Cambiante: O Segredo do Reencarnado - Capítulo 1
Os que se escondem atrás de máscaras são os verdadeiros hipócritas, pois nunca mostram quem realmente são.
Tudo ao seu redor parecia correr extremamente rápido, à medida que seu coração apertava. Andava pela avenida sem olhar para os lados, apenas acompanhando o ritmo da manada. Várias pessoas andavam de um lado para o outro, de forma fugaz. As ruas de Nonlov já eram agitadas, mas dessa vez, era Aiko que estava ansiosa.
Finalmente iria pra uma escola diferente das outras, um colégio de elite com os melhores dos melhores, a Stormpeak. Sua mãe sempre ganhara pouco, então nunca chegou a estudar numa escola assim antes. Apesar de sempre ter ouvido falar da Stormpeak na televisão e em jornais. Os alunos eram amplamente conhecidos como prodígios excepcionais.
Até o local era inusitado: num enorme castelo imponente, bem estruturado, belíssimo. Com aspectos de antiguidade, mas ainda assim com um charme que só a modernidade poderia oferecer.
Sempre pensava em como seria estudar em um castelo, com alunos tão talentosos. Mas estava fora de cogitação, não tinham condições. Todavia, quando sua mãe ganhara um aumento gigantesco no trabalho, viu esperança. E foi exatamente o que aconteceu.
Ela realmente iria fazer parte dessa escola. Viveu a maior parte do tempo em escolas de categorias menores, não fazia ideia de como seria. Estudar em um colégio de alto nível com certeza seria um desafio, mas Aiko não ficaria pra trás. Sempre ia além, estudava além do necessário, treinava mais do que precisava. Percebeu que isso a destacava, também a permitia estar passos à frente de qualquer um.
Contudo, sentiu um certo receio de se tornar apenas mais uma aluna comum no colégio novo, mas isso a faria se esforçar ainda mais. Será que os testes seriam mais difíceis, iria reprovar? Refletia enquanto continuava andando.
O barulho dos sapatos, os carros, os murmúrios da cidade, já nem eram mais ouvidos. Estava completamente absorta em seus pensamentos.
Qualquer coisa é só usar o Violeta pra passar numa prova díficil, retrucou, o que a acalmou instantaneamente. Havia uma vantagem abissal em ter o Verde como sua cromacia de fachada. Ninguém vigiaria suas mãos durante um teste; ela não tinha Violeta, certo?
Porém, ainda assim era um risco, um enorme risco. Precisava sempre esconder uma de suas mãos pra não ser pega. O resultado seria absurdamente pior se fosse descoberta.
Seria exposta Prismal pra todos ao seu redor, ou até uma mentirosa por ter duas cromacias diferentes e ter escondido isso de todos. A segunda suposição até que seria melhor. De qualquer forma, independente do que fosse, a julgariam Prismal. Era o mais óbvio a se pensar.
Mas e quanto aos combates? Será que os alunos seriam mais habilidosos? Seu estômago embrulhou.
Era a única matéria da qual não podia trapacear, usar tudo de si. Tinha que se contentar com o Verde. Se pelo menos pudesse usar os poderes sem eles ficarem expostos nas mãos, poderia tentar a sorte.
Porém, isso não mudava o fato que Maestria Tática era sua matéria favorita, e o Verde era a cromacia que mais sabia utilizar. Estava tudo bem.
Será que vou encontrar pessoas como eu? Pensou enquanto passava pelo enorme portão do castelo. Estava cansada de só ver Layans na escola, pessoas que se descobrissem o que ela era, se afastariam na hora.
Uma amizade durável, enquanto o segredo estivesse mantido às sete chaves. O que era irônico. Os seguidores do papiro sagrado, Layonart, eram, em geral, pessoas legais e amáveis.
Até você ser um Prismal. Quando Aiko revelara pela primeira vez seus poderes pra sua melhor amiga, Vinn, ela nunca mais foi a mesma. Nunca chegaram a conversar direito novamente. Ela sempre agia diferente, e até com um certo nojo.
A partir disso, preferiu esconder esse fato pra todos ao seu redor. Mas eram águas passadas, tinha superado. Já tinha até se acostumado. As coisas eram melhores assim.
À medida que subia as escadas até o seu andar, seu nervosismo aumentava.
Chegando em sua sala, seus pensamentos cessaram. A porta estava fechada. Estava atrasada, como de costume. Nunca foi um problema nas escolas anteriores, torceu pra que agora não fosse diferente.
A porta tinha uma pequena janela quadrada no topo, porém, não queria arriscar bisbilhotar, queria entrar com tudo. Alimentar a ansiedade não era uma das melhores coisas a se fazer num momento como esse. Suspirou profundamente, e abriu a porta.
Assim que a porta foi aberta, uma enorme luz invadiu, sentiu uma brisa fresca, como se estivesse ao ar livre. Era sutilmente agradável. A sala era simples e compacta, o vento surgia da grande janela aberta, que mostrava a imensidão do céu. Esses elementos combinados traziam uma sensação de natureza, leveza; sentimento de paz e calmaria. O quadro já cheio de rabiscos e textos, criou uma forte sensação de Aiko estar mais atrasada do que deveria.
A professora estava escrevendo quando parou de forma repentina, a fitando de forma calorosa.
— Ah, olá!! Seja bem-vinda!
— Obrigada. — Assentiu, com um sorriso, meio nervosa.
Virou-se para as cadeiras e se deparou com todos olhando para ela. Eram alunos diversos, todos usando um mesmo uniforme: um blazer preto, com um símbolo de tornado tanto no peito quanto nas costas; uma camisa branca que seguia o mesmo padrão e uma gravata azul escuro. Cada aluno continha um estilo próprio; desabotoado; gravata pendurada nas costas; sem blazer preto; camisa branca com gola aberta demais…
O fardamento não devorava suas individualidades. Principalmente por suas faixas de cor, que geralmente os diferenciavam, e até poderiam revelar como seriam suas personalidades. Mas eram apenas esteriótipos.
Além disso, as garotas da sala eram extraordinariamente elegantes, o que causou uma certa pressão em Aiko, se sentiu destoada. Não se importara muito com a aparência antes de vir ao colégio. Contudo, também era bela. Possuía cabelos ondulados negros, que iam até o pescoço, uma pele de tons avelã e olhos castanhos escuros penetrantes. Vestia um casaco verde escuro, de modo desleixado, contrastando com as cores do uniforme e sua faixa verde em seu pescoço.
Aiko caminhava entre as mesas, ouvindo a professora retomar o assunto que não fazia ideia, quando avistou um garoto peculiar. Ele utilizava o uniforme do jeito correto, tão correto que Aiko duvidou de que ele sequer se mexia. Mais do que isso, ele tinha olhos inusitados; vermelhos. O que chamou totalmente sua atenção.
Sentou-se ao seu lado, na, curiosamente, única cadeira vazia daquele conjunto, como se estivesse guardada. Ninguém parecera se incomodar, então não houve problema.
A aula prosseguia, e Aiko não tirava os olhos dele. O olhava de forma sutil em pequenos intervalos de tempo. Nunca tinha visto alguém com olhos assim antes, eles eram cintilantes, quase escarlate. À medida que as aulas passavam, ela ficava cada vez mais intrigada, era chamativo demais.
Decidiu então quebrar o silêncio. Não havia falado com ninguém ainda e já haviam passado 2 aulas.
— Você tem olhos lindos — elogiou Aiko, aos cochichos.
Ophid rabiscava em seu caderno, cálculos enormes. Enquanto estudava, fora surpreendido. Se sentiu levemente incomodado, estava no meio de um raciocínio importante. Subitamente, virou seu rosto em direção a ela. Seu incômodo era invisível; sua expressão, serena.
Os dois se entreolharam. O contraste era nítido, Ophid tinha expressões rígidas, firmes, enquanto Aiko possuía um ar inocente, ingênuo. Aiko pôde enxergar melhor os olhos de Ophid, era quase uma visão do universo, em tons vermelhos vibrantes.
Seus olhos irradiavam todo seu corpo, de alguma forma. Sentiu-se levemente envergonhada, temeu que sua observação tivesse soado como uma cantada.
— Ah. Valeu, é o que sempre dizem. — Olhou para seu caderno novamente, parecendo não se surpreender.
Que cara diferente… como será que é a vida dele?
Estava no tédio, e curiosa. Ter acesso a memórias era complicado, era cheio de limitações. Quanto mais antiga a memória, mais difícil é de acessá-la, era um grande pé no saco.
No entanto, a curiosidade a consumiu. Sempre usara esse poder quando estava afim de se entreter, quando o marasmo eventualmente chegava. Fazia muito isso com professores.
Ademais, o outro lado ruim do Violeta era que gastava mais rápido do que qualquer outra cor. Porém, não precisaria do Violeta hoje. Não teria problema algum. Então, sem pensar muito, ativou o Violeta pra invadir as memórias do escarlate.
Sua mão direita, dentro de seu bolso, se tornou completamente violeta.
(…)
Nada.
Ophid continuou realizando cálculos em seu caderno, enquanto Aiko sutilmente o analisava. Repentinamente, Ophid sentira uma sensação estranha…
Já sentiu isso antes, mas não sabia dizer quando. Talvez um pequeno déjà vu.
Seu lápis parou de se movimentar por um momento. Mas logo retornaram. Aiko suspirou, ele tinha a mente forte, era de se imaginar. Gastara suas reservas à toa, mas não foi muito.
Sabia que nunca percebiam quando ela tentava acessar suas mentes, mas por precaução, sempre conferia. Era engraçado, às vezes se sentia poderosa, se sentia livre, como se pudesse fazer o que quisesse.
Era como se tivesse acesso a um supermercado fechado que nunca abriria. Lendo as pessoas como um livro, e elas nunca saberiam. Afinal, todos a enxergam como tendo apenas o Verde. Parte da graça é eles não saberem que ela sabe.
— Qual o seu nome? — perguntou Aiko, tentando puxar algum assunto. Precisava fazer amizade com alguém, passara tempo demais em silêncio.
— Ophid — respondeu, ainda sem olhar pra ela, escrevendo números e mais números.
Aiko continuava o observando. E após um tempo rabiscando, Ophid virou-se para ela de novo:
— E o seu? — Tinha um semblante fechado.
Ele passava uma vibe misteriosa. E Aiko não sabia dizer se eram os seus olhos vibrantes que causavam essa sensação.
— Aiko, prazer. — Estendeu sua mão, enquanto sorria gentilmente pra ele.
Para manter o seu poder em segredo, ela sempre maquiava seus braços. Era a única coisa ruim de ser uma Prismal. Depois de uma certa idade, bem no momento em que o poder é despertado, seu braço direito se tornava uma vitrine de várias linhas de cores cromáticas marcadas abstratamente, de diversas formas. Consumindo seu braço até o meio, felizmente. Afinal, acabaria com toda sua maquiagem se aquilo preenchesse todo o seu braço, seria uma grande dor de cabeça.
Apertando o braço de Ophid, cautelosamente, com suas linhas de cores imperceptíveis, Aiko avistou o braço esquerdo de Ophid. Seu sorriso travara.
Cores?
Claramente haviam tintas estampadas no braço de Ophid.
Não… eram diferentes. Não eram exatamente cores, eram três linhas abstratas grossas contendo preto, cinza e branco. E sentindo algo levemente gelado em seus dedos, viu um grande anel de tons de cinza gradiente, no dedo mindinho de Ophid.
O que fez Aiko finalmente compreender a situação na hora.
— Você é um Luminatti? — perguntou Aiko surpresa. — Nessa idade?!
Os murmúrios da sala deixava a barra limpa pra continuarem conversando. A professora tinha deixado um exercício para testarem suas habilidades. Mas ninguém parecia estar fazendo isso.
Lá vamos nós de novo…, pensou Ophid, cansado de responder às mesmas perguntas de sempre.
— Eu sou bom o bastante — respondeu com um certo orgulho.
— Uau — surpreendeu-se. — Eu nunca tinha visto um Luminatti antes.
— Bom sinal.
Um Ceifador de Prismais…, Aiko engoliu em seco. É… Essa escola pode vir a se tornar uma enorme dor de cabeça.