Crônicas do Rei Vazio - Capítulo 6
Não olhe pra trás
“Quem é você? Muitos respondem isso com seus nomes ou profissões…, mas quem é você? Você é um nome? É uma profissão? Me diga… Quem é você?” — L. L. D.
Flashes irromperam a mente de Samael enquanto ele estava imóvel, lembranças… coisas que ele queria ter dito… tudo passou tão rápido…, antes que eles morressem ele queria ter gritado que os amava… queria ter dito o quanto eles eram importantes…, mas ele não conseguiu… da sua boca não saia nada, tudo foi sufocado pelas lagrimas. No final eles sorriam… sorriam verdadeiramente, sem magoas… apenas amor… puro e inocente amor…
Sua vida passou pela sua mente, ele se focou nos momentos felizes com a família e amigos; todos daquela vila eram seus amigos, ele sabia seus nomes, seus costumes e trabalhos… nem uma única pessoa foi esquecida, mas no fim de seus pensamentos felizes ele se apegou a uma memória de sua família rindo.
A imagem de seus pais e irmã rindo foi se afastando dele… naquela escuridão Samael correu atrás… ele tentou com tudo alcançá-la mesmo sem forças, mas foi em vão, aquela bela imagem se foi e junto a ela toda a luz também se foi… Samael estava sozinho no escuro… ele continuou chorando, a cada lagrima a dor aumentava. Sua voz saia de sua boca como se rasgasse sua garganta, ele gritou com toda sua força; gritou por ajuda, mas ninguém ouviu…
— Eu… eu não quero mais continuar… e-eu… — Suas palavras foram sumindo em seu choro.
Enquanto Samael estava de joelhos chorando ele sentiu um golpe em seu rosto, antes que ele pudesse ver quem era ele sentiu duas mãos segurando seu pescoço e apertando com força.
— CALA A BOCA! PARA DE CHORAR! ACHA QUE ALGUEM VAI VIR AQUI TE SALVAR? — Alguém gritou.
O aperto se tornou mais forte enquanto ele sentia lagrimas caindo em seu corpo, os dois choravam. Quando ele olhou quem o sufocava ele viu a si mesmo chorando com ódio em seus olhos…. as lagrimas de ódio que rolavam pelo rosto contorcido pela raiva.
— VOCÊ ACHA QUE TEM ESSE DIREITO? ACHA QUE PODE DESISTIR? ACHA QUE PODE LARGAR A VIDA QUE ELES DERAM PRA VOCÊ??? — A voz ficava mais alta a cada grito.
Samael chorava mais enquanto seu ar era tirado e seu pescoço doía ainda mais, ele não conseguiu mais falar e mau consegui se mover suas mãos desesperadamente…
— VAI SE FODER! CALA A BOCA! CALA A BOCA E SE LEVANTA! LEVANTA SEU MERDA! — Gritou uma última vez
Eu acordei, pisquei meus olhos com dificuldade… fazia tanto tempo que eu não via nada, foi estranho… como se eu enxergasse pela primeira vez na minha vida inteira.
Meu corpo coberto de cinzas, minhas pálpebras enrijecidas com aquela poeira grudada e imóvel… eu pisquei várias vezes enquanto movia meu corpo com dificuldade.
Tentei me levantar, mas minhas pernas estavam fracas, elas desligaram assim que me apoiei sobre elas e eu quase cai…
Tentei me erguer novamente — Ai… minha cabeça…. eu… não vejo nada…
Limpei meus olhos uma última vez e olhei para o céu… eu não vi o azul…, olhei para as arvores e não vi o verde, tudo que eu via era o cinza… infinito cinza sem fim…
Eu tentei falar, mas as palavras fugiram de mim, fiquei alguns minutos tentando assimilar aquilo, assimilar esse mundo sem cor…
Andei com dificuldade enquanto cada musculo do meu corpo gritava de dor… caminhei até a ponta de meu vilarejo em escombros… nada avia sobrado… o que sobrou da madeira das casas apodreceu no chão, as cinzas e a madeira se tornaram adubo para plantas que começaram a crescer ali….
— Apagados… ninguém vai lembrar que existimos — Murmurei enquanto caminhava.
Eu ainda sentia… o fogo queimando a minha pele… era como se nunca tivesse se apagado, aquela dor miserável, a dor dos meus olhos ardendo em chamas.
Me arrastei até o rio ao lado da minha vila… aquele silencio era tão estranho, sem as pessoas pegando água, sem as crianças brincando nas margens do rio… eu quase podia vê-las ali.
Limpei meu rosto com a água — Que merda….
Não importa o quanto eu esfregasse as cinzas não acabavam então eu me joguei dentro do rio, quando afundei eu quase desejei ficar ali submerso esperando a morte, mas eu não tinha esse direito.
Depois de vários minutos me lavando eu vi a minha pele de novo — Estranho… as cinzas se foram, mas eu ainda me sinto… me sinto sujo.
Durante 40 dias eu olhei a teia emaranhada do futuro, tentei achar um caminho pelas veias tortuosas do destino, quase tudo parece levar a destruição. Enquanto eu procurava a solução para meus problemas eu fui bombardeado com milhões de futuros, alguns tão perturbadoramente iguais que nem sequer pareciam um caminho diferente… toda aquela informação quase arrancou minha sanidade…
Comecei a caminhar em direção a floresta — Talvez… talvez tenha arrancado…
Sem rumo… eu estou deixando esse lugar para nunca mais voltar, nunca mais verei minha família, nem mesmo meus amigos… eu estou deixando tudo isso pra trás agora… tudo que importa é o que eu quero fazer….
Quando eu morri, eu senti algo… e esse mesmo sentimento voltou pra mim quando vasculhei o futuro desse mundo. Pra mudar o mundo são necessárias muitas pessoas, uma única pessoa o mais forte que ela seja jamais conseguiria mudar o mundo.
— Mas mesmo com muitas pessoas… ainda não há certeza de vitória — continuei murmurando enquanto entrava na floresta.
Pra mudar o mundo… eu preciso ser mais forte, forte o suficiente pra suportar tudo, tenho que ser persuasivo para que as pessoas me sigam… não posso demonstrar fraqueza, não posso deixar a raiva me dominar… e meu inimigos devem me temer.
— Eu achei que o mundo precisava de heróis…, mas heróis nascem, morrem e o mundo continua a mesma coisa… tudo que sobra deles são suas estatuas e lendas! — meu rosto se contorceu de raiva.
EU ME RECUSO! EU ME RECUSO A SER APENAS MAIS UMA LINHA NA HISTÓRIA! ME RECUSO A NÃO FAZER NADA! EU ME RECUSO A ESPERAR UM SALVADOR!
EU ME RECUSO A SER APENAS MAIS UM INUTIL!
Eu gritei como se os céus pudessem me ouvir, como um esforço desesperado, junto com meus gritos eu deixei ir meus sonhos… eu quase não reconheci minha própria voz… eu falei por instinto, as palavras saíram sozinhas… fluíram naturalmente através da minha boca.
Olhei para trás — Adeus, estou indo embora…
Segui pela floresta enquanto botava meus pensamentos em ordem, felizmente eu ainda lembrava dos mapas que passei minha vida lendo. Sei que se não sair daqui logo o inverno vai tornar impossível a viagem pra cidade mais próxima, uma viagem que deveria levar alguns dias… a cavalo.
O vento frio soprou violento, minhas roupas puídas não vão me proteger da chuva que vira, então eu andei mais rápido, lentamente me lembrando como correr. Tenho que encontrar abrigo e roupas novas, talvez possa esfolar algum animal e usar seu couro como manto.
Um trovão ressoa e em seguida um raio… a chuva começa a cair lentamente, ao mesmo passo que eu acelero a chuva cai mais rápido. Qualquer doença que eu tenha em uma situação como essas seria catastrófica. Corri até uma caverna que era coberta pelas raízes de uma arvore, entrei e me encostei nas paredes frias enquanto a chuva caia.
Segurei a espada do meu avô — Essa espada sem fio…
Arranquei o disco da empunhadura da arma e amarrei a espada nas minhas costas. Olhei mais uma vez aquele disco com o símbolo talhado nele… como era mesmo o nome… “marca do rei” eu acho.
Não parece ter nenhuma energia… deve ter algum significado por traz desse entalhe…, talvez as outras casas da tribo saibam. Quando eu ganhei esses olhos parece que junto veio a informação de onde as outras casas estão… tomara que ainda estejam vivos, eles seriam de grande ajuda se forem tudo isso que vovô disse.
— “Coloque em algum lugar em seu corpo”…. droga… — sussurrei enquanto juntava uns gravetos e raízes secas dentro da caverna
Acendi uma fogueira e avivei as chamas e me sentei ali perto pra me esquentar ao menos um pouco, por um segundo eu pensei em esquentar aquele pedaço de metal e me marcar com esse símbolo…, mas acho que isso seria idiota. Meus pensamentos se esvaindo enquanto eu caí no sono, mesmo tentando permanecer alerta, com fome e fraco eu acabei dormindo.
Eu estava sonhando com um lugar deserto, onde o chão era feito de raízes dos milhares de arvores mortas, eu tentei falar, mas minha voz não saia…
Meu braço ardeu e em um espasmo eu acordei com um peso em meu corpo, meus olhos encararam um grande urso das montanhas me encarando enquanto mordia meu braço, por um segundo nos encaramos.
Meu outro braço se moveu por insisto acertando o rosto em cheio, o urso cambaleou e soltou meu braço enquanto sacodia a cabeça. Eu segurei a espada nas minhas costas, mas ela era grande e eu não consegui sacá-la…
— Que merda! — eu gritei enquanto puxava a espada em vão.
No urso recobrou seu estado e me encarou, ele se moveu um pouco ficando em duas patas e soltando um grande urro que fez a caverna inteira tremer. Eu senti algo diferente, como um formigamento percorrendo todo meu corpo… sem hesitar eu corri pra cima do urso sentindo meu coração acelerar.
O primeiro golpe do urso eu podia jurar que senti ele arrancando a minha garganta, mas aparei o golpe com meu braço senti o peso daquele animal me afundar no solo, eu senti um dos meus ossos se partindo. O segundo ataque veio pelo lado, sabia que me mataria se acertasse então girei pro lado oposto usando a força do giro pra acertar meu punho no joelho do urso.
O urso gritou de dor enquanto seu joelho cedeu, o peso daquele animal em cima dos seus ossos quebrados fez um dos ossos rasgar a carne e ficar exposto. Em um urro o urso tentou me morder enquanto ele voltava a se apoiar em 4 patas, mas eu desviei e subi no urso enforcando com todas as forças que me restavam, então o urso se jogou violentamente contra as paredes enquanto rugia.
Eu gritei de dor quando fui prensado contra as paredes com o peso enorme daquele animal me esmagando, senti uma das minhas costelas se partindo e meus órgãos sendo esmagados, mas eu não soltei, meu aperto so se tornava mais forte.
— MORRE LOGO! — eu senti minha força aumentando
O animal tentou ficar em duas pastas, mas seu joelho quebrado não suportava seu peso e meu aperto só se tornava mais forte, assim que o urso ficou se folego eu apertei o pescoço dele com tudo, o barulho de ossos quebrando ecoou pela caverna…
O urso parou de se mexer e eu o soltei — Eu… quebrei o pescoço dele…
Olhei para minhas próprias mãos incrédulo com o que tinha acabado de fazer, minha respiração pesada, eu acabei de quebrar osso com meus punhos…, mas como? Eu sempre fui forte, mas isso não é natural. Minhas palavras foram interrompidas com meu corpo fraquejando, senti minha força diminuir, era como se meus músculos diminuíssem.
Arranquei um pedaço de osso do joelho do urso, eu afiei o osso em uma pedra e usei ele pra arrancar o couro do urso e cortar sua carne. Enquanto ainda estava escuro e a tempestade ainda caia sob o solo, eu botei o couro do urso pra secar perto do fogo, usei sua gordura como combustível e finquei vários pedaços de carne naquela espada velha, colocando-os para assar no fogo.
“Parece que está se virando bem garoto”, a voz de Ego rompeu o silêncio.
“A… é você? Achei que tinha me livrado de você”, eu zombei.
“Só fiquei um tempo inerte até recuperar o pouco de energia que eu posso usar”, Ego grunhiu.
“Entendi…. então… como foi que você me salvou de mesmo? Tinha certeza que iria morrer…”, perguntei curioso.
“Eu segurei seu pescoço com minha escuridão e usei minha energia pra acelerar sua cura…. e… e pra fazer isso acabei juntando um pouco das nossas almas”, Ego explicou.
“Então, eu já não sou mais eu mesmo?”, eu questionei.
“Foi uma junção parcial já que só você pode juntar efetivamente… desculpe, mas eu não sei se uma junção parcial pode afetar sua personalidade”, Ego confessou.
“Você disso “minha escuridão”, quer dizer que eu sou você…, mas temos souls diferentes?”, eu indaguei confuso.
“Sim por isso você se machuca ao usar a escuridão. Vidas diferentes, souls diferentes…, nós fazemos isso mais tempo do que você pode imaginar”, Ego explicou.
“Sua Soul é essa que você acabou de usar…, mas acho que você já deveria suspeitar, instintivamente você ficou mais forte e quando o urso ia te esmagar você o deixou mais fraco”, Ego continuou.
“Quer dizer que já vivemos mais vidas? Como?…. A quanto tempo fazemos isso?”, aquilo só me deu mais perguntas.
“Eu não sei ao certo…, tudo que eu sei é que um covarde com medo de deixar de existir nasceu… e a soul dele o privou disso….” Ego disse em tom sério.
“Mas você deve ter uma suspeita…, a quanto tempo você acha que estamos nessa?”, eu insisti.
“Eu sou velho garoto… e mesmo assim tiveram centenas… se não milhares de vidas antes de mim…, eu creio que nossa alma é tão velha quanto a raça humana”