Black Water - Capítulo 2
── Não grite. ── O espadachim derrama um liquido na perna da garota.
Uma ardência sem igual percorreu o corpo de Nozomi. Mesmo assim, ela atende o pedido do homem, guardando a dor para si. Em seguida, ele retira uma longa bandagem de sua mochila, cortando-a através da espada. Com atenção e cuidado, ele começa a envolver a perna da pequena com o item.
Agora próxima do homem, Nozomi conseguia vê-lo de maneira mais detalhada. Era dono de cabelos castanhos de tamanho médio, encaracolados nas pontas. Seu rosto era fino e seus olhos, negros, traziam um ar misterioso e interessante. Vestia-se com uma jaqueta azulada, acompanhada de uma camiseta branca. Sua calça, desbotada, possuía um rasgado na barra da perna direita, que ao lado de seus sapatos gastos, demonstravam o seu perfil.
── Qual o seu nome? ── Curiosa, ela pergunta.
── Satoru. ── Prontamente o moreno responde ── E o seu?
── Nozomi.
── É um bonito nome. ── O cachorro logo ressurge, latindo em seguida ── Oh, claro que eu não esqueci de você amigão. Nozomi, esse aqui é o Daichi. Daichi, essa é a Nozomi.
── É seu cachorro?
── Sim. Daichi, cumprimente a Nozomi.
O animal, em passadas lentas, se aproxima da pequena, que em um movimento automático se afasta do canino. Ele então deposita uma das patas na perna de Nozomi, e sua língua é colocada à mostra para a garota.
── Ele não vai morder você. ── Diz Satoru, apertando firmemente a bandagem na outra perna da garota.
Receosa, a encaracolada deixa uma das mãos na cabeça do animal, passando a acariciá-lo.
── O pelo dele é tão macio. ── Ela diz, aumentando o ritmo da carícia.
── Ele é um cachorro vaidoso. Não, é? ── O espadachim sorri ao animal que late como resposta. Nozomi solta uma pequena risada ── Tente se levantar, Nozomi.
Com certa dificuldade, ela se equilibra.
── Doí? ── Ele pergunta.
A pequena acena negativamente.
── Você é forte.
── Não tanto quanto você.
Satoru também se levanta e a diferença de altura entre os dois é estabelecida.
Encontrá-la em meio ao deserto daquela região foi uma surpresa. Mais um pouco e a jovem garotinha estaria totalmente estraçalhada em meio a estrada. E independente de sua condição física totalmente deplorável, Nozomi parecia determinada a buscar algo.
Suas pernas eram finas e esqueléticas. Seu cabelo ruivo cacheado adquiriram uma tonalidade morta, junto da bagunça dos fios desarrumados. As unhas quebradas, sujas pela poeira, e uma pele branca, com pequenas feridas cicatrizadas. Ela certamente veio “daquele lugar”.
── É mesmo, minha lata de feijão! ── Nozomi passa a olhar em volta da estrada a procura do item.
── Lata de feijão?
── Eu havia encontrado naquela conveniência. Mas aqueles robôs idiotas apareceram e destruíram tudo!
── Você diz, aquela? ── O moreno aponta para uma lata totalmente amassada no chão, onde pelos furos, escorriam o feijão.
── Ah, droga. O que eu vou fazer agora?
── A gente pode te ajudar a encontrar mais comida.
── Sério?! ── Ela sorri animada ── Como?!
── Explorando, é claro. ── Satoru coloca sua espada nas costas, pegando a mochila em seguida ── Daichi, pega ela.
── O que?! ── Ela grita enquanto o cachorro parte para cima. Com sua cabeça, Daichi a arremessa em suas costas, tornando-o uma espécie de cavalinho para a pequena.
── Vira para o outro lado, é mais fácil de segurar.
Envergonhada de estar de cara com o rabo do animal, a garota se ajeita com cuidado, ficando frente a nuca de Daichi, agora como uma verdadeira passageira de um passeio a cavalo.
Eles começam a andar. Daichi e Nozomi na frente, enquanto Satoru os acompanhava um pouco atrás. Ela não entendia muito bem o porquê de tanta solidariedade. Em um mundo como aquele, compaixão era raro de se encontrar. As pessoas não possuíam forças para proteger seus próprios corpos, muito menos a de outras tão fracas quanto.
── Senhor Satoru, por que você está me ajudando? ── Nozomi questiona.
── Por que não deveria?
── Você nem mesmo me conhece. ── Diz ela ── Do lugar onde vim, comida é tratada como tesouro. Sobrevivemos graças a pequenas expedições durante o ano. Meus tios saíram dessa vez e eu os acompanhei.
── E o que aconteceu?
── Fomos atacados. Eles se sacrificaram por mim. ── A pequena revela ── Por minha causa eles morreram. Meus pais, meus amigos, meu povo, todos estão condenados por minha culpa. Se eu não tivesse vindo, eles estariam vivos. Mas algo dentro de mim dizia para…
── Ver o mundo lá fora. ── Satoru completa.
── O que? Como você….
── Viver naquela escuridão é sufocante. Quase como uma prisão. ── Ele revela ── Eu sei como você se sente, Nozomi. Ver aquelas tochas fracas iluminando uma noite que não parece ter fim enquanto as pessoas que você ama adoecem. Na verdade, é até irônico você ser a primeira pessoa que encontro depois de sair daquele lugar.
── Como eu nunca te vi por lá?
── Existem vários subterrâneos ao redor do mundo. Bem, pelo menos é o que me disseram. ── Explica ── Parece que você e eu não viemos dos melhores lugares, não é? ── Ele sorri.
── Então você está atrás de comida também?
── Não exatamente. ── Diz Satoru ── Eu prometi que quando saísse do subterrâneo, encontraria uma certa pessoa nesse mundo.