Cambiante: O Segredo do Reencarnado - Capítulo 10
Realmente; eu sou algo a mais nesse mundo. Sinto todo o peso da humanidade nas minhas costas. Eu sou o escolhido.
Layon está comigo e se expressa da sua forma divina, me guiando a escrever cada palavra. Apesar de ser complexo decifrá-las, transcrevê-las e até entendê-las. Se ele pudesse pelo menos se comunicar de verdade comigo. Ele pode? Tem poder o suficiente pra isso. Então por que ele não fala comigo?
Sei que está sempre aqui. Sinto sua energia a todo momento, desde que nasci. Isso a faz minha?
É a primeira vez que escrevo algo por conta própria no papiro. Layon se chatearia por isso? Ele não parece chateado.
Precisava expressar o que sinto; mesmo que esteja sempre com a presença divina, eu me sinto sozinho. Isolado de todos, fisicamente e metaforicamente, distante. Ninguém parece me entender de verdade, é como se eu me comunicasse de forma diferente do comum. Eu sou como Layon?
Eu sou ele? Será que ele não se comunica comigo, porque ele sou eu? Eu sou Deus? Eu sou imortal? Eu vou morrer?
Eu definitivamente vou queimar isso.
Mas preciso anotar sobre algo, colocar isso no papel. Há uma certa mensagem de Layon que ainda não consigo solucionar, é a única da qual eu não consigo compreender absolutamente nada.
Um enorme coração… se partindo ao meio. Decepção?
As partes segmentadas se tornam independentes, tomando diferentes formas e diferentes variações da mesma cor. Uma delas sendo a cor divina. A cromacia das cromacias.
Eu o amo, mas ele me odeia profundamente… Amor… paixão…
Que complicado.
Era o último ano na escola, e cair com Mitchel naquele momento foi um sinal. Era o ultimato. Se realmente era o melhor, precisava encarar esse desafio.
Ophid precisava lidar com a pior equipe que já caíra, era obrigado a colaborar com uma criatura. E se isso não fosse o bastante, a pior delas. Talvez pior do que um Antilayon; Mitchel se tornava ainda mais insuportável por ser diferente.
Seus olhos hostis o estudavam friamente, enquanto pensava com cuidado se realmente concederia de volta o Azul pra ele. No fundo, Mitchel tinha razão, pra ele pelo menos dar tudo de si, pras coisas serem funcionais, ele precisava ter o seu poder completo.
Não dava pra negar, esse quarteto tinha o potencial de ser o mais poderoso, porém, das duas uma: ou seria o mais poderoso e imbatível, ou seria o mais disfuncional e medíocre. Se Ophid realmente quisesse passar com as melhores notas em Maestria Tática, garantindo notas perfeitas durante o ano escolar, precisava garantir a primeira opção.
O Prismal ainda mantinha o olhar de presunção, enquanto as duas garotas se aproximavam, receosas. Ainda não haviam se sentado, como se esperassem algum atrito acontecer.
Mitchel abrangeu um pouco mais seu sorriso sutilmente, abriu a boca pra começar a falar algo. Quando repentinamente, o único cinza em seu braço se tornou azul.
A expressão de Mitchel mudou de figura. Tinha sentido na hora, seu poder predileto havia retornado pra aconchegante casa, fora das garras malignas de Ophid.
— Oi? — surpreendeu-se Mitchel. Estampado em seu rosto estava incredulidade em pessoa. Ainda não acreditava no que via, girou o seu braço pra confirmar diversas vezes.
— Sentem-se — ordenou Ophid, olhando de canto de olho pras garotas ainda de pé —, não vamos perder mais tempo, ou iremos ficar pra trás.
As garotas se entreolharam, e logo se sentaram. As carteiras juntas naturalmente formaram uma roda, como a de todos os outros alunos ao redor deles. Que já estavam engajados em seus próprios quartetos, a sala brilhava em cantos diferentes, com cada um demonstrando seus poderes e habilidades. Com exceção da garota solitária que olhava a própria mesa, sem sinal de vida. Mitchel a observava de longe, com pesar.
Enquanto seu grupo permanecia em total silêncio. Apenas o que se ouvia eram os murmúrios e até gritos do ambiente. Aiko já pressionada por toda essa sequência de eventos, se sentia mais sufocada do que nunca. Mas chegou em uma conclusão, se realmente quisesse sobreviver nessa escola, precisava ousar.
Precisava enfrentar as coisas de frente. Só assim teria alguma mínima chance resolvendo todos os futuros conflitos que viriam.
— Er… Olá. — Levantou a mão em saudação. — Eu sou a Aiko Tamada, tenho 17 anos, eu… sou novata, e uma Matizal Verde.
Em prosseguimento a sua fala, criou uma pequena planta de sua mão que gerou uma esbelta rosa carmesim.
— Não sei muito bem usar o Verde Escuro, mas sei usar um pouco dos outros dois spektris. Sempre admirei essa escola, e estando aqui eu fico ainda mais surpresa.
“Tudo aqui é tão imprevisível e exótico, vai ser difícil me acostumar, mas vou dar o máximo de mim.
“Espero fazer uma boa equipe com vocês.
“Ser útil também.
“Quem sabe com vocês eu posso finalmente aprender a curar os outros?”
Disse dando uma risada, e entregou a rosa para Lestrad, que sorriu em resposta.
Não demorou muito tempo até que Lestrad começasse a se apresentar.
— Eu sou Lestrad Montclair, tenho 18 anos. Sou especialista em combate corpo-a-corpo, sou basicamente uma soldada, uma arma bélica. — Cheirou a rosa com delicadeza. — Se um líder me dá ordens, eu sigo, independente do quão difícil seja.
“Quanto mais difícil, mais risco, mais divertido. Gosto de superar meus limites.
“Mas não sigo ordens de qualquer um. O líder tem de ser alguém que eu verdadeiramente respeito, e que exale superioridade sobre mim.
“Alguém que saiba exatamente o que está fazendo. Alguém inteligente o bastante.
“Em resumo, sou uma perfeita subordinada. Tudo que eu preciso é de um líder excepcional. E eu me torno sua besta mais monstruosa. Seu braço direito. Suas asas. Sua espada mais afiada.”
Mitchel e Aiko trocaram olhares pasmos, enquanto Ophid parecia não se incomodar.
Aiko sabia exatamente o porquê Lestrad estava falando todas aquelas coisas. Sabia muito bem o que ela queria dizer com isso, quem ela queria de líder.
— E quanto ao seu poder…? — perguntou Mitchel inocentemente, procurando sua faixa de cor. Ela aparentava ter esquecido de mencionar.
— Ah. Eu nasci sem poderes spektrais.
Todos arregalaram seus olhos. Mais notavelmente Ophid.
Se fosse verdade, o time era pior do que ele imaginara. Como alguém sem poderes iria sequer conseguir lutar…? Não. Ainda restava uma outra opção.
— Mystik…? — interpelou Ophid.
— Também não — respondeu curiosamente serena.
— Então o que quis dizer sobre ser soldada? Você sabe o que isso sequer significa?
“Como pretende ser útil?”
— Me dê uma ordem. E saberá.
Os dois se encararam friamente, ambos convictos em suas palavras.
Olhando no fundo dos olhos escarlates, Lestrad sentia um grande arrepio, de excitação. Não era paixão, nem nada romântico por Ophid, era tesão por um líder poderoso que comandasse as melhores ordens. Que iria ter mão firme, decisão convicta. A grandiosidade dele era perfeita. Os líderes mais poderosos eram aqueles que faziam Lestrad se sentir pequena em sua presença. Era exatamente o que sentia.
Lestrad nasceu pra isso. Ela nasceu pra se submeter ao Reencarnado. E iria mostrar seu valor.
Lestrad soava confiante o bastante pra que Ophid preferisse não elaborar sua pergunta.
Mitchel e Aiko olharam pra eles, e em seguida, entreolharam-se descrentes. Foi quando Mitchel iniciou:
— Bom. Mitchel Hammer, 17.5 anos, Prismal. Sim, um Prismal, domino várias cores diferentes, sou bem versátil em habilidades. Doa a quem doer, é o que eu sou. Podem me excluir da equipe por isso se quiserem, mas isso nunca vai mudar quem eu sou. — Ainda mantinha as mãos sobre a cabeça, de forma desleixada.
“Isso não me incomoda, já que passo a maior parte do tempo isolado, na verdade, eu diria que completamente. Não me importo muito com isso, o fato é que eu já me acostumei.
“Eu quero ser o mais forte; é o caminho que tenho que seguir. Eu quero ser o maior de todos.
“Um dia, eu vou me tornar Imperador.”
Aiko arregalou os olhos. Definitivamente não esperava por isso. Mitchel é ainda mais lunático do que imaginava.
Imperador…?
O Imperador é a figura mais forte do mundo, inquestionavelmente, o Davinci mais poderoso. Decidido através do voto popular mundial, Mitchel nunca seria escolhido, por ser um Prismal. Isso nem faz sentido, ninguém sequer aceitaria isso. Um Prismal?
E mesmo que ele viesse a se tornar exceção a regra, o Imperador só é definido de primeira instância em casos de uma imensa disparidade pública, que no caso, quase nunca acontece, pela diversidade de opiniões.
Pra ser definido apenas por voto público, a diferença de votos tem que ser absurda. Na casa dos milhares. Isso aconteceu raríssimas vezes.
E é de onde nasce o problema, porque se houver pouca disparidade de votos, é realizado um torneio, mas não um torneio qualquer; é brutal. Onde todos os Davincis escolhidos duelam até a morte em um coliseu imenso; o Festival Mortal da Coroa. Se o Davinci preferir não participar, ele é desclassificado normalmente. Seguindo o raciocínio de que, um Imperador precisa ser corajoso e ter confiança de sua própria habilidade; já que se realmente fosse o mais forte, não teria medo de morrer e aceitaria sem a menor dúvida.
O Festival Mortal da Coroa é um grande evento que reúne pessoas de todo o mundo pra assistir. Um espetáculo grandioso, que ocorre em média a cada meio século, onde todos anseiam presenciar. Caso o Imperador renuncie ou morra, sendo morto por alguém ou por qualquer outro motivo, a carnificina começa mais cedo.
As pessoas anseiam e desejam ano após ano por esse festival. O que dá a entender que, de forma proposital, quando a votação acontece, escolhem outros Davincis pra impedir uma grande disparidade de votos, pra justamente deixar esse evento acontecer.
Pro Mitchel conseguir se tornar um Imperador, ele terá de superar barreiras imensuráveis. De algum jeito ganhar voto público — o que já é impossível pro seu caso —, e além disso, terá de sobreviver ao Festival.
Mesmo que ele venha a se tornar o mais forte e poderoso, é extremamente arriscado. No Festival é onde são reunidos os Davincis mais poderosos da Terra. E ele vai ter que, não só, derrotá-los mas liquidá-los.
Como pretende superar todas essas barreiras? Isso vai além da impossibilidade. É incogitável. Ele seria capaz de matar alguém?
Mitchel… você tem algum problema?
Aiko sentiu um certo medo quando o olhar de Mitchel pairou sobre ela. Sua expressão pitoresca era tão precisa, que passava a leve impressão de que havia invadido sua mente novamente. E soubesse exatamente o que estava pensando. Talvez fosse só impressão porque direcionou o olhar às suas duas mãos, e elas estavam perfeitamente normais.
— Você acabou de inventar isso só pra me provocar — apontou Ophid cético, sem olhar pra ele.
— Será? — jogou no ar, sorrindo ironicamente.
Ophid continuou olhando pro chão, com o rosto apoiado nas mãos entrelaçadas, quando finalmente começou:
— Ophid Ekans. O Reencarnado. Já devem ter ouvido sobre mim, possuo um poder divino. Sou definitivamente a pessoa mais forte que vocês vão conhecer. Cumpro qualquer papel com maestria. Treinei pra isso.
“Também sou um Luminatti, possuo todas as Luminacias, e eu domino todas elas.”
Visto que não haviam mais quem apresentar, admiraram o chão e os arredores, desconcertados. O quarteto estava completamente fora de sinergia. Até Lestrad quebrar o marasmo:
— Eu voto Ophid pra líder — Estava com os braços cruzados.
— Que?! — indagou Mitchel. — Esse moleque só sabe sentir raiva, ele não é nem um pouco racional. Ele claramente não serve pra liderar.
Ophid fechou os olhos fortemente. Ele genuinamente parecia estar irritado com o comentário.
— É só porque ele é o mais forte? EU TAMBÉM SOU O MAIS FORTE!
— Calado, Aberradinho!! — Lestrad apontou o dedo. — O Ophid é literalmente o Reencarnado, ele é um deus!
Ambos avançaram de suas carteiras, cabeça com cabeça, encarando um ao outro, frente a frente, enfurecidos.
— Aberradinho? EU SOU A MAIOR DAS ABERRAÇÕES, PRINCESA! VOCÊ É UMA BESTA? EU SOU UMA BESTA!! O REENCARNADO POR ACASO TEM TODAS AS CROMINACIAS? TEM? HUM??
Ophid e Aiko permaneceram nos seus assentos destoados, com semblantes sérios.
— E você?? Tem todas as Crominacias e ainda é humilhado pelo Ophid que só tem 4 cromacias, E OLHA QUE AS LUMINACIAS NEM TEM MAIS DE 1 SPEKTRI, VOCÊ AINDA TEM MAIS PODERES!! COMO VOCÊ É O MAIS FORTE?!
— Ophid, poderia me responder uma pergunta? — perguntou Aiko em meio a discussão dos dois que se tornava cada vez mais intensa.
— Diga.
— O vermelho é uma cromacia?
— Sim. A cromacia de Deus.
— Você nasceu com isso?
— Renasci. — “ME ENFRENTA ENTÃO COM SEU PODERZINHO. AH É, QUAL? OPHID, ORDENA ELA ME MATAR, PRA ELA VER” — Sim.
— Se você fosse o líder, você acha que conseguiria transformar esse quarteto no melhor de todos? Se esforçaria pra torná-lo funcional?
Os que discutiam fervorosamente foram esmagados contra a carteira por duas mãos gigantes negras, que surgiram do corpo de Ophid. Parando de brigar instantaneamente.
— Eu tentaria a sorte.
— Mitchel — chamou Aiko.
— Hum — respondeu com os cabelos por cima do rosto contra a mesa. Se esforçando pra ter contato visual com Aiko.
— Não é nada pessoal, mas o Ophid precisa ser o nosso líder. Por pior que seja pra você.
“É o melhor pra todos nós.”
Mitchel pareceu um pouco cabisbaixo, hesitando ao responder, ainda sendo levemente pressionado com mais força contra a mesa, em comparação a Lestrad.
— Tudo… bem.
“Mas… eu só aceito ele de líder, se ele for capaz de pegar is-”
Um espinho de gelo rasgou o ar indo com toda velocidade ao rosto de Ophid.
Antes que todos pudessem sequer ver o espinho passando, a mão negra segurava com as pontas dos dedos o espeto cristálico quase colado no rosto de Ophid, um segundo de atraso e seria atingido em cheio.
Os dedos negros estilhaçaram o cristal e os olhos de Ophid surgiram como sol escarlate de trás de uma nuvem escura, como consequência da gigante mão sair da frente de seu rosto vagamente.
— Mais uma dessa, e você nunca mais vai ver azul na sua vida. Nenhuma cor.
— Relaxa. Foi um teste.
— Então está disposto a colaborar minimamente? Propõe uma… trégua entre nós? — disse Ophid, se esforçando mais do que deveria pra pronunciar essas palavras. Estava no pior dos pesadelos.
— Quem tem que propor é você. Eu não tenho nada contra você, Coelho da Páscoa.
“Só não quero estar morto.”
Os olhos escarlates encontraram os castanhos olhos de Mitchel, finalmente.
— Não me entenda errado. Você foi salvo pelo simples fato de cair no mesmo quarteto que eu. Se você estiver morto isso prejudicaria todo o desempenho da equipe, atrapalhando minhas notas significativamente.
“Esse é meu último ano na escola. Nem pense em bagunçar as coisas. Você só está vivo por mero capricho. Eu odeio você.
“Assim que tudo isso acabar, eu vou fazer você se arrepender amargamente de ter escolhido ser um Prismal.
“A sua morte não será rápida, Aberrado. Você me irritou demais até aqui, todos esses anos.
“Aproveite a sua vida enquanto pode. Sonhe o quanto puder. Eu vou matar você.”
Fixando o olhar, com os olhos mais abertos do que o normal, faíscas vermelhas circundaram Ophid. Estava exalando a aura aterrorizante novamente, involuntariamente. O barulho intenso da sala cessou consideravelmente. Era uma energia agressiva demais, ainda mais intensa do que a anterior. A aura dos pesadelos, do temor.
Porém, Mitchel não hesitava, mantinha o olhar fixo tanto quanto Ophid.
— Quando esse dia chegar, venha com tudo que puder, Renascido.
“Eu não vou perder.”