A presidente de classe falou com compaixão e liderança. Ayasaka apenas assentiu com a cabeça, olhando para baixo, e permitiu que Mitsui a conduzisse até os armários do colégio, onde pegou sua roupa esportiva e se trocou.
As duas chegaram juntas, porém atrasadas, ao campo de esportes, vestindo o mesmo uniforme esportivo do colégio: calça vermelha com uma listra branca na lateral que percorria toda a extensão da perna e uma camisa branca simples com o logotipo do colégio em azul. Isso causou um certo alvoroço entre os garotos da classe. Ayasaka, com o rosto corado e ainda um pouco ofegante por ter corrido para não se atrasar, parecia um pimentão fofo.
Mitsui, por sua vez, manteve sua postura de líder e encarou os garotos com um olhar penetrante, parecido com o de uma Gorgon em seu momento mais feroz. Isso fez com que eles ficassem com medo de se transformar em pedra e começassem a fingir que estavam verificando os tacos de beisebol da escola, o que arrancou uma risada suave de Ayasaka e a deixou menos corada.
A professora de educação física organizou uma corrida de cinco voltas no campo para todos os alunos e pediu que ficassem em posição. Então, ela deu a largada com um som ríspido de seu apito de metal prateado que, quando refletia o fraco sol da manhã, incomodava os olhos dos alunos e causava irritação.
Ayasaka largou ao lado da presidente de classe, que rapidamente a ultrapassou devido à sua excelente condição física. Mitsui era, sem dúvida, a estrela da escola quando se tratava de esportes, destacando—se em todas as modalidades com um fôlego e dedicação sem igual. Ela olhou para trás, procurando Ayasaka no meio da multidão de alunos. Quando seus olhos se encontraram, Mitsui piscou o olho esquerdo de forma brincalhona, mostrando levemente a língua, uma provocação amigável. Ayasaka entrou na brincadeira e retribuiu com um gesto semelhante, enquanto Mitsui se virava e focava na corrida, seu rabo de cavalo de cabelos longos e sedosos balançava ao vento de forma majestosa.
Na última repetição, Ayasaka, que sempre desfrutou de uma saúde impecável, estranhamente não conseguiu manter um ritmo aceitável.
“Parece que estou ficando leve… Minha cabeça está girando… …vou cair”, pensou enquanto sua visão escurecia no final da última volta, desabando logo depois sobre o chão de terra macia e seca, apropriada para atividades esportivas.
Ao recobrar a consciência, Ayasaka se encontrava deitada em uma grama macia e aquecida pelos raios do sol. Ela notou imediatamente que estava novamente nos mesmos campos azuis—escuros que havia visto quando tocou o violão e na segunda vez, durante o evento do ônibus naquela manhã.
“…de novo…?”, questionou—se Ayasaka, perplexa com a estranha paisagem, com sua vegetação de cores psicodélicas e um sol que parecia saído de um videogame.
De repente, ela sentiu o ar se rebelar de maneira inesperada. Olhou para cima, e viu um dragão, com um comprimento comparável ao de um carro pequeno, de cor azul—esverdeada, avançando em sua direção.
A única coisa que Ayasaka conseguiu pensar foi em fugir. Correr como se sua vida dependesse disso, correr até não poder mais. O dragão, que pairava no céu em círculos acima dela, mergulhou e avançou na direção de Ayasaka, aterrissando de forma impactante bem à sua frente, fazendo com que ela caísse sentada de forma abrupta na terra devido ao tremor.
“Isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real, isso não é real…”
Ayasaka, incapaz de discernir se aquilo era uma alucinação ou a realidade, proferia palavras ininteligíveis enquanto olhava para o dragão. O imenso ser a fitava com olhos amarelos, do tamanho das mãos fechadas de Ayasaka.
Em meio ao caos e ao desespero, Ayasaka escutou novamente a mesma voz que ouvira da última vez, no fundo de sua mente.
“Acalme—se. Você não vai conseguir me ouvir claramente se sua mente estiver tumultuada.”
“Como eu vou me acalmar…?”
Sem compreender totalmente, Ayasaka ofegante, tentou o que a voz indicava. Com lágrimas nos olhos e um olhar confuso, ela tentou controlar sua respiração e acalmar os batimentos cardíacos, como havia feito para tocar o violão de sua avó.
O dragão, com seu longo pescoço, se aproximou dela e a encarou profundamente, bufando. Ayasaka, ainda apavorada, mas percebendo que o dragão não parecia querer machucá—la, engoliu a seco e continuou a olhar para ele, mesmo que com suas pernas tremendo de maneira incontrolável.
A voz soou em sua mente novamente: “Tudo isso é real. Você não está aqui fisicamente, mas virá. Ataraxia precisa de você, garota da profecia. Abra o portal novamente, você é a luz…”
— Portal? Que portal? Por que você está falando?! Não entendo…! espera!
A voz e as imagens se tornavam cada vez mais distante nos pensamentos de Ayasaka, até que ela perdeu a consciência completamente.
De volta à escola, todos estavam surpresos ao ver Ayasaka no chão daquele jeito. A presidente da turma correu até ela e a colocou em seu colo, sujando seu uniforme de terra no processo.
— Ela desmaiou, precisamos levá—la até a enfermaria — disse Mitsui, tentando entender o que poderia ter causado o desmaio de Ayasaka, já que o calor não era um fator, pois o dia estava nublado e frio.
Yusuru, que estava treinando beisebol com seu veterano no fundo do campo, largou imediatamente o taco e correu em direção a Ayasaka, preocupado com o que poderia ter acontecido com ela. Tudo o que ele viu ao se aproximar era Mitsui ajoelhada com Ayasaka em seus braços, cercada por outros estudantes curiosos.
Ao chegar ao grupo de alunos, Yusuru cortou caminho, pedindo desculpas pelos empurrões.
— Eu vou levá—la até a enfermaria — disse ele a Mitsui, que assentiu com a cabeça em concordância. Juntos, eles pegaram Ayasaka e a levaram para o prédio em direção à enfermaria, atravessando a multidão curiosa.
Quando Ayasaka começou a recobrar a consciência na enfermaria, ela olhava ao redor, tentando compreender o ambiente. Percebeu que estava deitada em uma maca e que Yusuru estava ao seu lado, com uma expressão preocupada. Mitsui e o veterano de Yusuru estavam no fundo da sala, perto da porta, conversando
— Oxi?! — Ayasaka instintivamente empurrou Yusuru, que estava perto dela, fazendo—o cair da cadeira onde estava sentado à espera de seu despertar.
Yusuru caiu no chão, junto do grande barulho da cadeira de metal rebatendo contra o chão, e ainda no chão, ele começou a rir da situação de forma irônica.
— Parece que você já se recuperou, não é mesmo? — comentou, rindo.
Mitsui e Kenji, o veterano de Yusuru, também riam na parte de trás da sala.
Ayasaka, constrangida por ter empurrado Yusuru, ficou corada e fez uma careta semelhante à de uma criança birrenta enquanto se escondia de baixo do travesseiro da maca da enfermaria.
Mitsui se aproximou e se sentou ao pé da maca em que Ayasaka estava sentada, olhando para ela.
— Mio—chan, você desmaiou, e precisamos entender por que — disse Mitsui. — Você tomou um bom café da manhã?
Ayasaka lembrou, então, que não tinha tomado café da manhã por causa da pressão psicológica que sua mãe havia causado indiretamente, mas preferiu não mencionar isso.
— …não. Foi mal, Mitsui—san. Desculpe por fazer você se preocupar — respondeu Ayasaka, encerrou o assunto e tentou levantar—se da máquina. Ainda tonta e sem entender o que tinha acabado de acontecer, ela tropeçou e caiu de joelhos no meio da enfermaria.
Yusuru, que a observava, levantou—se imediatamente e caminhou em direção a Ayasaka, envolvendo o fino e delicado braço dela, ao redor de seu pescoço, ajudando—a a se erguer.
— Calma cowboy você não é uma heroína de um mangá não, você passou mal…
— …tsc
“Portal? Garota da profecia?” Ayasaka, intrigada com as visões que havia experimentado, ignorou o fato de ter caído há pouco, já que ainda não conseguia caminhar. Ela olhou perdida para o vazio, tentando compreender o que estava acontecendo.