Deckard - Histórias de outro mundo - Capítulo 01
Mais uma vez, Deckard acordou assustado, suando frio, no meio da noite; com a sensação de que havia tomado um choque e, sem nenhuma surpresa, percebeu a chuva violenta do lado de fora, açoitando tudo e todos que encontrava abaixo dela.
— Quantas vezes mais vou ter esse mesmo sonho estranho? — Ele se perguntou, antes de perceber que estava falando sozinho.
— Novamente, 05:00 h da manhã! — Virou-se e encarou o relógio que adornava a cabeceira da cama.
— Só queria dormir uma única noite em paz, mas parece que é pedir demais.
TOC, TOC, TOC…
Deckard seguiu em direção à porta, se perguntando quem poderia ser. Para abri-la e se ver frente a frente com sua companheira de pesquisas, toda afobada. Parecia até mesmo que havia corrido uma maratona, antes de vir até ali procurá-lo.
— Não esperava que fosse te encontrar acordado a essa hora! — disse ela, com uma expressão espantada e uma respiração ofegante.
Só então, Deckard percebeu que ela realmente fazia jus à imagem de alguém que correu uma maratona antes de chegar ali, com suas roupas ensopadas e a mistura de chuva e suor escorrendo em seu rosto, enquanto tenta recuperar o fôlego perdido.
— Venha, entre e seque-se, Mariah. Acredito que temos tempo antes de você me dizer o que te trouxe até aqui com tamanha urgência.
— A-ah, me desculpe. — ela tentou iniciar um discurso, para se redimir: — E-Eu a-aca…
— Não tem problema. Apenas entre e seque-se, antes que acabe pegando um resfriado — Deckard respondeu rapidamente, cortando o discurso culpado, antes mesmo dela começar.
— Eu já estava indo fazer uma xícara de café para mim, uma a mais não será nenhuma dificuldade.
— Não precisa senhor Deckard, está tudo bem — respondeu ela, com uma expressão culpada.
— Sem problemas. Parece que teremos algo sério a discutir — Deckard a tranquilizou, entregando-lhe uma toalha e um dos uniformes sobressalentes e indicando um quarto de hóspedes, para que se trocasse.
— Eu agradeço senhor. — Ela imitou uma mesura, enquanto respondia.
— Já disse que não precisa dessas formalidades, somos colegas de trabalho — Deckard respondeu do outro cômodo, enquanto colocava o rosto pra fora da cozinha.
Cinco minutos depois, Mariah saiu do quarto. Vestia uma camiseta de algodão preta, junto com um conjunto de calça e blusa de moletom, de mesma cor.
Não se tratava da última moda, mas era um uniforme belo, à sua maneira. O uniforme todo preto criava um contraste agradável com o castanho dos cabelos e dos olhos de Mariah. O uniforme realmente havia lhe caído bem.
Foi tempo suficiente para que ela se trocasse e Deckard preparasse duas xícaras de café e alguns biscoitos, além de pegar seu bom e velho laptop de trabalho. Ele já sabia que nada além disso, despertaria toda aquela urgência em Mariah.
— Acredito que podemos começar agora, certo? — perguntou, sentando ao lado dela.
— Sim, senhor — disse ela, assumindo uma expressão focada.
— Do que se trata tamanha urgência? — indagou Deckard.
— Ah senhor, é sobre a caverna que encontramos. Parece que os assistentes encontraram um desnível que não havíamos percebido antes e o chefe da expedição quer sua presença no local, para uma avaliação, antes que decidam mandar alguém lá para dentro.
— Ele te passou alguma outra informação?
— Não senhor, ele apenas disse que parece que a estrutura do local criou uma espécie de ilusão de ótica, que impediu que a entrada fosse vista antes — Mariah estava absorta na explicação.
E continuou a falar, com grande empolgação.
— O senhor pode me emprestar o laptop, com a última planta aberta? — pediu, com a mão já esticada em direção ao mesmo.
— Fique à vontade — Deckard respondeu, enquanto virava o computador em direção à ela.
— Obrigado — ela o agradeceu, enquanto dava um bom zoom em um segmento da planta baixa da caverna, que passava o dia aberta no computador de Deckard e prosseguiu: — Ao que parece, eles encontraram esse local no quadrante C2 e se trata de um desnível que leva à um túnel.
— Bem, não me espanta que só tenha sido encontrado agora, uma vez que essa parte da caverna é um muito ruim de explorar, por causa do desnivelamento do solo.
— Realmente senhor — Mariah concordou, prontamente. — Na última vez que entramos lá, fiquei com dores nos joelhos e nas costas por dois dias, por conta daquela parte em que temos que engatinhar para passar.
— Bem. Vamos lá, pra resolver esse assunto de vez, já que o pessoal está com pressa pra terminar — Deckard disse, já levantando e puxando o laptop e seu crachá, que havia ficado na mesa da sala. — Vamos lá, pode ir na frente! Vou só pegar as chaves do carro.
Alguns minutos depois, os dois já estavam descendo em direção ao carro.
Nesse momento, Deckard não pôde deixar de agradecer mentalmente por terem passado a erguer bases improvisadas próximas às escavações, para fazerem o papel de alojamento e centro de logística. Isso poupava muito trabalho, na hora de irem até os locais de trabalhos e ele, particularmente, tinha que admitir que preferia esse ar de camping que elas traziam.
Eram essas pequenas emoções diárias que faziam com que se sentisse grato por ter escolhido ser arqueólogo e, principalmente, por ter aceitado trabalhar nas Organizações Discover.
— Tem momentos em que essa atmosfera toda faz eu me sentir mais vivo do que nunca, sabia? — Deckard desabafou para Mariah, apesar de se tratar mais de uma pergunta retórica.
— Sinceramente senhor, detesto trabalhar nos dias de tempestades — Mariah disse, descolando o cabelo castanho do rosto. — Não só tenho que lidar com as dificuldades das escavações, mas também com a chuva, que cola todo o cabelo no rosto e a roupa no corpo.
— Bem, não seria um tanto mais fácil cortar o cabelo mais curto? — Deckard perguntou confuso, pois nunca entendeu essa relação de amor e ódio dela com os cabelos compridos. — Isso te pouparia de metade das suas reclamações, não?
— Bem, talvez…
— Às vezes, eu não te entendo.
— Nem eu senhor, nem eu — ela lhe respondeu, enquanto entrava no carro.
— Bem, vamos lá.