Deckard - Histórias de outro mundo - Capítulo 06
Argenti…
Deckard sonhou com um nome. Sonhou também com um lobo. Sonhou com uma mulher de voz doce e rosto feroz.
Ele caminhou entre a inconsciência e o sonho, como um pequeno barco à deriva, em meio à um mar tempestuoso. Quando recuperou a consciência por completo, viu que estava deitado em um lugar escuro, mas longe de ser desconfortável.
Mais uma vez, estava acordando, sem saber onde estava e nem o que havia acontecido. Ele encarou o teto e tentou, olhar em volta. Mas, esse mísero esforço fez com que ele visse pontos pretos e se entregasse novamente à inconsciência.
Quando acordou novamente, o lugar parecia um pouco mais claro, mas não o suficiente para que ele visse tudo à sua volta. Sentiu cheiro de terra molhada, misturado com um cheiro de carne assada com temperos fortes. Ele se sentou e olhou em volta assustado. Ouviu seu estômago roncar de repente.
– Onde é que eu estou? Como eu vim parar aqui? – ele estava confuso e estava gostando cada vez menos dessa sensação.
– Você está seguro – Uma voz feminina respondeu, a mesma do sonho – Pode ficar tranquilo.
– Quem é você? O que fez comigo? O que deu em você pra me atacar? – Deckard disparou uma enxurrada de perguntas, indignado.
– Vamos com calma, eu vou te responder enquanto comemos – Ela disse, enquanto sentava em um banco próximo ao fogo, onde a carne assava. – Venha e coma, sei que está com fome.
Ele fez o mais indicado, se aproximou com cautela, e se sentou, aceitando um pedaço de carne que ela cortou e lhe ofereceu. Mas, esperou que ela mordesse o pedaço dela, antes de comer.
– Esperto – disse ela, ao perceber – mas, se minha intenção fosse te fazer mal, você já estaria morto.
Enquanto comia, calado, ele olhava bem para a mulher à sua frente. Com seus longos cabelos negros como uma noite sem lua, e seu rosto delicado, mas de expressão resoluta, que demonstravam uma grande força, pronta para ser exibida ao menor sinal de perigo.
Apesar de não ser tão frio na floresta durante a noite, ela estava vestida com roupas grossas, feitas com peles de animais, sem muito luxo ou requinte. Roupas brancas como a neve, que contrastavam com seus belos cabelos. Apesar das roupas pesadas, ainda se podia notar os traços de seu corpo, com um físico bem definido.
– Ao que parece, a fome dos seus olhos supera em muito seu apetite – disse, ao perceber que Deckard a olhava de cima para baixo.
– Ah, s-sinto muito. Não foi minha intenção – ele se desculpou, enquanto sentia um leve rubor subindo pela sua face – Só me senti curioso, pois você é bem diferente de qualquer pessoa que eu já vi.
– Não é como se eu me incomodasse, apesar de tudo – respondeu ela, com uma leve sorriso brincando em seus lábios.
– Mas, o que me deixa curioso, acima de tudo é saber o que aconteceu para que eu acabasse aqui. Só me lembro de ser atacado, depois de caçar – só de pensar, ele já se sentia incomodado – nem sequer consegui ver quem me atacou.
– Bem, sobre isso… – ela começou a falar e parou.
De repente, ela soltou um assovio que fez doer os ouvidos dele, olhando por sobre os ombros. Ela esperou alguns segundos, enquanto Deckard se perguntava o que ela estava fazendo.
Sem qualquer som ou estardalhaço que denunciasse sua presença, um gigantesco lobo surgiu ao lado dela, o encarando com ferocidade.
– Ahhhh – foi tudo que ele pôde deixar escapar; enquanto tentava se arrastar para trás, aos tropeções, sem desviar o olhar daquele animal imenso – puta que pariu.
– AHAHAHHAHHAHAH
Ela não conseguiu segurar a gargalhada, vendo aquela cena e todo seu apavoro.
– Não precisa ficar tão assustado.
Deckard encarou ela, enquanto ela ria e lhe dizia isso, com tamanha calma.
– Como não? Olha o tamanho desse animal – Deckard apontou, indignado por ser motivo de risada para alguém que nem conhecia.
– Está tudo bem, rapaz – ela lhe disse, enquanto acariciava o Lobo, que não tirou sua atenção dele, por um segundo sequer.
– Não me parece que esteja para ele, olha só como ele me encara – respondeu, ainda afastado da dupla.
– Bem, o Argenti não vai fazer nada para você, enquanto você não mostrar nenhuma intenção de fazer algum mal para nós – ela disse, pegando outro pedaço de carne e entregando ao lobo.
Enquanto o lobo finalmente tirava sua atenção de Deckard e a voltava para a carne, ele pôde escutar ela dizendo.
– Antes de continuar nossa conversa, seria bom ao menos sabermos o nome um do outro, não acha?
Só depois de ouvir ela falando que ele se deu conta de que não sabia nada sobre ela, além do fato de que havia acordado no mesmo lugar que ela.
– Eu sou Diane, a última de minha linhagem e a última alma viva de Nullus – disse ela, fingindo uma leve mesura, com um sorriso brincalhão – E você, quem seria?
– Meu nome é Deckard, Deckard Crowford – ele respondeu, imitando a mesura.
– Crowford? – Ela repetiu, demonstrando estranhamento – Você vem de longe, não?
– Bem, pode se dizer que sim – ele não queria revelar nada sobre si para alguém que estava conhecendo agora.
– Quanto à sua pergunta, Deckard – ela começou e olhou para Argenti. – acredito que devemos nos desculpar com você. Eu e Argenti estávamos caçando na Floresta e aconteceu que você acabou mirando a mesma presa que ele e foi atacado por conta disso.
Deckard se pegou olhando para aquele lobo assustado. Pois a velocidade que ele demonstrou ao atacar foi algo que lhe deixou assombrado.
– Então foi isso – apesar do que ele ouviu, se sentiu aliviado. – Fico feliz por ele não ter avançado em mim disposto a me matar.
– Não se preocupe com isso. Se ele quisesse te matar, você teria sido fatiado sem nem sequer perceber que morreu – ela respondeu, com uma certeza absoluta pairando no rosto.
Ela levantou e foi em direção ao que parecia ser outro cômodo. Enquanto isso, ele começou a reparar em volta, no cômodo.
O lugar em que estava sentado lhe dava uma boa visão e ele pôde reparar no cômodo pouco espaçoso, suficiente apenas para duas ou três pessoas.
A carne foi assada em uma espécie de braseiro feito de pedra, localizado no meio do cômodo. Os bancos eram esculpidos em madeira, forrados com alguma espécie de planta, que dava uma sensação acolchoada. No canto, havia uma pequena mesa, onde havia algumas garrafas, vasilhas e talheres postos.
Reparando no teto, ele pôde ver que se tratava de algum tipo de rocha negra que o compunha.
– Bem, para viver sozinha, acredito que não precisamos de muitos luxos, não é mesmo? – A voz de Diane o assustou.
– Diabos, o que há com essa furtividade de vocês? – Deckard perguntou, com um ar reclamão – Parecem fantasmas.
– Bem, seus sentidos é que são ruins. Não sei como conseguiu sobreviver até agora com eles nesse mundo tão cruel.
– Bem, eu nunca precisei me preocupar tanto com ataques e sobrevivência no lugar de onde vim.
– Agora, está explicado – ela parou de repente, ao seu lado – E de onde você veio?
– Talvez você não conheça – ele tentou se esquivar dessa pergunta.
– Bem, diferente do que pode parecer, já viajei muito por esse mundo; conheci muitos povos, muitos reinos e enfrentei muitos perigos – ela foi se aproximando aos poucos, enquanto falava. – mas, jamais encontrei um lugar tão pacífico como o lugar de onde você diz que veio.
Ela pousou a mão em seu ombro e chegou bem próxima do seu ouvido, deixando Deckard levemente desconfortável.
– Ou será que você veio de outro mundo, meu caro Deckard?