Conflagratus: Dever e Direito - Capítulo 3
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- Capítulo 3 - Há vezes em que algo acontece por pura coincidência, há vezes em que há motivos - parte 3
Após um breve tempo em estrada eu já consigo ver a portada do palácio da minha família em meu horizonte. Uma portada exageradamente grande e venusta, mas que curiosamente não parece estranha ao conjunto.
Afinal, quando uma portada de ferro negro grande é posta numa parede grande estilizada, alocada em outro pilar grande adornado com ouro em uma casa grande… Tudo se torna extremamente normal e coeso para os olhos.
— Jovem Conflagratus, seja bem vindo de volta — sou recebido zelosamente por um verna do palácio na frente da portada.
— Deixe comigo o teu cavalo, por favor, eu o colocarei no estábulo.
— Certo, conto contigo — entrego o cabresto do meu cavalo ao servo.
Após eu entregar o cavalo, outro servo abre o postigo do portão e eu entro ao pátio. Passo, passo e passo… o pátio antes de entrar é gigante, como tudo neste bendito palácio, talvez eu devesse ter ficado com o cavalo até aqui. É cansativo andar essa distância.
Contra a minha mente, eu descarto a preguiça que eu sinto de andar para chegar à porta de madeira que dá acesso ao ambiente interno do palácio. Abro-a e sou prontamente recebido:
— Bem-acolhido seja, jovem Conflagratus — dizem todas as servas em tom uníssono.
Concordância não é observável somente em suas vozes. Em perfeita sincronia e execução, elas puxam seus vestidos negros simples, que estão por baixo dos seus aventais brancos, para os lados e se curvam diante a mim. É a clássica pose de cortesia.
— Bem-vindo de volta, Aurelius. O teu pai te procura neste momento, é melhor tu ires até ele já… — quem diz isso é a Beatrix que se encontra parada ao lado do corrimão da escada.
O tom na voz dela me indica problemas, mas eu já me preparei para esses problemas no caminho até aqui. Previsível, eu diria.
— Estou de volta. Certo, irei encontrá-lo logo.
É… ele realmente quer falar comigo, não quer? Conversar sobre obrigações é algo tão chato e cansativo, não tenho culpa se o meu cérebro arbitrariamente escolheu omitir tal dado para mim mesmo.
Antes que eu também me esqueça disso: muito obrigado! Cérebro. És mais gentil comigo do que eu sequer poderia pedir!
Após me receberem, as vernae se dispersam e Beatrix anda rapidamente em minha direção com uma cara curiosa. Não imagino o porquê de tal cara.
— O que estavas a fazer? — ao aproximar-se de mim Beatrix realiza o primeiro contato.
— Missões básicas de patrulha apenas para passar o tempo. Reconhecimento dum local e coleta de alguns recursos básicos, entendes? Mas tive uma surpresa — comento.
— Ora, surpresa? Que tipo de surpresa? — com os seus olhos verde floresta fixos em mim, Beatrix curiosamente pergunta.
— Um tipo ruim de surpresa. Um bando de quimeras, perto do nosso território.
— Quimeras? Ugh. Meus deuses, que cousa! — Beatrix reage com uma cara, uma cara engraçada em minha opinião, de nojo e espanto.
— Irás reportar as quimeras para o colégio da capital? Aurelius.
Se fossem simples e pequenas criaturas limosas, ela não reagiria assim, muito menos perguntaria se eu irei reportá-las. Mas… quimeras… não é comum, não é comum aqui estarem.
Um monstro tão poderoso… Um monstro que é um híbrido de vários outros animais não seria comum em lugar algum, a ser sincero. É necessário o reporte urgente disso.
— Sim, depois irei até a capital reportar o que eu vi. Reportá-las-ei corretamente, é necessário. Monstros assustadores assim não podem andar livres por aí.
— «Assustadores», huh? — subitamente os tiques das pontas dos saltos que batiam no chão há pouco cessam.
— Aurelius, Aurelius… É melhor estares preparado, irás encontrar algo verdadeiramente assustador — com uma voz intimidadora duma maneira que se anunciasse o apocalipse, Beatrix me avisa.
— E o que seria esse algo «verdadeiramente assustador»?
— O teu pai. O teu pai estava… assustador. Ele estava a gritar teu nome por todos os cantos, a abrir portas e a batê-las fortemente ao fechar — conta-me Beatrix — Era possível ouvir o estrondo das portas em todo o palácio! — ela complementa.
— Mais cedo uma verna veio para o meu quarto a procurar por ti e a perguntar se eu sabia onde raios tu estavas.
— Impressiona-me como eles sempre vêm até mim para procurar por ti, é extremamente importuno — com a sua cara rosada e cheia, bem como o pé a bater ao chão, ela reclama.
Ver a cara emburrada dela me dá uma vontade quase incontrolável de rir no local. Deuses, mas que cousa adorável é essa? Só que se ela já está brava por algo tão bobo assim, se eu risse ela viraria uma fera verdadeiramente assustadora.
O meu pai, as quimeras que vi mais cedo… A minha cota de bichos assustadores por hoje já está completa há tempos, não quero mais uma, obrigado.
— Bom, Beatrix. Peço desculpas pela importunação, posso dar-te algo para compen-
— Joias! Joias vermelhas! — sou fatalmente interrompido por uma maníaca por joias, uma maníaca por joias vermelhas.
Os olhos da Beatrix, em contrapartida ao fato de serem em perfeito tom verde, brilham como as suas adoradas joias vermelhas no anseio de obter mais joias para a sua quase infinita coleção de joias…
Mulheres, por que ter tantas joias assim? Há mais joias numa gaveta duma mulher nobre do que numa coroa dum rei. Nem sequer há tantas partes do corpo existentes para alocar tais joias!
— Certo, certo. Faço esse favor para ti, alguma hora…
Beatrix faz uma cara que não aparenta estar tão satisfeita com a minha condição do acordo, mas acaba por aceitar. É melhor ter joias vermelhas na mão do que não tê-las, não é? Beatrix.
Após trocar mais algumas falas bobas e breves com a Beatrix, eu me despeço e finalmente subo a escada. O bureau de meu pai fica ao final do corredor e é para lá que eu irei.
Bem, agora…
Ao considerar o dia, o mês, o tempo e o momento e, bem, o quão bravo o meu pai deve estar, é previsível saber sobre o que meu pai deseja conversar comigo: ou é o rito de patriarca do meu irmão, ou é o meu noivado, certamente é uma dessas cousas.
Rito de patriarca… Para ti, meu leitor, que não sabes o que tal cousa é: Rito de patriarca é uma cerimônia de extrema importância para todas as casas nobres.
Visto que somos marqueses do império, não é exagero dizer que este é um momento importante para a história e futuro de toda a nação. O momento mais importante em questão de vida pública após o conubium ou a coroação da casa real.
O rito de patriarca é em suma a passagem do Patria potestas para o meu irmão, um título que concretiza a quem o possuir o direito e a capacidade total para comandar o futuro da casa nobre em questão. No nosso caso, a Domus de Conflagratus.
A não querer ser um safado usurpador, eu mesmo desprezo eles, entretanto não posso deixar de comentar que isso tudo me é muito estranho. Meu irmão tornar-se patriarca em tão tenra idade? 25 anos, apenas 7 anos mais velho do que eu.
Casos assim na história quase não existem, ou se existem, eu não me recordo, e se eu não me recordo eles não existem… A idade comum para isso é, bem, a idade em que o patriarca atual morrer para o próximo sucedê-lo.
O Patria Potestas é um título e direito tão inigualável que ninguém em sã consciência, a não ser que haja um motivo contrário deveras razoável, irá desperdiçar e entregar de mãos beijadas tal título tão importante.
— Ninguém em sã consciência… — paro no intuito de refletir por um instante e me sento num banco qualquer do corredor.
Segundo o próprio: meu pai tem uma doença extremamente grave que o impede de continuar a exercer o papel de patriarca dos Conflagratus.
Todavia, mesmo que essa doença o impeça de continuar com suas obrigações de patriarca, ainda é uma irresponsabilidade total fazer isso.
Deixar na mão dum único ser inexperiente o status e a vida de demasiado indivíduos… Não somente dos que dotam do prestigioso nome «Conflagratus». Pois, existem incontáveis servos, escravos e outros tipos de subordinados sobre a asa da nossa casa.
Dito isso, eu reitero: é uma irresponsabilidade fazer isso, uma total irresponsabilidade, de fato. Meu irmão ainda não está preparado para ser um patriarca duma Domus tão grande quanto a Domus Conflagratus.
— Mas, bem, não é como se eu tivesse o poder para mudar isso, não é mesmo? É a vida… — a incorporar um combatente derrotado eu dou meu último suspiro e aceito o destino incomodante para levantar-me do banco.
Eu já fiz o meu pai esperar muito, é melhor eu apressar-me e chegar até ele logo. Se o que a Beatrix disse sobre ele estar correto, é capaz desse velho louco tentar explodir a minha cabeça quando ele me vir.
Pós os meus poucos passos no corredor, eu finalmente chego à frente do meu destino. A grande porta de madeira em nada me intimida.
Eu apenas a observo, ao preparar-me para o que irá vir.