Conflagratus: Dever e Direito - Capítulo 17
Depois de contar incontáveis pedaços de pedras nas paredes da cozinha, o tempo necessário está extinto. Retiro o lombo do forno e o ponho em cima da mesa.
Cheira bem, espero que tenha um gosto tão bom quanto o cheiro.
Vou até o armário e pego um cálice feito de cristal, totalmente translúcido. Definitivamente é o melhor tipo de recipiente para vinhos.
Retiro a rolha da garrafa de vinho e seu aroma suave de frutas vermelhas preenche as minhas narinas, seu rótulo demonstra que é duma safra de 25 anos atrás, sua cor já não é a típica cor de vinho, é levemente alaranjada, afinal, é um vinho de guarda produzido no extremo leste do Império, «Vinho Barra Rivi» produzido na cidade homônima.
Devo dizer: há alguma bebida melhor do que o vinho? Eu sei que há diversas bebidas, alcóolicas ou não, apreciadas por todas as classes sociais da sociedade. Claro, há a diferença de qualidade na bebida que um plebeu toma e a que um patrício toma, mas em essência é a mesma cousa.
Para nós do Império o vinho é algo tão importante que fazemos questão de disponibizá-lo de maneira ordinária para todos. Desde escravos aos mais nobres do Império.
Contudo, também existem outras bebidas espalhadas pelos cantos do Império. Sei que numa, relativamente pequena, ilha ao extremo oeste do Império há grandes e diversas macieiras que produzem maçãs anormalmente grandes. Não sei o porquê disso acontecer, mas acontece.
E se falamos de maçãs, a bebida óbvia com elas é a sidra. As maçãs dessas ilhas apesar de grandes, ironicamente são bem doces. Então a sidra feita dessas maçãs é bem doce e leve, eu particularmente prefiro as doces às secas.
Só que o bom conhecedor sabe, a sidra é o fermentado de maçãs tal como o vinho é o fermentado da uva. Então, ao final do dia, a sidra nada mais é do que uma cópia fajuta dos queridos vinhos. Não adianta negar, amantes de sidras, sabemos a verdade! Então, uma boa sidra perde para um bom vinho.
Muslums e hidromeles, apesar de bons, também não se comparam.
E se falarmos de bebidas não alcóolicas, há alguma melhor que um bom e fresco suco de uva? Não, não há… E se estamos a falar dum suco de uva, não seria o suco de uva o estágio inicial antes da perfeição que é o vinho?
No final, vinhos são realmente superiores.
Ah, sei que tu não pensaste isso, és uma boa pessoa, és culto, inteligente, sei que és… Cerveja, ugh, que nome horrível, sequer pode ser citada na mesma frase em comparação ao néctar divino. É uma bebida de bárbaros e pobres. Depois de tanto refletir sobre bebidas, vamos ao que interessa.
Despejo 150 mililitros de vinho na taça e a coloco na mesa, é o que o fato ritual manda. Só que sinceramente: eu adoraria tomar mais do que isso no momento, mas não posso ser nobre e ter etiqueta apenas quando os olhos me veem. E se eu nem estou a diluir o vinho em água, já estou a fazer demais contra a boa etiqueta…
Por fim eu me sento à mesa sozinho, não há ninguém para compartilhar o momento comigo, contudo ainda assim irei saborear minha refeição com prazer. Pego meu talher e me preparo para cortar a carne, mas… Subitamente meu antebraço dói.
— Mas o quê? — olho para o meu antebraço esquerdo em surpresa.
Tem um corte nele, o sangue já secou, mas a dor continua, principalmente quando eu aplico força e tenciono os músculos nele. A origem é óbvia: minha dialética com Lucius. Não reparei na hora, aquela velha história de sangue quente e tal, mas dalguma forma ele me acertou.
Eu poderia facilmente remediar ou curar essa ferida, não é grave. Contudo, eu acho que há crédito no fato dela existir. E eu devo assumir tal crédito neste exato momento. Há um motivo. Merecedor sou.
— Abençoai, Senhor Humilis, a nós e os alimentos que recebemos de Vossa bondade, e dai a todos os homens da terra o pão de cada dia, Senhor Humilis. Amen — agradecer e fazer uma prece antes de comer é necessário.
Tomo-me o primeiro pedaço e coloco em minha boca. A textura é extremamente suculenta, mas também macia. O tempero que utilizei realça formidavelmente o sabor da carne, sem interferir demais ou de menos. Fico feliz, é um abençoado lombo de porco.
Sabe o que o deixaria melhor? Um gole de vinho tinto, assim farei. Já o vinho… tem um sabor forte e intenso da fruta, ser de velha guarda é a provável razão. O gosto que passa pela boca é doce, mas ao final ele se torna levemente amargo. É um exímio vinho.
— E o fato de que fui eu que fiz isso torna a refeição mais saborosa ainda.
Novamente eu digo: não importa a situação ou as adversidades que esse espetáculo chamado de «vida» trar-se-á, aproveite o momento. Carpe Diem.