Carnaval no Abismo - Capítulo 15
Fazendo uso de toda a minha farta experiência em séries e filmes de conteúdo sadomasoquista, preparei todo o ambiente para um interrogatório perfeito.
Deixei Leógenes só de roupa íntima, amarrado de ponta-cabeça numa armação gradeada de metal chumbada na parede. Sua boca tapada por uma mordaça com bolinha vermelha. Na bancada atrás de mim, encontram-se vários instrumentos comumente usados em atos de torturas físicas e psicológicas. Afinal de contas, preciso mostrar desde o início quem é a ativa dessa bagaça.
— Está preparada?
— Preparada para o quê, exatamente? Continuar fazendo parte dessa palhaçada? — Keyla respondeu, entediada.
— Não! Preparada pra quebrar tudo, mocinha!
Rindo maleficamente, saquei uma grande mangueira e apertei o gatilho, lançando um jato de líquido congelante contra o corpo de Leógenes.
— Guaa!! Arg, arh!!
Ele acordou do mesmo jeito que foi dormir, rosnando e berrando feito alguém em estado de possessão, sedento pela minha cabeça em cima de uma bandeja.
— Olha, acho magnífica a maneira que essa “ordem absoluta” dos anjos o faz continuar lutando mesmo numa situação obviamente irreversível feito esta.
Só não curto muito a parte em que tal poder foi usado pra transformar o meu cotidiano em uma doideira total.
— Então, senhora. Após todo esse preparativo demasiado, presumo que tenha um plano magnífico para reverter o controle mental. — Keyla falou.
— Sendo sincera, não tenho absolutamente nada. Apenas queria me vingar deste mauricinho por ter me infernizado nos últimos dias. — Coloquei a língua pra fora e fiz um gesto fofo. — Ué? Por que está fazendo cara de repulsa?
— Ei, por acaso, ainda existe alguma parte sua que não esteja completamente podre?
— Não seja rude! — Dei de ombros, desistindo da discussão. — Muito bem, vamos fazer direito, então. Que tal testarmos alguns destes brinquedinhos nele para arrancarmos algumas informações? Oh, este aqui tem quatro velocidades de vibração!
Nos últimos dias, até que tentei ficar de olho nos irmãos Vasconcelos, mas não é nada fácil se aproximar com um monte de zumbis chatos os protegendo vinte e quatro horas por dia. Resumindo, atualmente, o Colégio Isana Ágora é a fortaleza impenetrável deles.
Bem, quem sabe, um dos servos fieis não possa nos dizer exatamente o que aqueles dois estão tramando?
— Com sorte, de quebra, talvez consigamos fazer ele voltar ao normal. Não dizem que quando uma pessoa tem uma crise de soluços, basta dar um bom susto para curá-la?
— Não consigo enxergar relação de uma coisa com a outra.
— Para de ficar criando dificuldades e apenas dê um grande susto nele, tá?
Keyla suspirou pesadamente, cuspindo o pouco de felicidade que resta em seu corpo. Fala sério, hoje ela tá um grande poço de negatividade.
— Entende que eu só machuco aquele idiota porque ele se regenera, né?
— Sim, sim, estou ciente. E como eu já imaginava que você se negaria a ajudar, fiz alguns preparativos. — Saltitei até os meus pertences e peguei dois objetos. — Duvido não ficar motivada agora!
Ao retornar, coloquei uma máscara de papel com a foto do rosto de Augusto na cabeça do furioso Leógenes. Em seguida, desbloqueei meu celular e coloquei uma coletânea de áudios gravados em sigilo para tocar.
Frases como “Keyla, te amo tanto!”, “Keyla, quer casar comigo?!”, “Keyla, prometo guardar a minha virgindade apenas para você!”, ecoam feito um hino bizarro.
Como o esperado, uma expressão perturbadoramente sombria repousou no rosto da ruivinha. O ar do museu parece ter caído uns dez graus em apenas um segundo.
— Vou começar apertando um pedaço do saco dele com aquele alicate ali, pode ser?
Engoli em seco, começando a me arrepender de ter provocado a leoa.
— Só não o mate, tá…?
Silenciosamente, ela foi até a bancada em busca de algo para usar. Jogou um açoite de ferro para o lado, fitou a Virgem de Nuremberg por alguns segundos, acariciou a serra elétrica… Por fim, segurou uma pistola taser com firmeza e se voltou na direção do nosso refém.
Mesmo hipnotizado, os instintos de Leógenes fazem com que ele estremeça e respire fundo. Sabe que a sua vida está em grande perigo, pois mesmo na sua insanidade, ainda tem total conhecimento da falta de misericórdia da sua colega de classe.
— Nunca vou casar com você, maldito.
O gatilho foi pressionado sem nenhuma hesitação. Por coincidência, ou talvez, nem tanto, um dos dardos pregou bem no mamilo esquerdo do refém antes do poderoso choque o atingir.
Um grito agoniante veio no mesmo instante.
— Ugh! Deve ter doído…
E isso foi apenas o começo.
A tortura que, com certeza, não me deixará dormir direito esta noite, continuou por mais uma fodendo hora. Presenciei o uso de um desfibrilador para uma ação nada medicinal, chicotadas nada carinhosas, pernas depiladas com cera quente, e até mesmo dez minutos de cosquinha no suvaco. No entanto, nada disso fez o garoto cogumelo voltar ao normal. Apesar de bastante exausto, continua tentando inutilmente escapar e completar a sua missão.
— Tá, desisto. A não ser que me deixe pendurá-lo no topo da Torre de Tv Digital, estou sem ideias.
— Certo… Então, agora é a minha vez de tentar! — Corri novamente até os meus pertences e abri a maleta onde guardo minhas melhores armas. — Com isso, é certeza de vitória!
Arremessei uma vestimenta dobrada para Keyla que, após ser sacudida, revelou-se ser uma fantasia de coelhinha sexy. Em vez de agradecimento, ganhei a mais feia das caretas.
— Nem ferrando que vou usar isto.
— Ué? Mas por quê? Não consegue entender o brilhantismo do meu plano e o quanto é um ato extremamente necessário para podermos trazer o seu amigo de volta?
— Antes, poderia me dar uma boa explicação de como esta coisa ridícula fará isso?
— Então, todas as mulheres que se prezam conhecem as fraquezas dos homens. Sabemos que eles são animais sebosos de cérebros minúsculos, movidos unicamente por testosterona, desejos impuros e fetiches estranhos. Porcos nojentos de capacidades limitadas que vivem para procriar e saciar suas libidos, nada mais. Por isso, antes de recuperarmos a alma de Leógenes, devemos trazer à tona os desejos sexuais dele!
— Nada do que você falou faz sentido! — Ela gritou bem alto, algo raro, sério. Fiquei até com medo de ser a próxima torturada. — Dane-se tudo isso, estou voltando pra escola. Tô nem aí se vou ser hipnotizada. A ignorância, com certeza, é bem mais atraente do que continuar fazendo parte desta palhaçada.
Imediatamente, entrei na frente dela com os braços abertos e bloqueei o caminho.
— Tem certeza disso? Se for, estará admitindo que Hillary te derrotou. — Sorriso maligno. — Que ela estava certa o tempo todo.
— Huh…
— Além do mais, não estou pedindo a sua opinião, sabe? É hora do episódio de cosplay e ponto final.
A puxei até um canto afastado e, juntas, trocamos de roupas. Quando voltamos para a frente do garoto hipnotizado, fizemos uma pose bem sensual previamente ensaiada. Ela, com a roupa de coelha, e um plus de estar tímida com o rosto vermelho feito brasa, e eu vestida de empregada safada.
“Não tem como ele não ficar abalado após um combo tão poderoso”, foi o que pensei quando bolei este plano.
— Então, por que diabos está fazendo essa cara de quem se encontra prestes a vomitar, seu miserável?! — Rosnei.
A atitude de Leógenes vaporizou toda a minha paciência. Até parou de se debater só para mostrar o quão patético foi o nosso ataque.
O que isso quer dizer?! Que nos falta feminilidade?! Que não somos atraentes o suficiente?! Caramba, estou tão magoada que quero me encolher naquele cantinho e chorar até amanhã!
— Ei, ei… Já posso tirar isso, senhora…? — Keyla sussurrou, toda mansinha com uma expressão fofa.
— Pode sim, mas só pra poder vestir a próxima. — Furiosa, retornei para a minha maleta e tirei de lá um par de micro biquínis e máscaras pretas. — Pelo jeito, terei que apelar para as minhas fantasias de Tiazinha.
Por parte da pequena ruiva, ganhei mais uma careta de gelar a espinha. Tenho a leve impressão que alguém aqui está me odiando pra valer.
Decidi então atirar para todos os lados. Compartilhei as minhas melhores revistas calientes, interpretei algumas das cenas mais icônicas dos pornochanchadas, e até mesmo assoprei pederastias na orelha dele, algo que tinha prometido fazer só com o homem que me bancaria pelo resto da vida!
Mas como?! Por quê?! É realmente possível existir um homem que não tenha um pingo sequer de libido?!
— Senhora, como ousou destruir todos os homens sendo que você é bem pior que a maioria deles? Tipo, uma monstra da perversão! É sério mesmo que não tem nenhum plano nessa sua cabeça que não envolva algum tipo de safadeza?
Keyla deu mais um dos seus suspiros corriqueiros, parecendo realmente desapontada comigo. Depois, estendeu a mão esquerda, pedindo-me alguma coisa.
— O que foi?
— Quero a chave da Lamborghini.
— Comé?! Claro que não! Crianças não devem dirigir! Principalmente, uma belezinha daquelas!
— Nem comece com as desculpas. É o seu tão falado “fim do mundo”, lembra? Não existe mais DETRAN, logo, também não existem leis de trânsito. Além do mais, tive uma ideia que pode funcionar, mas exige que eu dê uma viagem rápida. Então, passe logo a chave e fique de vigia. Foi você mesma quem disse para testarmos todas as possibilidades, lembra?
— Ugh… Usando as minhas próprias palavras contra mim, sua trapaceira! — Fui manipulada a desistir. — Tudo bem, vai lá. Só toma cuidado pra não arranhar a lataria, okay?
— Não se preocupe. Eu já dirigi algumas vezes… no videogame.
— Ah, sim, claro…
Sem hesitar, como sempre, a ruiva se mandou pisando fundo, mas até que não demorou muito. Retornou segurando uma grande mochila estufada. Algo que atiçou não apenas a minha curiosidade, como também a do garoto cogumelo amarrado na parede.
— Ei, o que está carregando aí dentro?
— Nossa arma secreta, senhora. Como você já sabe, Leógenes é filho de advogados multimilionários. Por isso, foi criado desde o berço para sempre almejar o topo da sociedade. Agarrar com suas mãos tudo o que os outros mais desejam e, assim, manter um status de ser superior, inalcançável. Ser invejado, cobiçado. E qual é a única maneira possível de conseguir tudo isso? — Jogou a mochila no chão e abriu o zíper. — Com dinheiro, sua maior vantagem, mas também a sua maior fraqueza.
Vários maços de peixes azuis e vira-latas estão amontoados dentro, em uma quantidade absurda de cair o queixo.
— Espera aí?! Você pegou o meu carro para assaltar um banco?! Sua criminosa!
— Eu? A não ser que você esteja escondendo a sua verdadeira natureza, o documento daquele veículo está no nome de um homem. Fora que você sequer tem uma licença para dirigir.
— Ei, como você descobriu isso?!
— Não importa, vamos deixar isso de lado por enquanto. Agora, olhe bem para a cara do nosso amiguinho ali.
Voltei-me na direção de Leógenes e tomei um baita susto.
O maldito está… ereto! Quer dizer, babando enquanto olha fixamente para a mochila!
Fala sério, não acredito que as minhas técnicas de sedução perderam para um punhado de papel! Acho que agora realmente vou pro cantinho chorar…
— Senhora, dessa vez, tenho certeza de que conseguirei traumatizá-lo.
Keyla pegou um maço de dinheiro, aproximou-se do garoto cogumelo e, sem nenhuma piedade, sacou um isqueiro e tacou fogo na grana toda. Uns cinco mil viraram pó rapidinho.
— Guuu!! Uuu!!
Pela primeira vez, Leógenes mostra sinais de emoções humanas. Os olhos arregalados e lacrimejantes explicitam sofrimento. Muito mais do que quando foi agredido ou teve suas pernas depiladas.
— Curtindo o momento? — Fria e calculista, a pequena ruiva catou um galão de combustível de cima da bancada e despejou tudo sobre o dinheiro restante. — Que bom que está, amiguinho… Pois a diversão ainda vai continuar por um bom tempo, isso eu te garanto.
— Para alguém que não queria ajudar no início, agora você está bem empolgada, eim?
— Cala a boca.
O isqueiro meticulosamente escapuliu por entre os dedos da ruiva, repousando sobre a mochila. Num piscar de olhos, nasceu uma poderosa fogueira dentro do museu.
— Guuuuaaaaa!! Uaaaaaaaaa!! Ruuuuaaaaa!!
Gritos dolorosos começaram a escapar por entre a mordaça na boca do pobre Leógenes. O aluno que eu conhecia por ser sempre firme e inquebrável, sucumbiu completamente ao desespero. É possível notar até alguns fios de cabelo dele ficando brancos devido o grande trauma que está sofrendo.
Aqui jaz o cogumelo do Mário.