Cambiante: O Segredo do Reencarnado - Capítulo 2
Pense bem antes de defender os fracos. Isso não os tornariam mais fortes.
Ao invés disso, os permita serem fortalecidos pela dor.
Contudo, não a ponto de serem mortos; nunca os mate, matar significa cortar sua evolução, uma injustiça aos fracos.
Um ato covarde, extremamente pecador.
Haviam inúmeras crianças fardadas com o brasão de tornado. Algumas correndo pra lá e pra cá, outras sentadas e outras brincando de lutinha. O pátio do recreio era ao ar livre, dentro do enorme castelo escolar. Diferentes vozes de tons similares ecoavam por todo o terreno.
Sentado em um dos assentos de pedra, com seus amigos, estava Ophid. Com seus 11 anos de idade, comendo um salgadinho. Observava tranquilamente as crianças brincando ao longe. Uma delas era um conhecido, Yan, um grande colega seu. Seus cabelos ruivos voavam a medida que continuava correndo.
Estava brincando de pega-pega com seus colegas. Ele era rápido. Um problema, afinal era pegador. Em um de seus pulsos possuía uma faixa azul padrão que demarcava seu spektri.
Enquanto os perseguia, atirava cuspes d’água nos pés dos corredores desequilibrando-os. Estava dominando completamente o jogo.
Alguns usando de seus poderes conseguiam escapar, outros não tinha tanta sorte e acabavam sendo pegos. Yan se aproximou de outro amigo, mas acabou sendo atingido por areia, surgida do zero, acertando seus olhos e o atrasando.
Dera um pique de corrida, sem se importar com o fato de estar cego, mas o amigo já havia corrido dali o mais rápido que pôde em outra direção. Ainda correndo, Yan botou as mãos desesperadamente nos seus olhos pra tirar tudo aquilo. Se atrapalhou totalmente e caiu no chão.
De cara na grama.
Ophid e seus amigos começaram a gargalhar. O garoto já conseguindo enxergar vagamente, começou a se erguer levemente com suas duas mãos.
Todavia, continuou olhando pra baixo por mais tempo do que deveria.
Algo estranho tinha acontecido, sentiu-se conectado a grama de uma forma profunda, a grama parecia se mexer a sua vontade, se moldando e tomando a forma de pequenas mãos médias. Que foram em direção ao seu rosto, e limparam seus olhos de areia, completamente.
Não apenas isso, seu braço direito, estava sendo consumido lentamente de baixo pra cima, com tintas coloridas abstratas. Yan sentiu calafrios, como um agouro.
Não…
Eu não posso ser um…
Todos à sua volta o encaravam. Haviam parado de rir, chocados, e os murmúrios diminuíam gradativamente.
Prismal, pensou Ophid.
Os Prismais só existem para testar sua força, era o que seu pai sempre dizia.
Sempre lhe treinou intensamente, para não permitir que ninguém o fizesse nenhum mal. A ponto de ninguém ser capaz de impedi-lo de fazer o mesmo.
Contudo, como seu pai também dizia, era só modo de falar. Não era pra se fazer mal a ninguém atoa. Mas…
Era um Prismal.
O menino continuou perplexo contemplando seu braço, com pavor. Ophid se levantou. Indo até ele, sorrindo. O garoto continuava intercalando seus olhares, indo da grama até o braço, não percebendo Ophid chegando.
— Levanta — ordenou Ophid, com sua expressão fechada.
Yan o fitou assustado, pego de surpresa.
É hora de testar a minha força, pensou Ophid.
Rapidamente Ophid chutou seu estômago, arremessando-o pra trás. Yan gemeu intensamente.
— Eu disse pra levantar.
Ophid adorava essa sensação, subjugar criaturas inferiores.
Os professores observavam ao longe temerosos, era algo comum. Interferir numa briga era a mesma coisa que abrir o casulo de uma borboleta antes da hora. Fracos se tornam fortes, a partir da dor. Era quase um favor que faziam ao não interferir.
O mundo é definido pelo mais fortes. As crianças… Não; a humanidade inteira sabia disso. O garoto também sabia, porque levantou-se instavelmente. Olhando fixamente com ódio pra Ophid.
— O que você pensa que tá fazendo, Ophid? — indagou Yan com seus punhos cerrados.
Os dois se encararam de longe. A expressão de Yan estava enrugada, uma mistura de confusão com raiva.
— Testando a minha força — exclamou, enquanto velozmente ia em sua direção.
Dando-lhe um soco na cara. E logo em seguida, um chute lateral no tórax.
Yan ergueu o braço defendendo o chute, ainda mantendo-se de pé. Mas Ophid não perdera tempo, o socando com outro braço.
A intensidade do soco fez com que a cara de Yan e o punho de Ophid se tornassem um só. Se segurando o máximo que pôde, Yan manteve os pés no chão.
Porém, subitamente Ophid usando as costas da mesma mão, o atingiu no estômago. Fazendo Yan ser arremessado pra trás. A intensidade fora forte demais.
Os amigos do ruivo estavam com medo, todos eles se afastaram. Os outros permaneciam em seus lugares, olhando entretidos.
Haviam leves lacrimejos no rosto de Yan, caído no chão.
— Achei que fossemos amigos… — falou o garoto com a voz embargada.
Ophid permanecia sério, focado.
— Erámos. Sou amigo de pessoas, Yan. E você é uma aberração… — Cuspiu no corpo do seu ex-amigo.
Com o cuspe batendo em seu rosto, Yan se sentiu como lixo.
Aberração…? Não… Não. Eu sou uma pessoa…
Assim como todos vocês…
Os lacrimejos se tornaram lágrimas, lástimas. Não conseguia pensar direito. O ódio o consumiu por inteiro. Começou a berrar. Gritar.
Ainda caído, plantas grossas começaram magicamente a emergir ao seu redor. Indo em direção a Ophid com toda velocidade. Ophid se esquivava a cada planta se aproximando, mas eram muitas. Eventualmente fora agarrado por inúmeras delas.
Esmagado lentamente por elas, sentiu seu ossos estralando. Gritando, usou toda sua força pra tentar escapar, e rápidas ondas vermelhas como fumaças lisas começaram a circundá-lo. Isso aparentemente aprimorava sua força, porque estava prestes a sair.
Ophid gritava cada vez mais alto, quase saindo do amontoado de plantas musculosas, fortes como troncos.
Mas antes que pudesse finalmente sair, o ruivo o esmurrara com força. Revestindo seu punho com plantas amontoadas úmidas, criadas a partir da junção de spektris, pra intensificar a porrada.
Ele o socou, bradando, várias vezes, antes que o cansaço tomasse conta.
Ophid cuspia sangue. Estava com raiva, muita raiva. Nunca tinha perdido, não deveria perder.
Eu sou… fraco?! Eu perdi… pra uma aberração?
***
— Eu fui derrotado — respondeu Ophid, inchado de tanta porrada.
Skane, pai de Ophid, permaneceu em silêncio por alguns minutos. Fitando-o, de baixo. Era um brutamonte grisalho de barba, seus olhos eram tão negros quanto escuridão absoluta.
Olhar para eles fixamente, causava uma sensação parecida como a de um filme de terror. O medo do desconhecido. Mas Ophid não poderia desviar o olhar.
Fracos não fogem do medo. Assim, afundava mais e mais fundo na trevas de suas íris.
— Como? — perguntou Skane, parecia intrigado com o fato dele ter sido derrotado. Nunca tinha acontecido desde então.
— Um Prismal.
Skane estreitou os olhos, observando os hematomas. As feridas ardiam brutalmente. Levara uma surra, que nunca recebeu em toda sua vida. Entretanto, sua raiva amenizava levemente a dor.
Seu pai depois de analisá-las como um médico, começou a mover seus lábios.
— O grande dia chegou.
Estavam num cômodo que nunca usavam, onde descansava uma grande lousa, um pouco empoeirada, e algumas cadeiras de madeira envelhecida. Parecia mais um cômodo de ensino antigo.
Ophid estava sentado numa delas, segurando uma pedra de gelo, estancando as imensas porradas que levara em seu rosto.
— Eu podia ter morrido, você nunca me falou que eles eram tão poderosos!
Enquanto falava, os olhos obscuros de Skane o estudavam.
— Exatamente por essa razão, é isso que eu quero.
“Você precisava experienciar, só assim compreenderia o que tenho a dizer.”
Seu pai andava de um lado para o outro como um comandante dando aulas a soldados militares.
— Eu sempre lhe ensinei sobre os textos da Layonart — prosseguiu. — Em como a força te levaria longe, o traria poder, o tornaria um grande homem.
“Mas que exigia um preço, um esforço contínuo e treinamento intenso.”
Ophid assentiu, ainda irritado.
E Skane continuou:
— Os Prismais por outro lado, são exceções a regra. Nasceram com poderes suficientes pra governar o mundo inteiro. E ninguém seria capaz de resistir.
Rabiscou linhas coloridas no quadro, com vários marcadores diferentes.
— QUE?! Mas como eles não dominaram tudo ainda?
─ É daí que entramos. — Skane desenhou um círculo negro em volta das cores vibrantes. — Os Luminattis existem pra equilibrar o jogo, botar os Prismais em seus devidos lugares.
Skane ergueu sua mão, mostrando três linhas inconstantes de cores grossas na ponta de seu braço esquerdo; preto, cinza e branco.
“Com esse poder quando um Prismal sair da linha, e fizer algo contra a lei, nosso trabalho é executá-lo.
“Por isso somos considerados como Ceifadores de Prismais.”
Ophid permaneceu calado por um tempo, digerindo toda aquela nova informação. Ainda contemplando o braço de seu pai, perguntou:
─ E o que essas cores fazem?
─ Irei ensiná-lo quando já estiver em posse delas.
─ Eu terei esse poder algum dia? ─ Os olhos de Ophid brilharam, a ideia desse tipo de poder o encantara.
─ Falarei com o conselho. Se tudo der certo, você terá isso hoje.
─ Que?! Que irado!
─ Quero que treine duro enquanto isso, o treinamento ficará ainda mais rigoroso a partir de agora.
Ophid era um poço de ansiedade ambulante. Estava em êxtase.
─ Vou dar o máximo de mim, vou acabar com a raça do Yan ─ disse Ophid, cerrando os punhos, com força.
Com esse poder, não restavam dúvidas. Não iria ser derrotado por mais ninguém.
Pra sempre.