Crônicas dos Caídos - Capítulo 11
Tudo a sua volta havia desaparecido novamente. O mundo se tornou um clarão branco, forte demais para seus olhos. Ele estava em pé, imóvel, mas sentia o seu corpo se mover. Como se estivesse sendo puxado através daquela imensidão vazia. Sua mente ficou turva por algum tempo. E então sentiu um baque como se o seu corpo batesse contra uma parede, mas não sentiu qualquer dor. E então o mundo, antes branco, se tornou em escuridão. Tentou abrir os olhos, mas sentiu algo áspero sobre suas pálpebras. Percebeu que estava deitado e coberto por algo. Tentou se levantar, tossindo ao respirar. Sentia como se a sua boca e seu nariz estivessem cheios de areia. Seus braços e pernas estavam rígidos, como se não os movesse a algum tempo. Sentia as articulações do seu corpo rangerem a cada movimento. Ele estava coberto de areia da cabeça aos pés como se tivesse sido soterrado.
Quando conseguiu se levantar percebeu que estava em um lugar fechado, e escuro, com uma única luz vinda do alto de um aclive, tornando possível que enxergasse algo. Seus olhos se acostumaram gradualmente com a escuridão, o suficiente para perceber que as paredes, e o teto a sua volta, eram feitos inteiramente de rochas. Era uma caverna, compreendeu. Era consideravelmente grande aos seus olhos, embora não conseguisse dizer ao certo por conta da escuridão. Também era silencioso, exceto por um som que ecoava constantemente, parecido com um gotejar.
Havia baús visivelmente desgastados espalhados ao seu redor, pelo menos mais de uma dezena deles. E também corpos, muitos corpos. Ele quase caiu para trás ao notá-los. Poderia ter gritado, mas sua voz ficou presa na garganta. Alguns estavam enfaixados dentro de estruturas parecidas com beliches nas paredes rochosas. Outros, que eram visivelmente esqueletos com ossos bem visíveis e cheios de poeira, estavam apenas jogados pelos cantos, usando roupas longas e estranhas. Outros trajavam algo parecido com armaduras.
Seus olhos se afastaram daquela visão, se direcionando novamente para cima, onde viu alguém. Ele chamou, torcendo para que o ouvisse. A pessoa pareceu escutá-lo, embora não tenha demonstrado dar muita atenção, se limitando apenas a olhar em sua direção. Ele a chamou novamente, e foi então respondido por um aceno.
— Vem, sobe logo — a pessoa gritou.
Pela voz, parecia ser uma mulher.
Hesitante, ele o fez, subindo o íngreme aclive até o topo da caverna. Um vento forte acertou seu rosto quando chegou ao topo, a poucos metros da entrada. Identificou a mulher com quem falara antes, que naquele momento tinha seus longos e escuros cabelos sendo soprados pelo forte vento. Ela parecia ser mais velha do que ele, aparentando estar acima dos vinte anos. Usava uma blusa social branca com uma calça jeans preta.
— Com você são seis — disse ela. Seu sorriso não poderia ser chamado de outra coisa, além de encantador.
Quando olhou para fora, Ítalo reparou em outras quatro pessoas, paradas um pouco mais a frente, fora da caverna. Elas não lhe deram muita atenção, na verdade nem pareceram lhe notar. Se mostrando mais preocupados com o que viam.
— Oi, é… — Ele se dirigiu a mulher —, para o que eles estão olhando?
— Para um problema — Ela suspirou — Se quiser entender melhor, é só ir lá fora.
Ele o fez, cobrindo os olhos enquanto se acostumava com a luz. A entrada era grande, possuindo o dobro de sua altura, e pelo menos uns seis metros de largura, com o que pareciam ser pilares de pedra, em cada extremidade. Ao sair, viu o “problema” ao qual ela se referia, e, assim como os que chegaram antes, ficou contemplando-o, sem acreditar em seus olhos.
Por todos os lados até onde a vista alcançava, a única coisa que via a sua frente, era um grande deserto.
A caverna estava a algumas dezenas de metros do chão, em um pequeno rochedo, que parecia uma ilhota isolada em meio a um grande mar quase branco. Uma espécie de descida ao lado levava para baixo, onde Ítalo pode ver alguns traços de vegetação entre as rochas. Nuvens de poeira podiam ser vistas ao longe, junto de um brilho forte, que julgou ser por causa do reflexo do sol na areia. Ele ficou contemplando aquela vista, andando de um lado para o outro sem nenhuma razão específica, até que o forte sol sobre sua cabeça o cansasse, e ele fosse obrigado a voltar para entrada da caverna. Os outros fizeram o mesmo, por exceção de um, que fiara a sombra da entrada da caverna. Parecia ter perdido os sentidos, não respondendo quando chamado. Eles o deixaram lá, e se sentaram próximos a entrada.
Eram seis ao todo, contando com Ítalo. Havia um homem calvo de cabelos grisalhos, um cara usando uma jaqueta de couro, que parecia ter saído de uma série que sobre motoqueiros Ítalo assistira, uma garota com um elegante uniforme escolar, e a mulher com que ele falara antes. Um grupo formado pelos que restaram, Ítalo percebeu. Ele já estivera em muitos deles antes.
— E aí, terrível não? — comentou a mulher de antes.
Ítalo respondeu com um fraco aceno de cabeça. Ele ainda estava tentando por seus pensamentos em ordem.
— Que lugar é esse? onde nós estamos? — balbuciou o homem calvo, com as mãos sobre a cabeça. Metade dos seus cabelos restantes, e de sua barba, estavam grisalhos.
— É um deserto obviamente — O cara mais novo respondeu.
Ele usava uma camisa branca com uma jaqueta preta, que obviamente tinha tirado por conta do calor.
— Então onde seria? — perguntou a mulher de cabelos longos.
— Não sei, talvez o Saara, ou o Atacama, quem sabe o vale da morte — O cara mais novo girava as mãos enquanto falava.
Ítalo fechou os olhos, pôs as mãos na cabeça, e respirou fundo. Acordar duas vezes sem saber onde estava havia cansado sua mente.
— Não — respondeu — Não estamos nesses lugares — olhou para cima — estamos em outro mundo.
“E aquilo também não foi um pesadelo”, pensou.
Suas mãos tremiam ao lembrar do que ocorrera antes de atravessar o portal. O tremor, os sons. Havia algo lá, sabia. Algo que não se atrevia a, sequer, imaginar. Os outros não pareciam incomodados. Talvez tivessem atravessado antes daquilo acontecer. E ele estava assombrado demais para comentar sobre.
— É, acho que também existem desertos no outro mundo — disse o cara mais novo com um sorriso debochado.
O homem calvo começou a rir de forma desdenhosa, enquanto mantinha um olhar perturbador em seu rosto.
— Um deserto — disse — por que que logo um deserto? E ainda sem nada. Cadê as porcarias que ele nos deu? Aquele desgraçado está brincando conosco? Nos mandou aqui só para morrermos? — gritou.
Ítalo então percebeu que sua pedra sumira. Talvez a tivesse derrubado na confusão, enquanto tentava atravessar os portais. Os outros não pareceram tão perturbados. Talvez já tivessem percebido.
— Se for isso, terei de cumprimentá-lo, ele nos enganou completamente — disse o cara mais novo, ainda sorrindo.
Por algum motivo, Ítalo achava seu sorriso incomodo.
— Tá de brincadeira? — Gritou o homem calvo, se levantando — Acha que isso tudo é uma piada, nós vamos morrer — veias saltaram de seu rosto vermelho enquanto ele gritava.
— Mas já morremos — o cara mais novo respondeu, com uma voz calma demais para o gosto de Ítalo — Não é como se fosse importar se ocorresse novamente. Tudo o que vai acontecer será nós voltarmos de novo para aquele rio, como o tal deus falou — Ele fez gesto de desdém com a cabeça.
— Então você… — O homem calvo pareceu engasgar-se — Se está tão satisfeito com a morte, por que veio para cá em primeiro lugar?
O cara mais novo deu de ombros.
— Não sou obrigado a te responder.
— Como é seu fedelho?
— Tá bom, vamos nos acalmar pessoal — disse a mulher erguendo as mãos para ambos — Já está ruim, o bastante, como está, e vocês estão assustando-a ainda mais.
O homem calvo se sentou, cruzando os braços.
Ela apontou para a garota encolhida, com os braços sobre os joelhos, sentada mais afastada de todos. Ela era pequena, aparentando ainda estar do fundamental.
— Oi querida — a mulher falou com uma voz carinhosa —, não precisa ter medo. Me chamo Pamela, qual é o seu nome?
A garota levantou o rosto. Ela usava um uniforme que parecia ser de escola, mas era diferente dos usados na de Ítalo. Esse era composto por uma saia preta longa, e uma camisa de botões branca com um blazer azul escuro. Havia o emblema de uma ponte bordado. Parecia um fardamento que alunos de colégios particulares.
— Daisy — respondeu a garota, com uma voz tão baixa como um sussurro.
— Que nome bonito — Pamela sorriu encantadoramente.
Ela olhou para o homem grisalho.
— E você, como se chama?
— Marcelo, e me chamem de senhor — Ele disse, entre resmungos.
Revirando os olhos para a resposta do homem grisalho, ela apontou para o jovem.
— Pode me chamar de Tyler, se for de seu agrado — ele respondeu, baixando a cabeça em uma reverencia.
Ela acenou com a cabeça, e então olhou para Ítalo e acenou com a cabeça, como se dissesse, “agora é você”.
— É, eu me chamo Ítalo.
— Ótimo — Ela bateu palmas —, agora não somos mais estranhos certo? Não precisa mais ter medo — disse, olhando para Daisy.
— Ainda tem uma pessoa lá fora — Ítalo apontou.
O cara chamado Tyler soltou uma risada.
— Ele está lá desde que chegamos — disse —, sua cabeça já deve ter fritado com o calor a essa hora.
O calvo Marcelo bufou.
— Não será apenas ele. Se não sairmos daqui vamos acabar do mesmo jeito — Ítalo podia ver as rugas se formando em sua testa, toda a vez que a franzia.
— Se quiser ir embora, pode ir, apenas cuidado com os abutres — Tyler disse em um tom de troça.
— Cala a boca moleque — bufou Marcelo.
— Então, que tal se todos dissermos de onde cada um é? — Pamela voltou a falar — Aliás sou de…
— E isso importa? — Tyler interrompeu abruptamente.
— Quê? — Ela o encarou, atordoada — Bem, é bom nos conhecermos, certo? Afinal vamos ter que cooperar e confiar uns nos outros.
— Pra mim pouco importa se você é de Washington, ou de Pequim, isso não vale de nada aqui. Não estamos na terra, se não percebeu. E tão pouco isso é uma festa do pijama, ou uma viajem de férias.
Ele se levantou abruptamente, entrando mais na caverna, em direção ao lugar onde Ítalo despertara.
— Para onde você vai? — perguntou Marcelo.
— Viram o que tem lá embaixo, certo? O que acham que isso aqui é? — Ele apontou para baixo.
Pamela e Marcelo se entreolharam, claramente confusos.
Ítalo o encarou, sem entender o que ele queria dizer, até que algo estalou em sua mente. “É claro, é isso”, pensou. Corpos, baús, e pertences, todos guardados em uma caverna. Tinha de ser isso. Ele havia visto muitas delas em documentários e livros antes, mas nunca esperou realmente estar dentro de uma.
Pelo sorriso de Tyler quando seus olhos se encontraram, eles haviam chegado a mesma conclusão.
— Isso é uma tumba — Ítalo falou em voz alta.
— O que? — Marcelo disse, consternado.
— Uma tumba? Como um cemitério? — A garota chamada Daisy se encolheu mais ainda, enquanto seu corpo tremia como um cão chihuahua.
— Exatamente garota — disse Tyler, descendo o íngreme declive.
— Vai fazer o que voltando lá? — perguntou Marcelo, os cantos de sua boca se dobravam mais do que origamis a cada palavra que dizia.
— Pegar emprestado algumas coisas dos mortos, vocês podem ficar brincando de casinha a vontade — Tyler respondeu antes de desaparecer de suas vistas.
O eco da caverna fez sua voz parecer mais alta, assim como o som de seus passos, que iam lentamente se distanciando até que não pudessem mais serem ouvidos.
Marcelo soltou um escarro de desdém.
— Tomara que essa merda desabe sobre esse arrombado — disse retorcendo sua boca.
— Não é para tanto, né? Não precisa desejar o mal para os outros — falou Pamela, com um tom reprovador.
— Não me diga o que devo pensar garota — Marcelo resmungou.
Algo nele fez Ítalo se lembrar do cachorro de sua vizinha, que rosnava e latia sempre que alguém passava por perto do portão.
Um silêncio se abateu sobre todos. Pamela fez várias perguntas sobre ele, que foram respondidas da forma mais evasiva que conseguira. Quando ela pareceu se cansar, foi até a tremula Daisy, com um belo sorriso na boca, tentando retomar a conversa. Ítalo a observou por um tempo, enquanto ela tentava acalmar a garota. Depois olhou para Marcelo, que permanecia em seu canto, resmungando em voz baixa para si mesmo. E então para fora, sentindo o vento quente que a escura caverna, perguntando-se como aquele cara, lá fora, conseguia aguentar aquilo.
Sua perna esquerda começou a tremer. Uma inquietação lhe sobreveio. Por que ele estava ali? Perguntou a si mesmo. Mas já sabia a resposta muito bem. Estava apenas esperando pelo que os outros decidiriam fazer, como sempre fizera. Mas o único que decidira algo, havia saído de sua vista.
Olhou para a escuridão embaixo, onde Tyler estava.
Não sabia dizer se foi por algo racionalmente pensado, ou por um estranho surto de impaciência, que tomara sua ação seguinte.
— Para onde você vai? — questionou Pamela ao vê-lo se levantar.
— Hum, lá pra baixo — respondeu, coçando a cabeça.
— Uh, não me diga que vai atrás daquele corno, moleque? — O calvo Marcelo perguntou, resmungando novamente.
Ítalo abaixou a cabeça, ignorando suas palavras, e desceu.
Teve de tomar cuidado para não escorregar e cair, em meio a escuridão. Ele pôde escutar sons de coisas quebrando enquanto e aproximava do fundo.
— Ora, alguém decidiu me acompanhar — ouviu uma voz dizer.
Era Tyler.
Ele remexia um baú, jogando roupas e outros objetos para fora
— Cara, aqui não tem nada de útil, só roupas, vasos e joias estranhas. — disse se levantando.
Ainda que os olhos de Ítalo não estivessem completamente acostumados com a escuridão, ele pode perceber que Tyler havia trocado de roupas. Agora usava o que parecia ser um vestido, que ia, desde os seus ombros, até os seus pés.
— Por que está vestido assim? — perguntou.
— “Quando estiver em Roma, aja como os romanos”, nunca ouviu isso? — Foi questionado de volta.
Ítalo balançou a cabeça, sem entender.
Tyler revirou os olhos enquanto segurava pegava uma pedra no chão, grande o bastante para que ele tivesse de segurá-la com ambas as mãos, e a bateu contra a fechadura do baú. Com um “crack”, a fechadura quebrou e Tyler abriu a
— Essas roupas não estão tão velhas, entende? — Jogou um dos vestidos em Ítalo, acertando-o em sua cara — Quer dizer que não faz muito tempo que esses caras foram enterrados aqui.
Como ele sabia disso?
— E daí? — Ítalo respondeu, tirando a roupa de seu rosto, e a soltando no chão.
— E daí que, se essas múmias não são tão velhas, então as roupas também não são, ou seja, as pessoas que vivem aqui ainda usam esse tipo de roupa — Tyler respondeu.
Ítalo pegou a roupa que deixara cair em seus pés.
— Mas isso é um vestido — notou, confuso.
— Nunca ouviu falar de túnica? — Tyler perguntou. Ele retirou o que parecia ser uma joia de dentro do baú, e a escondeu dentro de sua roupa.
— Mas, túnicas só eram usadas por povos da antiguidade — Ítalo apontou.
Tyler rebolou algo em sua direção. Quando Ítalo segurou, percebeu que era um bracelete.
— Você mesmo disse, esse é outro mundo — Ele voltou a remexer o baú — Então é melhor vestirmos roupas desse mundo, não?
— Como você pode saber se é melhor vestir isso ou não? — questionou Ítalo.
— Se não quiser vestir, não vista, só estou dizendo o que acho — Tyler disse, olhando os detalhes de um vazo, para logo depois, rebolá-lo no chão.
Ítalo o encarou por um tempo, até que Tyler percebesse seu olhar.
— Que foi? — ele perguntou.
— Não… nada… é que… Hum… — parou pensando em como falaria as próximas palavras — Como você consegue parecer tão calmo e confiante? — perguntou.
— Confiante? Do que você tá falando garoto? — Tyler levantando uma sobrancelha.
— Quero dizer, mesmo com tudo o que houve, tu ainda consegue agir de forma… cê sabe, natural.
— Natural? — Tyler bufou em desdém — É o contrário, o natural em uma situação de merda, como essa, seria a de se enfiar em um buraco e ficar lá, até a merda passar, certo? — Sorriu, incomodando Ítalo — Eu diria que a pior coisa que podemos fazer em uma situação anormal, é agir de forma normal.
— Agir de forma normal? — Ítalo disse, mastigando aquela linha de raciocínio em sua mente.
— Você é um eco por acaso? — Tyler resmungou.
— Quê? Não — Ítalo sacudiu a cabeça desconcertado.
— Então não repita o que eu disse — falou, rebolando outro objeto para longe — Agora, vai colocar isso aí ou não?
Ítalo ficou em silêncio por um tempo, e então, lentamente começou a tirar a roupa.
— Ei, espera, dá pra fazer isso onde eu não possa te ver? — protestou Tyler.
Envergonhado, Ítalo se afastou, para um canto onde poderia se trocar sem ser visto. A caverna continuava para além do lugar onde estavam os corpos e os baús, ele precisava tomar cuidado onde pisava. O vestido estava empoeirado e velho, mas seu tecido era suave, leve, permitia uma fácil movimentação, apesar da aparência, e era bem fresco.
Enquanto analisava a roupa, ele ouviu o som de passos vindos de cima.
— Oi, vocês estão aí? — Era Pamela.
— Esses merdas, quando eu os encontrar, vou quebrar a cara de ambos por ter de descer isso — Aparentemente Marcelo a acompanhava.
Eles pararam no sopé da subida, olhando tanto para Tyler, quanto para Ítalo.
— Ah, que bom que vieram, assim economizamos tempo — Tyler disse, fechando o baú que terminara de esvaziar.
— Tempo para o quê? — Pamela perguntou.
— Andem, vistam isso, vão precisar — Ele atirou mais dos vestidos na direção de ambos.
— Precisar, como assim? — Ela levantou o vestido com uma mão e o encarou, como se tentasse entender o que era.
— Tá brincando com a minha cara moleque? — Marcelo berrou — Quer que eu vista isso? — Ele jogou o vestido no chão.
— Se não quiser usar, não use, mas vai sentir falta dele quando sairmos daqui — Tyler apanhava os tecidos e vestidos, juntando-os em algo parecido com uma trouxa.
— Sa… sair? — O rosto de Pamela era a definição de um ponto de interrogação a essa altura.
— Sair, sabe, para fora — Tyler respondeu — preciso desenhar?
— Você quer sair, nesse sol? — Marcelo aparentava saber falar apenas aos gritos.
— A noite cara — Tyler soou como se estivesse falando com uma criança.
— Hã — Tanto Marcelo, quanto Pamela tiveram a mesma reação.
— A noite… — Ítalo disse, após compreender — a noite no deserto é fria, poderemos sair tranquilamente nesse horário.
Tyler riu.
— Viram, o garoto aí pegou a visão.
— Mas por que estão vestidos assim? — Pamela perguntou novamente.
— Bem, é que…. — Ítalo começou a falar, quando foi interrompido.
— São túnicas, feitas para viver aqui — Tyler impôs sua voz sobre a de Ítalo — Será melhor cruzar o deserto com elas, do que com nossas roupas normais.
— Como você pensou nisso? — Pamela questionou, revistando o vestido
— Pensando — Tyler falou, dando de ombros.
Ela fez uma cara aborrecida em resposta, algo que Tyler pareceu não se importar, e então olhou para Ítalo, que não conseguia pensar em nada para dizer naquela situação. Ele não conseguia ver o rosto de Marcelo, mas podia imaginar sua boca se retorcendo.
— Agora, se quiserem me ajudar — Tyler voltou a falar — ainda há pelo menos uns sete baús que eu não abri.
— E daí? — Marcelo disse, grunhindo.
Tyler soltou um suspiro.
— E daí que é melhor levar tudo que for útil dentro deles — Ele abriu outro.
Pamela encarou o vestido, como se estivesse considerando colocá-lo.
— Se quiserem, podem se trocar naquele canto escuro ali — Tyler apontou.
Marcelo subiu a aclive, cuspindo insultos.
Pamela se afastou para um lugar mais afastado dentro da caverna.
— E você? — Tyler disse, olhando para Ítalo — Vai ajudar ou não? — Ele apontou para alguns baús que não haviam sido abertos.
Sem pensar muito, Ítalo fez o que lhe fora pedido.
Ele segurou uma pedra, e, como vira Tyler fazer, tentou quebrar a fechadura do baú. Após bater quatro vezes, ela caiu. A tampa rangeu quando ele a levantou, criando uma pequena nuvem de poeira que o fez espirrar. Quando verificou o que havia dentro, ficou surpreso.
Havia rolos, muitos deles. Pareciam ser pergaminhos antigos. Quando Ítalo os tocou, percebeu que não eram feitos de papel. Era algo mais grosso, parecido com um tecido. Ele retirou um, cuidadosamente, e o abriu. Como imaginou, havia algo escrito, mas estava escuro demais para ler. Continuou remexendo os rolos, até sentir algo diferente. Era duro, liso, e estava gelado. Ele tateou, até sentir uma onda de dor subindo pelo seu braço, que o fez puxá-lo, urrando de dor.
— O que houve cara? — Tyler apareceu ao seu lado.
— Eu encontrei algo nesse baú, e tentei saber o que era, mas alguma coisa me picou — Ítalo respondeu, alisando o braço.
Sentia-o dormente, da ponta dos dedos até o cotovelo.
— Hum, deixa eu ver — Tyler gesticulou para que Ítalo se afastasse.
— Cuidado para você não ser mordido também.
— Não se preocupe — Tyler lhe mostrou algo parecido com uma luva em sua mão — Legal, não é? Achei no braço daquele cara — apontou para um dos cadáveres. que parecia estar vestido com uma armadura.
Ele enfiou a mão no baú, e com um grunhido, puxou algo para fora.