Cambiante: O Segredo do Reencarnado - Capitulo 5
Desbravar a escuridão exige coragem: sozinho você verá apenas o caminho próximo; com amigos, a luz de todos iluminará um horizonte estrelado.
Aiko comia sua comida devagar, intrigada além da conta. Aquilo definitivamente não era normal. O que aquele poder fazia? Era gigantesco demais.
As pessoas do refeitório estavam mais impressionadas do que assustadas. Já Aiko estava aterrorizada. Seu coração disparava mais rápido que o normal. As batidas imploravam para que saísse dali, imediatamente.
Digeria de forma lenta, seu corpo tenso a impedia de deglutir normalmente, sem que sua traqueia travasse. E a cada mordida sentia seu coração pulsando, gritando.
— Poder surpreendente, né? — Aproximou-se um garoto de óculos circulares, sentando ao lado de Aiko, com dois sanduíches na mão.
Tinha longos cabelos ondulados castanhos. Aiko o reconheceu vagamente, como alguém da mesma sala que ela.
— O que… é aquilo? — perguntou Aiko, ainda sem acreditar.
— Você não conhece? — Aprumou seus sanduíches na mesa.
“Ele é o Reencarnado.”
Que?!
Aiko já ouvira falar em histórias, mas nunca chegou a se aprofundar tanto. Sua mãe nunca chegou a ser religiosa. Ouvia mais pelos seus familiares, que Layon havia retornado a terra, uma segunda vez.
E ela sempre se perguntava… Por que…?
Layon era o deus supremo, tinha o poder dos poderes, por que ele não veio a terra como imortal? Assim não precisaria ressurgir.
Era um dos furos que Aiko percebia, o que a fez nunca acreditar. Mas… então…
— Ele é a Reencarnação de Magnus? — Aiko franziu o cenho, incrédula.
— Sim, me surpreendeu você não ter notado ainda.
“Seus olhos são muito únicos e marcantes. As pessoas até dizem que é um poder ocular.”
Aiko estudava Ophid ao longe, franzindo ainda mais o cenho.
Então… Layon é real?
Mas…
— Se for assim… o poder ocular ficaria ativado o tempo todo? — retrucou Aiko, tentando buscar respostas.
— Bom, ele é uma divindade, se ele não fosse apelão não faria sentido. — Começou a comer seu sanduíche normalmente.
Aiko não entendia, alguma coisa não parecia certa.
— Ele não se parece com uma divindade.
O garoto quase cuspiu seu lanche, gargalhou.
— De fato. Mas seu poder não dá pra negar, né? — balbuciou. — Inclusive, qual o seu nome?
— Aiko, e o seu?
— Mitchel, prazer em conhecê-la!
Os dois comiam suas respectivas comidas, o que não abriu espaço pra um cumprimento formal tão de repente.
— Você também é novato? — perguntou, dado o fato de que ainda estavam sozinhos na mesa.
— Não. Por que?
Ela voltou seu olhar para Ophid. Que comia conversando com seus amigos, sério.
— Nada — fingiu naturalidade.
— Tá bom, então. — Recomeçou a comer.
Depois de ter digerido uma boa porção, perguntou:
— Você é uma boa combatente?
Aiko virou-se de súbito. Era verdade, os combates…
— Er… eu diria que sim, sei me sair bem no combate, por quê?
— Bom, aqui a galera é barra pesada. Aqui a gente aprende a ser forte na marra.
“E é parte do que faz o colégio ser tão requisitado pelas pessoas.”
Aiko tremeu. Aconteceu o que imaginava. Sentiu um leve calafrio.
— E as matérias? São difíceis?
— Pra caramba — balbuciou novamente, quase terminando seu sanduiche natural.
“Ophid é o único que consegue tirar notas acima da média da sala.”
— Vou mudar isso — determinou-se.
— Ha, os novatos falam isso sempre, mas desde o começo que estudou aqui, Ophid sempre foi o mais inteligente da classe.
Aiko admirou Ophid novamente.
— E no combate…?
— Bom, eu não falei porque achei que tava meio que óbvio.
Aiko não conseguiu compreender bem o que estava sentindo, mas aquilo a motivava.
Eu vou ser melhor do que aquele cara.
— Pior é que eu tentei de tudo — prosseguiu Mitchel. — Mas ele é extremamente forte.
Mitchel não tinha um físico muito forte. Sua fala era destoada demais com a realidade, soava confiante demais.
— Você também é um bom combatente?
Mitchel mastigou um pouco, antes de responder:
— Acho que sim.
— Usa alguma arma?
— Nah, só as mãos mesmo. É mais libertador, surrar a cara dos outros.
Mastigou seu outro sanduíche, antes que pudesse prosseguir:
— Mas creio que se não fosse pelo meu amplo leque de cores, eu não seria capaz de conse…
Aiko parou de escutar. Paralisara. Olhou diretamente pro braço de Mitchel.
Tava ali.
Aiko instantaneamente olhou para os lados de forma paranóica. Felizmente, ninguém estava olhando pra eles.
— VOCÊ É DOENTE?! — bisbilhou de forma intensa para Mitchel. — POR QUE REVELOU ISSO TÃO RÁPIDO PRA MIM?!
Mitchel abriu um sorriso. E começou a gargalhar.
— Porque você também é como eu.
O silêncio ensurdecedor ecoou por todo refeitório, um vazio irônico, já que os murmúrios eram incessantes.
Aiko não respondeu. Ainda estava processando o que ele queria dizer.
Pera. O que?
Não, não. Não teria como, escondeu bem, seus braços estavam perfeitamente… Mas…
— O QUE?! — Aiko o encarou incrédula. Sentiu terror absoluto que iam além do de Ophid.
Como ele descobriu?
Ah, não.
Não.
Puta merda.
— Minha mente é tão fácil de entrar assim?!
— Relaxa, você só tava com medo na hora, só aproveitei a deixa — disse enquanto ainda gargalhava.
Apoiava os braços na cabeça, de forma despreocupada, deixando sua paleta de cores a mostra, apesar de curiosamente uma delas estar acinzentada.
— Esconde isso!! Agora! — falou entre dentes rapidamente, nervosa.
— Tá tudo bem, todo mundo aqui já sabe. Não tenho nenhum amigo aqui.
— Por que invadiu minha cabeça?! Me sinto totalmente violada!! — indignou-se.
— Foi mal. Não invadi intencionalmente, foi sem querer.
“Quando vi você sozinha, perturbada mais do que o normal em relação ao Ophid, sabia que era uma, então quis confirmar, sacou?”
Aiko o fitava, desacreditada.
Era uma sensação esquisita saber que sua mente foi lida. Isso mudou completamente sua percepção sobre invadir a mente dos outros.
Mas logo mudara sua atenção pra um outro ponto; um ponto significativo.
— Ophid tentou te matar?
— Várias vezes, até tentou me incriminar, mas eu não sou uma presa fácil — respondeu, dando um sorriso presunçoso.
— Você só pode ser maluco. Por que você revela que é um Prismal pras pessoas?!
Ele começou a rir novamente enquanto comia sua última fatia de sanduíche.
— Eu que é te pergunto.
“Por que você esconde?”
Au.
Aiko sentiu uma pontada leve, de dentro do seu corpo.
— Porque… — Sentiu uma sensação inexplicavelmente desconfortável.
Nunca parara pra discutir isso em voz alta antes.
“As pessoas me excluiriam.”
— Então você prefere ser amada pelo que não é?
Para.
— Não… não é só sobre isso… minha vida tá em jogo, é preciso ser esperta.
“Não podemos simplesmente nos expor assim, podemos morrer por literalmente qualquer vacilo.
“Não somos presos como pessoas normais… somos sempre executados sem mais nem menos.”
A expressão de Mitchel não mudara, continuou com seu sorriso despreocupado.
— É só nos tornarmos fortes o bastante. Pra não morrer.
Aiko estranhamente… sentiu conforto nessas palavras. Mas parecia errado.
— Olha, minha vô vai chegar de viagem daqui a uma semana — prosseguiu —, é uma Prismal mestra.
“Ela prometeu que iria me treinar a usar as Crominacias.
“Se você quiser, ela pode treinar nós dois.”
Não…
— Não. Isso é maluquice. Eu… eu não posso…
— Por que não? Eu uso meus poderes no meio do combate na Maestria Tática.
“Você deveria usar também. É um grande poder, sabia?”
Ela estava em outro mundo, só podia ser.
— Mas… não é contra as regras?
— Hum? — Mitchel franziu o cenho. — Todos podem usar os poderes das quais nasceram à vontade.
“Seria injusto se não pudéssemos também. Só que, obviamente não somos vistos com os mesmos olhares.
“Mas ser forte também significa seguir um caminho solitário.”
Aiko o encarou, descrente.
— Isso é piração. Eu nunca vou ser capaz de fazer isso.
“Não na frente das pessoas, o que as minhas amigas vão pensar de mim quando ficarem sabendo?”
Mitchel olhou pra frente, ainda com os braços encostados na cabeça.
— Você quem sabe. Mas está convidada.
Levantou-se repentinamente, olhando fixamente em frente. Ophid estava ali, saira de sua mesa e estava de frente pra eles. Com a sua gangue. Havia um certo ar hostil entre os dois.
Mitchel contornou a mesa onde estavam, com as mãos no bolso, ficando cara-a-cara com Ophid, como se defendesse Aiko.
— O que você tá fazendo com a novata, aberrado? — brincou Ophid.
Os dois se fitavam, agressivamente.
— Fazendo novas amizades. Não vê?
“Algo que talvez você nunca tenha de verdade. Se não tivesse seu poderzinho.”
Mitchel penetrou seus olhos profundamente em Ophid.
— Quem você pensa que é? — Ophid se enfurece. — Desafiando um Luminatti desse jeito, quer morrer aqui?
— E você? Divindade ou não.
“Tá desafiando um Prismal.”
Numa explosão enorme, Mitchel fora arremessado pra trás, passando por cima da mesa.
Pedaços de gelos se estilhaçaram pra todo lado. Uma ação tão rápida que Aiko não foi capaz de discernir o ocorrido;
Mitchel se pôs de pé, numa cambalhota, aparentemente não machucado, do outro lado da grande mesa.
— Você pode até ter roubado meu violeta, mas eu ainda tenho o gelo.
Ele usou o gelo pra se defender do soco do Ophid?
Esse cara é completamente biruta.