Black Water - Capítulo 1
Levada pela rajada estridente dos ventos, a bola de feno se viu de encontro a uma pequena garota de cabelos encaracolados que caminhava na esburacada rua.
Vestida de trapos, ela se protegia da inevitável ventania com certa determinação. Nem mesmo seus olhos avermelhados, acompanhados de um ardente incômodo, a faziam cessar seus passos.
Não conteve o entusiasmo ao ver o local abandonado logo à frente. Seus passos deram lugar a uma corrida feroz.
Suas mãos seguraram a maçaneta da entrada, que esbanjava as sujas vidraças quebradas. A encaracolada adentrou o local em seguida.
As prateleiras empoeiradas confirmaram sua antiga suposição: A tempestade de areia havia levado tudo. Até a menor das formigas fora consumida pelo evento; assim como os alimentos. Entretanto, não se abateu com a falta dos mesmos.
Sua atenção foi capturada por uma caixa no canto oposto ao seu. Parecia estar fechada, então se aproximou para confirmar sua indagação.
Vazia.
O banheiro ao fundo esbanjava um vaso quebrado e um espelho enferrujado. Não havia resquício de água.
── Que fedor. ── Tampou suas narinas com as mãos.
Ao sair, seu rosto foi tomado pelo espanto ao ver um cartaz ao lado da porta por onde adentrou. Rasgado em sua superfície, ele transmitia a mensagem de maneira efetiva: A imagem de um ser com postura rígida, acompanhado pelos longos cabelos negros e um olhar penetrante, que pareciam acompanhá-la por onde fosse. Vestia-se com um uniforme negro e um chapéu de guerra da mesma cor. Acima da aba do chapéu, duas águias abocanhando uma espada formavam um símbolo impactante.
A imagem da morte.
Engoliu seco e apressou seus passos retomando a busca. Parecia um alerta. Não tinha tempo a perder.
Resolveu olhar atrás do balcão.
Bingo!
Escondido pela escuridão, uma lata empoeirada. A limpou revelando o letreiro: “Feijões belas flores”.
Seu olhos se encheram de brilho. Sorriu de orelha a orelha.
Era lindo. Qual fora a última vez que vera uma lata de feijão em tão bom estado? Sem dúvidas um achado raro.
── Esperem por mim pessoal.
Um zumbido ressoou ao lado de fora do local. A pequena rapidamente envolve a lata em meio aos trapos de sua roupa, e se esconde embaixo do balcão.
Uma explosão acontece.
A porta foi destruída.
Prestes a gritar, ela tampa sua boca.
Passos metálicos lentamente passam a transitar pelo local.
Sua perna tremia e o pânico tomará conta de seu corpo. Um suor repentino corria pela camada de sua pele enquanto seus olhos perdiam a visibilidade. Era o fim? Não, não poderia ser o fim. Por eles, por todos eles, ela deveria continuar viva. Custe o que custar.
A morena se levanta com agilidade correndo em direção a porta agora destruída.
Eles a avistam e começam a atirar.
Os dois primeiros tiros sem sucesso. Entretanto, o terceiro, acertado no chão, fora capaz de jogá-la para longe em direção a areia ao lado da estrada.
Sentiu seu corpo bater ao solo de forma abrupta.
Ao tentar se levantar, sua perna bambeia de fraqueza. Procurava a lata de feijão, mas não a encontrara. Provavelmente o impacto do tiro e de sua pequena explosão a levaram para longe.
Fitou as duas figuras robóticas caminhando em sua direção, cada uma com uma espécie de mini canhão nos lugares das mãos. Seus olhos eram vermelhos, com a lataria acinzentada, sem boca ou algo que possibilitasse algum tipo de comunicação.
“Sobreviva, Nozomi.”
Tomada pelas dolorosas lembranças de tais palavras, a pequena tenta rastejar em um ato falho de fuga sem escapatória.
Ouviu mais uma vez aquele zumbido. Os mini canhões agora possuíam uma coloração alaranjada, próximo a um vermelho, simbolizando o carregamento do derradeiro tiro dos robôs. Já estava decidido.
Fechando seus olhos com força, aguardando o seu fim, sua boca recita palavras de perdão.
Entretanto, eles param.
Um latido firme vindo de um cachorro os fazem parar.
Era um Akita Inu de pelo branco. O animal latia com ferocidade, recebendo agora a atenção dos robóticos enlatados.
Quase imperceptível aos olhos, uma sombra surge passando por um dos robôs cortando sua lataria.
Fios de eletricidade sofrem curtos e ele é explodido.
Em seguida, o segundo é perfurado certeiramente em seu peito.
Agora visível, o ser que segurava uma espada, retira a mesma, incapacitando o inimigo a sua frente.
Ele cai.
A fumaça vinda do primeiro robô derrotado encobria toda a visão, tornando aquele estranho ser que os derrotará o único ponto de atenção da garota.
Ele coloca sua espada em suas costas e a olha. Seus cabelos médios e amarronzados, balançavam em sintonia com a fumaça escura, enquanto o cachorro lentamente se aproximava.
Aquela visão era como uma moldura recém pintada.
Imponente e vibrante.
A visão de um salvador.