Deckard - Histórias de outro mundo - Capítulo 08
Depois de mais algum tempo procurando materiais pelo pequeno quarto, Diane voltou sua atenção para Deckard, com o que parecia uma moeda de ouro em suas mãos.
— O que é isso em sua mão? — ele perguntou, curioso. — O que exatamente estamos fazendo aqui?
— Sente-se próximo à luz — ela lhe indicou um banco, enquanto se aproximava dele. — E tire sua camiseta. Vou te mostrar a maneira que eu descobri seu segredo.
Curioso à respeito do que ela lhe disse, ele não demorou a se sentar e tirar a camiseta. Apesar de se sentir envergonhado com a situação, a curiosidade dele era ainda maior.
— Depois que Argenti te atacou e eu te encontrei, percebi que você havia se ferido e cuidei de seus machucados – ela lhe disse, enquanto começava a desenrolar a atadura que estava em seu peito. — E, enquanto cuidava de você, descobri seu segredo.
Sem entender do que ela estava lhe falando, ele decidiu olhar para baixo. Mas, apesar de procurar, não encontrou nada que estivesse fora do normal.
— Do que exatamente você está falando? — Deckard já estava ficando cada vez mais confuso.
— Se acalme, logo você verá. Antes disso, preciso retirar um feitiço que coloquei em você — Diane se aproximou dele com a moeda em mãos, que tinha um tamanho considerável, superando o tamanho das moedas com as quais ele estava acostumado.
Ela colocou a moeda nas mãos dele e puxou um frasco com algum líquido escuro, com uma fragrância floral.
Sem muita demora, ela se inclinou e começou a desenhar no peitoral de Deckard algo semelhante aos rabiscos presente nas folhas e, mais uma vez, ele se viu encarando inscrições em latim.
Curioso com o procedimento e com o fato de reconhecer a escrita, ele tratou logo de perguntar.
— O que exatamente está escrevendo aí? — enquanto falava, Deckard apontava para as inscrições. — E como é possível que a linguagem desse mundo seja tão semelhante à uma língua morta?
— O que é uma língua morta? — ele pôde ver a confusão no olhar de Diane, que parou de escrever por um momento. — E quanto a isso, estou tirando um feitiço de ocultação que coloquei em você. Espere mais um momento.
— Feitiço de ocultação? Para ocultar o que exatamente?
Apesar de ouvir a pergunta dele, ela o ignorou completamente e continuou seu trabalho com a tinta.
— Uma língua morta é o que o nome sugere. Uma língua que foi esquecida com o tempo e não tem mais falantes o suficiente para mantê-la em uso. Em meu mundo, esse idioma se chama latim e já caiu em desuso há séculos — ele explicou, vendo que ela não responderia a pergunta que ele havia feito.
— Interessante, nunca havia escutado sobre isso. Aqui, nós usamos esse idioma por todo o Continente Principale, diferente dos outros três continentes. Chamamos esse idioma de Uno.
— Que interessante. Aqui neste mundo há apenas quatro continentes. No meu mundo, temos sete continentes.
— Me parece ser um mundo bem vasto. Terminei a inscrição para a magia — Diane colocou o frasco com tinta de lado e colocou a moeda de ouro na altura do estômago dele. — Bem, vamos lá.
Ela sentou em outro banco ao seu lado e colocou a mão sobre a moeda.
— Como se trata de uma magia que exige bastante das minhas capacidades, vou usar um cântico para facilitar — assim que lhe explicou, ela fechou os olhos e se concentrou.
— Me verum adducere Abscondita est ad lucem deducere Ostende quid secreto Frange occultationem sciam verum — enquanto ela recitava o cântico, até mesmo ele podia sentir o poder que aquelas palavras carregavam.
Novamente ele se sentiu estranho, com aquele familiar formigamento percorrendo o seu corpo. De repente, se surpreendeu com o que aconteceu. As linhas, que eram pretas como breu, começaram a se acender em tons de um azul vivo e prata, como um metal recém forjado, sem impurezas.
Deckard se sentia mais vivo do que nunca, como se aquele azul injetasse eletricidade em suas veias. Quando ele achou que as surpresas teriam acabado, pôde ouvir o som ensurdecedor de um trovão tomando o lugar, quanto Diane abria os olhos, iluminados com um fulgor branco que quase o cegou, assim que ele a encarou.
— Mas, que por…? — A pergunta morreu em sua garganta, enquanto ele abaixava os olhos, na intenção de se proteger do clarão e se deparava com tatuagens surgindo em seu corpo, subindo das costelas, na altura do cotovelo, até o peitoral.
Conforme as marcas surgiam, uma dor lancinante subia pelo seu corpo junto com as marcas.
— AHHHHHHHHH — enquanto as marcas surgiam, pontos escuros surgiram na vista de Deckard.
Tudo que ele pôde fazer foi gritar, uma vez que não conseguia se mexer e Diane parecia estar em transe.
Depois do que pareceu uma eternidade, o clarão começou a abandonar os olhos dela e a dor que Deckard sentia diminuiu. Logo ela se encolheu, ofegante. Parecia que isso havia sido doloroso para ambos.
— A-Ah. Sinto muito Deckard — disse ela com uma expressão preocupada, enquanto o olhava. — Mas, esse é um segredo que precisa ser escondido. Essas marcas são um tabu nesse continente, pois faz com que todos sejam obrigados a lembrar de uma antiga tribo selvagem que já causou muita destruição aos reinos de Principale, antes de ser destruída.
Ele não pôde dizer nada. Afinal, ele não conhecia a história e ainda não estava completamente recuperado da experiência que havia passado.
— Enfim, foi assim que eu descobri seu segredo. Apesar de não serem tão comuns, essas marcas em seu corpo são bem diferentes da antiga tribo. Aquelas que eles ostentavam, na verdade, se tratavam de runas arcaicas que concediam grande poder para eles em batalhas. Já as suas, lembram as que meu mestre tinha e que, segundo ele, são gravadas em viajantes de outros mundos, quando chegam aqui. São uma forma de reconhecer aqueles que violaram um dos princípios universais desse mundo e sobreviveram.
Assim que terminou de explicar, ela se levantou e saiu em busca de algo, sem dizer mais nada. Ele pôde notar que ela não encontrou o que buscava.
— Espere aqui, que eu volto em breve.
Ela mal terminou de falar e saiu do cômodo. Enquanto ela não voltava, ele ficou analisando as marcas em seu corpo, com um certo desconforto.
— Quem diria que algum dia eu teria uma tatuagem tão extravagante — Deckard se sentia meio incomodado com aquelas marcas.
Apesar disso, ele teve que se contentar. Não era como se ele pudesse apagar elas.
NHIIIIIEEEEC…
O som da porta abrindo o tirou de suas divagações, o fazendo pensar.
“Será que não existe óleo lubrificante por aqui, não?”
Aquelas dobradiças pareciam estar enferrujadas há mil anos.
— Agora que já estamos aqui, vou te ajudar com algumas coisas, que vão te ajudar a sobreviver neste mundo.
Ela ganhou completamente a atenção dele.
— Como vai fazer isso exatamente? — Deckard perguntou, curioso.
— Antes de mais nada, vou testar sua afinidade elemental. Tudo nesse mundo funciona à base de magia, logo o primeiro passo para viver aqui é saber magia.
Diane então começou uma explicação detalhada sobre como funcionava o ensino de magia naquele mundo. Ela explicou sobre afinidade, grau de magias, suas aplicações, a diferença sobre magos combatentes e não combatentes e todas as outras coisas que pertenciam ao senso comum naquele mundo.
Depois de uma introdução nada breve, ela tirou um objeto de um pedaço de pano e o mostrou. Tratava-se de uma espécie de medalhão, composto por dois triângulos sobrepostos, em sentidos contrários. Com uma espécie de olho em seu centro.
— Esse objeto é um Oculus Veritatis, capaz de mostrar a afinidade elemental de alguém — Diane mostrou o objeto para Deckard, enquanto retomava a explicação. — Você coloca seu sangue no olho e ele mostra, usando cores para cada elemento. Isso vai mostrar qual elemento você terá mais facilidade de praticar. Como se trata de uma avaliação mais rasa, não vamos poder medir o seu grau de afinidade, afinal um objeto que permite medir o grau está muito além das minhas capacidades financeiras no momento.
O objeto foi colocado sobre a mesa e ela sacou uma pequena faca, sem qualquer tipo de ornamento, e a passou para ele.
— Faça um pequeno furo em sua mão e deixe seu sangue verter neste olho, no centro do medalhão. Depois de alguns segundos, a cor dele vai mudar e vamos ser capazes de ver sua afinidade.
Deckard fez como ela lhe explicou. Assim que seu sangue escorreu sobre o olho, um pequeno furo se abriu no centro da pupila esculpida e o sangue foi sugado para dentro. Diane lhe estendeu um pequeno pano, para secar o sangue do seu dedo.
Nem dez segundos se passaram e um brilho levemente azulado começou a aparecer. O medalhão começou a se acender. Quando Deckard achou que ele ficaria azul por completo, o brilho foi confrontado por um brilho prateado, que tomou metade do medalhão.
Enquanto esperava Diane lhe explicar o que estava acontecendo e lhe falar a sua afinidade elemental, ele se deparou com um olhar surpreso no rosto dela. Ela olhou para o medalhão, em seguida olhou para Deckard, pensou por um momento. Levantou, sem falar uma palavra sequer e começou a mexer nos seus livros, procurando por algo com afinco.
— Diane? — ele a chamou, sem muito resultado.
Ela continuou procurando, por alguns minutos, até que pareceu encontrar o que buscava.
— O que aconteceu? O que isso aqui significa? — Deckard perguntou, esperando pela resposta.
— Isso significa, meu caro Deckard, que as surpresas com você não se acabam facilmente.